Em 2024 houve um recorde histórico de pedidos de recuperação judicial no Brasil: foram 2.273 empresas recorrendo à medida, representando um aumento de 61,8% em relação ao ano anterior, segundo a Serasa Experian. Esse número é o maior da série histórica iniciada em 2014 e também o mais alto desde que a analista de crédito começou a registrar esses dados, em 2006.
Nessa leva, uma dessas foi a companhia aérea Azul, que nesta quarta-feira, 28, também ingressou com solicitação semelhante nos Estados Unidos (EUA), por um mecanismo jurídico que permite empresas em crise financeira reestruturarem suas dívidas e continuar operando normalmente enquanto negociam com seus credores sob supervisão judicial. E, sim, os efeitos disso podem alcançar o território nacional, mediante pedido de homologação da decisão estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para o cidadão brasileiro, a recuperação judicial da Azul pode gerar efeitos práticos e indiretos que merecem atenção, explica o advogado Gabriel Barreto, que atua nas áreas do Direito Público e Direito Empresarial: há a possibilidade de redução de voos em determinadas rotas, especialmente em cidades onde a Azul é a principal ou única operadora, o que pode impactar tanto a mobilidade quanto os preços das passagens, e empresas fornecedoras e prestadoras de serviços à Azul, muitas delas de pequeno e médio porte, podem enfrentar atrasos nos pagamentos ou até mesmo suspensão de contratos, com reflexos econômicos e sociais.
“Além disso, o processo afeta o mercado financeiro, gerando desvalorização das ações da companhia e insegurança para investidores. Outro ponto que merece destaque diz respeito aos clientes do programa de milhagem e de fidelidade da companhia. Em situações semelhantes já vivenciadas no setor aéreo, não são incomuns alterações nas regras de acúmulo e resgate de milhas, redução nos benefícios dos planos pagos e até desvalorização prática dos pontos acumulados. O risco não é imediato, mas é real, especialmente em caso de prolongamento do processo ou agravamento da situação financeira da empresa”, orienta.
Situação não é novidade na aviação
Tanto a LATAM Airlines como a GOL Linhas Aéreas também passaram por processos semelhantes. A primeira ingressou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos em 2020, durante a pandemia de Covid-19, e sua operação no Brasil aderiu ao processo em julho do mesmo ano. Já a segunda solicitou recuperação judicial no início de 2024, enfrentando alto endividamento e dificuldades operacionais. Também manteve suas operações no Brasil e, após acordo com credores, caminha para encerrar o processo ainda em 2025. Em ambos os casos, os programas de milhas não foram interrompidos nem descontinuados, embora as empresas tenham realizado ajustes internos.
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“Esses casos reacenderam o debate no Congresso Nacional sobre o papel do Estado diante das crises enfrentadas por companhias aéreas. Parlamentares discutem se o governo federal deve intervir, por meio de incentivos fiscais, linhas de crédito ou mesmo socorro financeiro direto. Os defensores da intervenção alegam que o setor aéreo é essencial à economia nacional e à integração territorial, e que sua estabilidade é estratégica para o país, justificando um apoio estatal estruturado. Já os parlamentares contrários alertam para os riscos fiscais, o uso de recursos públicos para resgatar empresas privadas e a possibilidade de criar distorções na livre concorrência”, detalha Barreto.
Intervenção Governamental
Do ponto de vista econômico, a intervenção governamental pode trazer vantagens, como a preservação de empregos, a continuidade da malha aérea nacional e a manutenção da confiança no setor. Por outro lado, os riscos envolvem o comprometimento de recursos públicos em um cenário de restrição fiscal, o incentivo à má gestão e a criação de precedentes perigosos para outros setores econômicos. Até o momento, o governo federal tem adotado uma postura institucional de acompanhar com atenção, mas sem anunciar medidas diretas de apoio financeiro a empresas do setor.
O advogado destaca que, pelo menos por enquanto, o pedido de recuperação judicial da Azul nos Estados Unidos não traz qualquer interferência prática nas ações judiciais em curso contra a companhia no Brasil. Ou seja, os processos movidos por consumidores, fornecedores e demais credores continuam tramitando normalmente na Justiça brasileira. Para que o processo estrangeiro gere efeitos no território nacional — como suspensão de ações, bloqueios ou execuções — é necessário que a Azul protocole pedido de homologação da decisão pelo STJ.
“Enquanto isso não ocorre, a situação jurídica da companhia perante o Judiciário brasileiro permanece inalterada, o que significa que os credores nacionais ainda podem buscar a satisfação de seus créditos nos meios ordinários”, reforça.
