Pará

Justiça paraense considera paternidade afetiva

Hoje será o primeiro Dia dos Pais que o funcionário público Diogo Alvarenga Solano, 42 anos, passará ao lado da Filha Ísis Pietra Silva Monteiro, 10, como pai, após uma luta de 4 anos na Justiça. Foto: Octavio Cardoso / Diário do Pará
Hoje será o primeiro Dia dos Pais que o funcionário público Diogo Alvarenga Solano, 42 anos, passará ao lado da Filha Ísis Pietra Silva Monteiro, 10, como pai, após uma luta de 4 anos na Justiça. Foto: Octavio Cardoso / Diário do Pará

Luiz Flávio

A multiparentalidade, que é reconhecimento jurídico da coexistência de mais de um vínculo materno ou paterno em relação ao mesmo indivíduo, está cada vez mais presente na sociedade brasileira. Isso porque a configuração das famílias mudou ao longo do tempo e o direito vem buscando reconhecer e amparar juridicamente essas mudanças.

Essa nova realidade fez com que o vínculo socioafetivo – e não apenas o biológico – também seja reconhecido como forma de parentesco civil. Hoje esses dois modelos convivem pacificamente em diversas famílias e cresce a demanda para que o Estado reconheça essa nova realidade

Hoje será o primeiro Dia dos Pais que o funcionário público Diogo Alvarenga Solano, 42 anos, passará ao lado da Filha Ísis Pietra Silva Monteiro, 10, como pai, após uma luta de 4 anos na Justiça. Em setembro do ano passado uma decisão judicial concedeu a ele guarda e o reconhecimento da paternidade socioafetiva ao mesmo tempo. “Após o trânsito em julgado do processo, já que ainda serão julgados Embargos de Declaração, ela passará a se chamar Ísis Pietra Silva Monteiro Solano. Terá meu nome!”, diz, orgulhoso.

Diego mantinha uma relação e amizade com a mãe de Pietra, bem antes do nascimento da menina. O sentimento foi mudando e pouco tempos depois passaram se relacionar como um casal, mas o relacionamento não foi para frente e a mãe da menina passou a se relacionar com outro homem. Mas o contato entre os dois permaneceu. “Pouco tempos depois ela terminou com essa pessoa e voltou a me procurar. Ocorre que ela descobriu que estava grávida, sem ter planejado.”, relembra.

Diego mantinha uma relação e amizade com a mãe de Pietra, bem antes do nascimento da menina.

Meses depois, o casal voltou a se reencontrar numa festa. Pietra já havia nascido. Os dois voltaram a “ficar” e a mãe convidou Diogo para o “mesário” de 5 meses da filha. “Fui na festa e quando bati o olho na criança foi paixão à primeira vista e o sentimento de paternidade bateu forte em mim pela primeira vez. Foi uma coisa muito intensa e inexplicável. Eu me senti pai daquela criança sem conhecê-la”, recorda.

Após a comemoração, o casal engatou um novo relacionamento e o funcionário público passou a conviver intensamente com o núcleo familiar da sua namorada e da menina, como se realmente fosse o pai dela. “Passamos a morar juntos e eu supria Pietra de todas as suas necessidades, materiais e emocionais. Me transformei num pai de verdade com tudo aquilo que essa condição demanda”, conta.

A convivência durou 5 anos quando, novamente, o casal se separou, no final de 2017. “Nosso relacionamento não deu certo, mas não tinha porque me separar também da Pietra… Naquela altura nossa ligação estava muito forte. Não havia como haver um distanciamento. Não seria justo nem para mim nem para a criança, que sofreria um trauma enorme”.

Desde então Diogo e Pietra não passam 3 dias sem se ver: ele que faz a matrícula da menina, a leva à escola e fica tomando conta quando a mãe sai para trabalhar num shopping da cidade. “Nunca houve por parte da mãe qualquer restrição em relação ao nosso relacionamento. A Pietra é minha dependente no imposto de renda e continuo arcando com as despesas dela”, diz.

O pai biológico, segundo Diogo, sempre afirmou que não tinha condições financeiras de ajudar a filha. Quando o auxílio vinha era de maneira bem esporádica e não oficial. Com a ajuda de Diego a mãe conseguiu na Justiça que o pai biológico pagasse uma pensão alimentícia para a menina, com direito de visita a cada 15 dias.

