
O Projeto de Lei nº 4/2025 em tramitação no Senado Federal, que pretende atualizar o Código Civil Brasileiro propõe uma verdadeira reestruturação do Código Civil, e a vida conjugal é um dos focos dessa atualização. Entre os principais pontos estão o reconhecimento expressamente legal do casamento homoafetivo, a possibilidade do divórcio unilateral extrajudicial e a extinção do estado civil “solteiro”. Essas mudanças refletem uma tentativa de alinhar o direito à realidade social e aos princípios constitucionais de liberdade, dignidade e igualdade.
O projeto vem provocado debates entre juristas, principalmente no campo do Direito de Família. Entre as alterações mais polêmicas está o reconhecimento expresso do casamento entre pessoas do mesmo sexo, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011 e pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2013, agora, pode virar Lei.
“O novo texto corrige essa omissão, dando visibilidade e segurança jurídica à união homoafetiva. É uma mudança importante do ponto de vista simbólico e jurídico, pois fortalece o combate à discriminação e reafirma o princípio da igualdade”, diz Camila.

Uma das mudanças mais emblemáticas é a proposta de permitir o divórcio unilateral extrajudicial, ou seja, no cartório, mesmo sem a concordância do outro cônjuge. “Essa inovação amplia o direito à autonomia privada e consolida a ideia de que ninguém pode ser forçado a permanecer casado. É um avanço, sobretudo para pessoas que enfrentam resistência ou abandono, evitando a judicialização desnecessária do fim de uma relação”, explica a advogada Camila Sousa Marques, especialista em Direito de família e integrante da comissão de Direito de Família da OAB de Ananindeua
Quando o cônjuge estiver em local desconhecido, a notificação poderá ser feita por edital. Seria uma forma de desburocratizar um direito, dado que a outra parte não pode impedir o divórcio. Uma das desvantagens da mudança é que pode interferir num aspecto do estado civil sem que o divorciado saiba. Caso não haja acordo entre as partes quanto à divisão dos bens, por exemplo, o casal ainda terá que recorrer à Justiça para organizar os direitos e deveres de cada um. Juristas alegam que a nova norma abre brechas, já que não detalha de que forma o cônjuge será notificado pelo cartório e nem em qual prazo.
A reforma também prevê a extinção do estado civil “solteiro”. Gerando uma nova redefinição social. “O projeto propõe substituir o estado civil ‘solteiro’ por ‘não casado’ ou ‘sem vínculo conjugal atua’. Essa mudança pode parecer apenas semântica, mas traz uma nova perspectiva sobre o status civil. O termo ‘solteiro’ carrega estigmas culturais e, ao ser atualizado, o Direito acompanha transformações sociais mais fluidas, nas quais o valor da pessoa não se mede pelo seu estado conjugal”, explica.
Outro aspecto previsto é a equiparação da união estável ao casamento tanto na partilha de bens quanto no cuidado com filhos, na divisão de despesas e até na guarda de animais de estimação. Pelo anteprojeto, passará a ser reconhecida também a “família parental”, formada por pelo menos um ascendente e seu descendente ou por parentes colaterais que compartilham a vida sob o mesmo teto, como irmãos e primos. A proposta cria obrigações comuns e recíprocas entre os membros, como possível direito à pensão e respaldo jurídico em decisões médicas, patrimoniais ou de guarda.
Outra mudança relevante trazida pela proposta é a possibilidade de que pais em processo de separação resolvam temas como o pagamento de alimentos e a guarda dos filhos menores de 18 anos sem precisar ir à Justiça caso houver consenso entre as partes. Ou seja, se aprovada a reforma, um divórcio com filhos poderia ser 100% gerido de forma extrajudicial
Mudanças na herança geram polêmica entre juristas
A reforma também prevê alterações no caso do direito à herança, o que também vem gerando debates acirrados no meio jurídico. O novo texto prevê que o cônjuge seja retirado da posição de herdeiro necessário — aquele que têm direito garantido por lei a uma parte do patrimônio. A proposta destaca que, em caso de falecimento, a viúva ou o viúvo só herda os bens se não houver descendentes ou ascendentes vivos.
Hoje, pelo Código Civil, são herdeiros necessários filhos, netos, pais, avós, marido e esposa. Eles não podem ser deserdados, salvo em casos específicos previstos na lei, como abandono ou crime contra o responsável pela herança.
Outro direito do cônjuge previsto no projeto é o de seguir habitando na residência do responsável pela herança quando este for o único bem do inventário e ele não tiver renda ou patrimônio suficiente para se sustentar. Entretanto a norma não valeria apenas para o cônjuge, mas também para “remanescentes da família parental” que devem demonstrar o convívio familiar comum.
Para Camila Marques, se aprovado, o novo Código Civil marcará uma virada importante no Direito das Famílias, com ênfase na liberdade de escolha, na pluralidade de afetos e na dignidade das pessoas. “Como advogada de família, vejo essas mudanças como um passo necessário para um ordenamento mais coerente com a sociedade brasileira atual — diversa, dinâmica e em constante transformação”.