Videolocadora - Carlos Eduardo Vilaça

Há vida além dos 90 minutos: a saga de um juiz de futebol em "(fdp)"

Um anti-herói por natureza. Assim pode ser definido o árbitro de futebol. Um cara odiado por todas as torcidas e que, mesmo que possua boas intenções, sempre será execrado ao primeiro deslize cometido – às vezes, até mesmo antes dele. Para o juiz, vale aquela regra do “calado já está errado”. A ideia, então, é mostrar que isso não se restringe ao gramado de jogo, mas se aplica também à vida particular dos antigos homens de preto (que hoje já vestem camisas coloridas, até com patrocínio), na série “(fdp)”, de 2012, cujos 13 episódios primam pelo contraste entre a acidez da vida cotidiana e o bom humor do universo boleiro.

Juarez Gomes da Silva (Eucir de Souza) é um cara que evita se meter em confusão, mas parece ter um ímã para problemas. Confesso: demorou um pouco para, como telespectador, aceitar essa premissa. Assim como todo apaixonado por futebol, veio comigo de fábrica um dispositivo anti-juiz. É estranho torcer pelo sucesso dessa figura e não pensar que ele não tem segundas intenções quando apita mal. Mas um detalhe da trama faz com que ela se torne crível. Paradoxalmente, isso acontece quando a narrativa romantiza a profissão e os bastidores do futebol, apostando também em estereótipos para girar a sua engrenagem, como o irritante apresentador de um programa esportivo e suas interrupções marqueteiras ou a bandeirinha que vira símbolo sexual.

Assim, a série surge quase como uma paródia, tendo como força-motriz o sonho de Juarez em apitar uma final de Copa do Mundo, tendo que superar diversos obstáculos do imaginário futebolístico, como tentativas de subornos, amadorismo de dirigentes, além das pressões habituais da arquibancada, dos jogadores em campo e, claro, dos que estão à sua volta intimamente. É um ponto de vista original sobre o futebol no audiovisual brasileiro e, assim, consegue despertar nossa curiosidade.

A direção da série é dividida entre Adriano Civita, Caíto Ortiz, Kátia Lund e Johnny Araújo, que não escapam de alguns clichês, mas todos perdoáveis, muito em parte por causa do texto irônico e sagaz de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta. A produção contou com a consultoria de um juiz, no caso, Sálvio Spínola – já aposentado.

Com duas linhas narrativas, é traçado um paralelo entre a vida pessoal e profissional de Juarez. Em meio a um processo de divórcio e disputa pela guarda do filho, ocasionados por uma pulada de cerca em que transmitiu uma DST à sua esposa, Juarez enfrenta dilemas no trabalho que sempre remetem à uma conduta ética que ele, geralmente, não tem em casa, como, por exemplo, se dopar para conseguir passar em um teste físico e, ao mesmo tempo, repreender o filho e a mãe por se drogarem. Ou se envolver com uma colega de trabalho, mas se irritar pela ex-mulher fazer exatamente igual.

Um detalhe importante é o elenco afiadíssimo, que encarna com extrema seriedade a tarefa de suavizar e até mesmo humanizar personagens que possuem tintas tão carregadas em sua composição. Assim, o que poderia ser visto como canastrice ou chanchada, se mantém no tom exato de uma comédia de costumes. Juarez não é galã, é um cara comum, baixinho e careca, mas que atrai as mulheres e se dá bem. Seu colega bandeirinha é um “pegador” e segue o mesmo estilo. Aliás, é um dos personagens mais divertidos da série, interpretado por Paulo Tiefenthaler, do clássico programa “Larica Total”.

Outro ponto interessante são as próprias partidas de futebol, que conseguem enganar, quebrando a tradição da artificialidade do esporte nas telas. Ajuda, claro, o fato delas não serem o ponto focal, mas apenas o pano de fundo para os dramas vividos por Juarez. Além disso, figuras conhecidas do futebol fazem participações especiais, como Rivelino, Juca Kfouri e até Neymar (mostrando desde cedo sua aptidão como celebridade, que abraçou muito mais do que a de jogador de futebol), entre outros.

Se em um jogo as estrelas são os jogadores, é inegável que a figura do árbitro tem a sua notoriedade. Afinal, há tempos eles têm até um comentarista próprio para analisar o seu trabalho nas transmissões pela TV, o que tornou um pouco mais complicada a existência daquela figura clássica do juiz ladrão, tão exaltada por Nelson Rodrigues. “O profissionalismo torna inexeqüível o juiz ladrão. E é pena. Porque seu desaparecimento é um desfalque lírico, um desfalque dramático para os jogos modernos”. E hoje mais ainda com a inclusão do árbitro de vídeo (VAR) no esporte e a chegada em massa das apostas esportivas – o que renderia uma segunda temporada bem interessante.

Bom, mas o fato é que quando eles aparecem demais é porque não estão fazendo o seu trabalho direito e, volto a repetir, o glamour mostrado na série não é real. Acertar é obrigação. Errar é imperdoável. Dessa forma, é sintomático que cada episódio termine sempre da mesma maneira, com o xingamento clássico das arquibancadas, já que, assim na série como na vida, a única garantia que um juiz tem é ser chamado de filho da p…

ONDE ASSISTIR

  • “(fdp)” está disponível para streaming na Max.

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