“Independente disso, sempre continuei fazendo tudo o que eu fazia para ela, mas o pai biológico não aceitava que eu, mesmo separado da mãe, continuasse exercendo o papel de pai que ele mesmo não exercia. Ele chegou a me denunciar no Conselho Tutelar, mas essa situação não foi para frente pois comprovei o vínculo”, coloca.

A situação inusitada de cumprir todos os deveres de um pai, mas não ter essa situação legalmente definida e reconhecida, impedindo que tivesse direitos em relação à filha, fez com que Diogo procurasse a Promotoria da Família para resolver a situação, através de uma ação declaratória de reconhecimento de paternidade socioafetiva impetrada na Justiça. “Foi quando recebi todo o apoio e conheci de fato o que é a multiparentalidade”, comenta o servidor público.

Pietra mora com Diogo desde janeiro desse ano. Antes morava apenas com a mãe, que achou melhor que a filha morasse com o ex-companheiro. “Ela viu que tenho, no momento, melhores condições de oferecer uma estrutura e acompanhamento pedagógico pra Pietra. Nossa relação é a melhor possível. Ela entra e sai da minha casa a hora que quer, dorme no quarto da minha filha no meu apartamento e quando quer leva a Pietra para ficar com ela, mas minha filha mora comigo por decisão da mãe”.

Para comemorar a sentença, seu aniversário e o primeiro Dia dos Pais juntos, Diogo decidiu tatuar no seu braço a foto preferida da filha com seu nome completo, já com seu sobrenome, eternizando a relação. “Na imagem ela tem 6 anos e está usando a camisa do meu time do coração, o Botafogo, líder do Brasileirão, e foi ela mesmo que ajudou escolher essa foto pra tatuar”, comemora.

 

Processo foi acompanhado pela promotoria de justiça

A promotora Maria de Nazaré Abbade Pereira, da 7ª Promotoria de Justiça da Família foi a responsável pela ação de Diogo. Ela diz que o relacionamento entre ele e Pietra transcende a questão até mesmo da paternidade. “É um amor e um cuidado muito especial que existe nessa relação. Com a ação jamais pretendemos passar por cima dos direitos ou poderes do pai biológico, mas apenas reconhecer a paternidade responsável desse pai afetivo”, coloca.

A promotora Maria de Nazaré Abbade Pereira, da 7ª Promotoria de Justiça da Família foi a responsável pela ação de Diogo. Ela diz que o relacionamento entre ele e Pietra transcende a questão até mesmo da paternidade.

Segundo ela todos os cuidados foram tomados para preservar a criança e durante o trâmite processual com um minucioso estudo pré-processual e psicossocial feitos nos 3 núcleos familiares. “A criança mantinha uma relação irregular com seu pai socioafetivo e isso precisava ser legalizado. Não havia qualquer documento comprovando essa relação. Por isso decidimos solicitar a guarda para esse pai, já que ele exercia verdadeiramente esse papel em toda a sua plenitude”, explica a promotora.

Maria de Nazaré diz que só defende causas que efetivamente acredita. “Conheço a história do Solano a fundo, em todas as suas nuances. Esse homem é comprovadamente o pai daquela criança em todos os sentidos. A ligação dele com a criança vem desde a gravidez da mãe, que ale ajudou a manter e se consolidou quando ele viu a criança pela primeira vez”.

A decisão do juiz Francisco Roberto Macedo de Souza, titular da 6ª Vara de Família da capital, saiu em 17 de setembro do ano passado e declarou Diogo pai socioafetivo de Pietra. E foi mais além: o magistrado determinou ainda que na certidão de nascimento da menor conste os pais do funcionário público como avós paternos da menina, acrescentando o sobrenome “Solano” ao seu nome, bem como estabelecendo a guarda compartilhada entre Diogo, a mãe e o pai biológico, que é empresário e reside no município de Abaetetuba.

Apesar de Diogo já ter a guarda de Pietra o processo ainda não foi totalmente concluído. “Ainda falta o juiz definir a questão das regras da convivência entre os 3 guardiões, que não foram devidamente esclarecidas na sentença, como por exemplo, como e com quem ela ficará em períodos como feriados, férias escolares, Dia dos Pais, aniversários, festas de fim de ano, etc.”, lembra Maria de Nazaré.