Ana Laura Costa
Um dos sócios-fundadores do Estúdio BOHHO – um estúdio criativo de arquitetura, patrimônio e design – o arquiteto e urbanista Yuri Rebello, de 32 anos, reconhece a importância de mergulhar nas mostras, exposições, painéis e discussões que ocorrem na cidade como um meio de fortalecimento e divulgação do trabalho sustentável realizado pelo estúdio. Junto com Yuri, o também sócio fundador, arquiteto e urbanista Luiz Rabelo, também participa da iniciativa.
De acordo com Yuri, recentemente os dois empreendedores participaram do Mercado das Indústrias Criativas do Brasil (MIC BR), além da Feira Pará Negócios, que ocorreu no Hangar – Centro de Convenções da Amazônia. “Estamos sempre buscando parcerias, eventos e oportunidades para falarmos sobre o nosso produto e a importância da sustentabilidade para manutenção da nossa vida nas mais diferentes escalas, de dentro de casa, até à manutenção do planeta. O que temos aprendido nessa trajetória é que precisamos falar de um modelo sustentável pensado por nós e que seja próprio da nossa região. A Amazônia tem peculiaridades que precisam ser observadas cuidadosamente”, ressalta.
URBANA
O trabalho em questão, valoriza a cultura ribeirinha amazônica através do design mobiliário: móveis e peças produzidas a partir de madeira de descarte de embarcação, coletadas nos portos hidroviários da capital paraense e demais municípios do Estado.
De acordo com Yuri, o projeto “Depois da Maré”, nasceu após uma incursão no centro histórico da cidade e, durante o passeio, eles notaram a quantidade de madeira, de boa qualidade, descartada pelos barqueiros após às reformas de embarcações, que formavam montes de entulho às margens do rio e portos.
“Naquele momento, percebemos que todo aquele “lixo” poderia se tornar algo para utilizarmos em nossos projetos. Na mesma hora coletamos parte daquele material e o deixamos armazenados no nosso escritório”, ressalta.
Em Belém, o rio os levou ao encontro do marceneiro de larga experiência, Josiel da Silva. “Achamos a pessoa que produziria os primeiros móveis. Para nós, foi o encontro perfeito e no tempo certo. Para o Josiel, foi um resgate da sua infância e juventude. Desde o começo nos preocupamos em não nos apropriarmos de algo que não era nosso, visto que Luiz e eu, não somos da comunidade e tão pouco temos experiência com carpintaria náutica, por isso, Josiel foi incorporado ao projeto, para que ele falasse por si próprio”, explica.
Dentro da proposta, também está incluso diversificar a renda de profissionais como Josiel, já que, como pontua o arquiteto, a carpintaria náutica é um trabalho sazonal e, com o aumento de lanchas e outras embarcações mecânicas, as manutenções e reformas em barcos de madeira característicos da região, acabam sendo mais escassas.
“A produção artesanal de mobiliário é uma forma de diversificar a renda destes profissionais, visto que é um trabalho que exige menos esforço físico e demanda menos tempo do que a reforma de uma embarcação, por exemplo. Além disso, nós três acreditamos que a criatividade, o design e a sustentabilidade podem levar a nossa cultura ribeirinha e amazônida para outros cantos do país e do mundo”, afirma.
COP-30
Segundo Yuri Rebello, os dois empreendedores estão mergulhando nos editais, feiras e eventos da cidade. Uma forma de divulgar o trabalho a outros lugares e conhecer pessoas interessadas em contribuir com a divulgação do projeto. Os arquitetos também estão se aproximando de uma rede de empreendedores do mesmo nicho que atuam há mais tempo no mercado para fins de experiência.
“Fomos aprovados recentemente no Edital Paulo Gustavo, onde teremos recursos para oferecer oficinas para produção artesanal de móveis de madeira de descarte para carpinteiros náuticos e demais pessoas da comunidade interessadas” , pontua.
Segundo o arquiteto, a equipe que compõe o projeto tem se articulado para aumentar a produção dos móveis. Ainda de acordo com ele, no próximo ano é possível que ocorra a materialização de uma galeria física e loja virtual de móveis e objetos de decoração.
