
Os vereadores de Ananindeua, Flávio Nobre e Pamela Wayne, ambos do MDB, estão parcialmente impedidos, por força de decisão legal, de cumprir a função para a qual foram eleitos: fiscalizar o trabalho da prefeitura do município.
Uma decisão judicial a favor do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Pará (Sindsaúde-PA), que aparece nos autos como autor de um procedimento comum cível, atende o pedido para que os dois parlamentares “se abstenham de ingressar, sem autorização prévia, nas unidades públicas de saúde do município, especialmente em áreas restritas, e de praticar condutas que importem em coação, constrangimento ou intimidação a profissionais da saúde ou pacientes”.
A decisão favorável à entidade, proferida pelo juiz Adelino Arrais Gomes da Silva, da Vara da Fazenda Pública de Ananindeua, divulgada na quarta-feira, 9, significa, na prática, o impedimento de que os dois vereadores continuem a denunciar e cobrar sobre o caos que se tornou a saúde pública do município.
O magistrado determina “aos réus que se abstenham de ingressar, sem autorização prévia e formal da administração pública municipal ou sem acompanhamento institucional, nas unidades públicas de saúde do município de Ananindeua, especialmente em áreas restritas como consultórios, UTIs, salas de atendimento emergencial e setores administrativos internos”.
A decisão inclui ainda a proibição de quaisquer tipos de gravações, filmagens ou transmissões não autorizadas no interior dessas unidades, fixando multa cominatória no valor de R$ 10 mil por dia de descumprimento.
A aceitação do pedido do Sindicato para que não seja exposta a realidade da saúde de Ananindeua se dá exatamente uma semana depois de uma criança de apenas um ano e nove meses morrer, sem causa ainda explicada, após passar três vezes em uma mesma semana pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro do Icuí com sintomas de diarréia e vômito. A situação, de tão incomum, despertou o Conselho Regional de Medicina (CRM-PA) e a Polícia Civil a investigar o caso.
Pouco antes, no dia 26 de março, o vereador Flávio Nobre, após alguma insistência e mais de uma hora de espera, conseguiu entrar e gravar imagens dentro do Pronto Socorro de Ananindeua, inaugurado em julho passado após uma reforma de cerca de R$ 20 milhões. As cenas gravadas pelo parlamentar, mostram uma cena incomum para um PS: o complexo praticamente vazio, sem equipes médicas, sem espera, e com apenas três pacientes internados para cirurgias eletivas.
DESCASO
O procurador-geral de Justiça, César Bechara Mattar Junior, chefe do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), ajuizou, no dia 13 de março último, pedido para que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) determine “imediata intervenção” do Governo do Estado no sistema de Saúde pública do município de Ananindeua, até a normalização dos serviços.
Segundo o PGJ, a cidade passa por uma crise de saúde pública “sem precedentes”, com prejuízos à população local e, também, a outros municípios da Região Metropolitana, em clara violação do direito constitucional à saúde. Tudo em decorrência do fechamento e ameaça de fechamento de vários hospitais do município, o que obriga ao deslocamento de pacientes para outras cidades, sobrecarregando os sistemas de saúde delas.
Flávio Nobre inclusive apresentou à Câmara de Vereadores da cidade um requerimento solicitando informações sobre as demandas encaminhadas pela Central de Regulação de Leitos do município ao PS inaugurado há cerca de oito meses pela gestão do prefeito Daniel Santos (PSB).
De acordo com Nobre, ele decidiu ir ao local depois que recebeu a denúncia de uma mulher em crise convulsiva que teve atendimento negado no local recentemente. “Ela chegou lá com o marido passando mal e simplesmente disseram para ela buscar ajuda em outro hospital, ela só conseguiu atendimento ao chegar no Pronto Socorro da Augusto Montenegro, em Belém”, detalha o vereador.
Informações divulgadas pela própria prefeitura de Ananindeua à época da inauguração, em julho do ano passado, dão conta de que o hospital conta com 75 leitos ao todo, sendo 65 leitos clínico-cirúrgicos e dez leitos de UTI, e que essa estrutura correspondia a uma expectativa de 2.250 pacientes nos leitos a cada mês.
“Enquanto isso, a prefeitura afirma que funciona plenamente, inclusive retaguarda obstétrica do município. De novo: mais de 500 mil habitantes em Ananindeua e não vi nenhuma grávida sendo atendida. É surreal. Parece um pronto socorro fantasma”, denuncia.
No requerimento, o vereador se direciona à Secretaria Municipal de Saúde e à própria prefeitura solicitando números de encaminhamentos das UPAs e das unidades de urgência e emergência para verificar o que ocorre.
“Se não está encaminhando, precisamos saber porquê, para onde estão indo. Uma reforma de R$ 20 milhões para a reforma de um prédio que não funciona? A prefeitura precisa esclarecer se isso é por falta de gestão ou por irresponsabilidade. Porque eu não quero acreditar que seja por maldade”, cobra Nobre.
DEPUTADOS
Os deputados estaduais repercutiram, em diferentes momentos do dia durante a sessão de terça-feira, 1º de abril, os perrengues sofridos já há alguns meses pela população de Ananindeua, segundo maior município paraense, principalmente na área da saúde. Eles inclusive cobraram que o prefeito Daniel Santos (PSB) dê satisfações sobre o que a gestão dele tem feito para amenizar os problemas.
Fábio Figueiras, do PSB, mesmo partido do prefeito de Ananindeua, inclusive enalteceu o papel do MPPA pelo pedido de intervenção estadual no sistema público de saúde.
“O município pede socorro, as pessoas estão vivendo uma situação calamitosa. Quem precisa de atendimento médico e mora em Ananindeua hoje depende ou de Belém ou do estado. Terminou a eleição para prefeito e a cidade entrou em outro ritmo, em que só aumentam as contratações para agasalhar parceiros políticos”, denunciou o deputado.
Por sua vez, Eliel Faustino, do União Brasil, lembrou também que Ananindeua está entre os dez piores saneamentos do país na lista dos considerados cem maiores municípios brasileiros.
“É o único PS da Região Metropolitana sem uma pessoa na porta, e não faz sentido, porque o que mais a gente recebe no gabinete é pedido de ajuda para leito, para internação. E lá não funciona, a gente já viu vídeo, denúncia, de dois vereadores de Ananindeua mostrando como está lá”, complementou. Zeca Pirão, também do MDB, também criticou o fato de uma estrutura tão importante e de custo alto para o orçamento público estar sem qualquer estrutura de atendimento.
O líder do governo no parlamento, deputado Iran Lima (MDB), disse que recursos da Saúde não podem servir para enriquecimento próprio. “Em Ananindeua se desapropriou um hospital que funcionava, apesar dos problemas, e agora esse PS parece que ainda não abriu. É uma vergonha administrar dessa forma”, lamentou.