LUCAS MONTEIRO E CRISTIANE GERCINA
SOROCABA E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que os carteiros têm direito de acumular dois adicionais, um por trabalho externo e outro de 30% por periculosidade, caso dirijam motocicleta. A decisão encerra um impasse de quase dez anos entre Correios e trabalhadores.
O julgamento chegou ao final na sexta-feira (1º), no plenário virtual, e confirmou decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) de 2022, que concedia o adicional.
O tribunal analisou um ARE (agravo em recurso extraordinário) dos Correios, que tentava reverter o entendimento do TST. Para a estatal, os adicionais não poderiam ser pagos acumuladamente.
Em seu recurso, a empresa pública afirmava que o acúmulo das duas gratificações era inconstitucional. Também alegava que, por pagar o outro benefício, já previsto em convenção coletiva, não deveria arcar com o novo adicional, aprovado em lei de 2014.
Como argumento, utilizou regra da reforma trabalhista de 2017, que trata sobre a prevalência do acordado sobre o legislado, ou seja, da convenção coletiva de trabalho sobre a legislação.
“O acordo coletivo consagra os princípios da autonomia da vontade das partes, uma das expressões do princípio constitucional da liberdade, cria regras específicas para a categoria profissional, considerando as suas peculiaridades, o que acabou por cair por terra ao permitir-se a cumulação indevida do adicional de atividade de distribuição e coleta e o adicional de periculosidade”, diz os Correios no processo.
O impasse começou após a aprovação, em 2014, da lei 12.997, que modifica a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e inclui a atividade de motofrete e motoentrega como uma das que garantem direito ao adicional de periculosidade previsto na Constituição Federal, de 30% sobre o salário.
A categoria passou então a reivindicar o novo adicional aos carteiros. No entanto, segundo os Correios, esses profissionais já recebiam o AADC (Adicional de Atividade de Distribuição ou Coleta Externa), também de 30% sobre o salário-base. Em 2008, a gratificação estava em R$ 279,10.
O benefício foi estabelecido por uma negociação coletiva entre os Correios e os trabalhadores, pelas “condições rigorosas e desgastantes [do trabalho], tais como a exposição ao sol e a desidratação”. No ano passado, no entanto, o TST reconheceu que carteiros que trabalham com motocicleta têm o direito de receber também o adicional de periculosidade.
No julgamento no STF, a ministra Rosa Weber, relatora do caso e presidente da corte, destacou em seu voto que nada impede o pagamento dos dois adicionais, de forma acumulada, ao trabalhador. “No caso dos carteiros condutores de motocicletas, há efetiva sujeição cumulativa do trabalhador tanto aos riscos específicos do trânsito, quanto às condições gravosas do trabalho na coleta externa de objetos postais”, afirmou.
José Aparecido Gandara, presidente da Findect (Federação Interestadual dos Empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), afirma que houve tentativas de negociações com os Correios. “Em 2014, quando a lei entrou em vigor, a empresa alegou que já pagava o AADC, o que levou a um impasse, pois nossa interpretação é que o adicional de periculosidade é distinto do AADC. Diante da falta de acordo, buscamos amparo judicial para garantir o pagamento de ambos adicionais”, explica.
A auditora fiscal do trabalho aposentada Lucy Toledo das Dores Niess diz que o que foi estabelecido em a negociação coletiva tem força de lei, portanto o AADC não pode ser retirado. Segundo ela, após a decisão do STF, cabe apenas aos Correios embargos de declaração, que é quando se contesta algum ponto que não ficou claro no julgamento, e não a decisão em si.
Para Gandara, justiça foi feita. “Conseguimos demonstrar que os trabalhadores estavam sendo prejudicados e que os adicionais são legalmente distintos”, afirma o sindicalista.
Em nota enviada à reportagem , os Correios disseram que estão analisando o julgamento “para avaliar os próximos encaminhamentos”. A decisão do STF é retroativa a outubro de 2014.
Núbia de Paula, advogada especialista em direito do trabalho, diz que o posicionamento do Supremo garante maior segurança aos trabalhadores. “A partir do momento em que eles têm o adicional de periculosidade reconhecido pela Constituição e pelo estatuto, há uma proteção muito maior, que passa a ser garantida pela lei”, explica.
A advogada explica, no entanto, que por ser retroativa a 2014, a decisão do STF eleva as receitas federais, sem lei específica, o que prejudica a saúde financeira da empresa estatal. “Prejudica a estatal porque ela vai ter uma despesa maior, que não estava prevista. A empresa pode ter que se programar financeiramente, dependendo do impacto”, diz.