A COP 30 é uma ponte. “A COP 30 se mostra como ótima oportunidade para que vejam o que estamos produzindo. O trabalho em nossa região sempre foi feito, porém invisibilizado e marginalizado. Agora, os olhos se voltam para nossa região, nossa cultura e história. Mas dessa nós vamos falar por nós mesmos, nós somos os protagonistas e autores da nossa própria história. Esse também é o objetivo do nosso projeto: falar e mostrar nossa cultura, pois nós precisamos de espaço e não de voz”, completa.
UPCYCLING
Brincos, carteiras, bolsas, cintos e uma série de outros acessórios produzidos artesanalmente a partir do reaproveitamento de câmaras de ar de pneu e outros materiais. Esse é o trabalho realizado pela designer Isabela Sales, de 29 anos, com sua marca de acessórios “Isabela Sales DSGN” que, acima de tudo, busca mais sustentabilidade e igualdade social.
“Frequentemente ministro palestras, oficinas e cursos relacionados com temas como regionalismo, design e sustentabilidade, empreendedorismo feminino e igualdade de gênero”, conta a jovem.
Entendendo os percalços de ser uma mulher empreendedora e nortista, vem se tornando uma figura que empodera e capacita pessoas da região, principalmente mulheres. As oficinas do projeto “Mulheres do Entorno”, é um bom exemplo disso.
“Nelas ensinamos mulheres da periferia e/ou em situação de vulnerabilidade social, a produzir acessórios com as câmaras de ar de pneus, por ser um material abundante e acessível, fácil de trabalhar mas que pode se tornar um interessante fonte de renda. Nesse ponto, também pretendemos contribuir com ‘ dicas’ de negócios e disponibilização para espaço de vendas das peças geradas. Mas, para além da prática, nosso conteúdo também envolve muita fala e escuta e, às vezes, é tudo que uma pessoa precisa para se ver como digna e capaz”, ressalta.
Segundo a jovem empreendedora, as oficinas profissionalizantes ocorrem, primeiramente, por gostar de compartilhar conhecimento e se sentir feliz ensinando. No entanto, ela deixa e também recebe um tanto. “Durante minha trajetória fui entendendo as dores do empreendedorismo feminino e para além disso, de ser uma mulher em sociedade, com inúmeras obrigações, cargas e restrições, então esta é uma causa pela qual decidi me dedicar, diariamente busco entender o que eu e outras mulheres passamos, falando e ouvindo pra que assim possamos nos articular e elaborar maneiras de nos posicionarmos diante dos desafios. De maneira objetiva as oficinas são o que me possibilita chegar nessas mulheres”, ressalta.
Desde que se formou, em 2017, ela afirma que trabalha com sustentabilidade e já era hora da pauta se tornar um assunto urgente. A designer salienta que não pretende produzir mais e mais rápido com menos trabalho, a ideia é justamente se contrapor ao dual sistema de produção e consumo.
“Essa é uma lógica que prejudica pessoas e valoriza máquinas, gerando lucro para poucos, não distribuindo o capital e deixando as pessoas com cada vez com menos possibilidade de se erguerem. Se a COP 30 for capaz de nos trazer investimentos e gerar oportunidades de ampliação do nosso projeto com as comunidades, espero estar preparada para aproveitar”, enfatiza.
Para ela, usar a voz para fomentar o debate sobre empreendedorismo sustentável é levantar mulheres que vivem trajetórias e realidades distintas.
“O empreendedorismo estatisticamente é a realidade de muitas mulheres no Brasil inteiro, é uma questão de sobrevivência. A maioria empreende para complementar a renda ou porque estão desempregadas e precisam sustentar a casa. E se você reconhece mais pessoas passando por algo parecido, você tem mais opções diferentes de encontrar soluções, além de se sentir encorajado a compartilhar, pois vê que também pode contribuir com alguém. É o impacto de uma rede colaborativa”, finaliza.