Cintia Magno
Entrecortando as cidades, os rios urbanos passam quase despercebidos em meio à rotina intensa de seus moradores. Muitas vezes afetados pelas intervenções humanas ocorridas ao longo das décadas, estes corpos hídricos são descaracterizados de sua forma e uso original, mas o olhar atento e ações simples de educação ambiental podem devolver a conexão natural existente entre a sociedade e os rios que se configuram como importantes personagens das cidades.
É com esse objetivo que uma série de ações desenvolvidas na Universidade Federal do Pará (UFPA) buscam transformar positivamente o espaço de dois rios urbanos que cortam o campus do Guamá: o rio Tucunduba, conhecido por estar inserido em uma grande bacia hidrográfica e o rio Sapocajuba, um afluente do Rio Guamá. Iniciativa do Espaço ITEC Cidadão, coordenado pela professora Gina Calzavara, em parceria com a Faculdade de Oceanografia da UFPA, o projeto envolve a realização de visitas e trilhas guiadas às margens do rio Sapocajuba com todos os interessados, sobretudo com estudantes do ensino fundamental e médio.
A docente da Faculdade de Oceanografia da UFPA, Sury Monteiro, explica que durante as trilhas as ações buscam explicar conceitos básicos do ambiente e construir soluções coletivas práticas para o entorno dos rios.
“As ações ambientais ocorrem em duas frentes, uma delas é para ‘descortinar’ os rios e apresentá-los à sociedade via um processo de humanização. Isto é importante porque muitas vezes passamos por um local e não o percebemos enquanto ambiente natural, por diversos motivos, mas sobretudo porque às vezes o rio está descaracterizado”, explica a professora.
“O rio Sapocajuba, por exemplo, é um rio que não tem expressividade, exceto quando ele transborda durante os períodos de águas de março, e causa transtornos. O Tucunduba, exceto quem tem vivências afetivas, é um rio pouco valorizado. Na percepção de muitas pessoas que passam por ele, ele é indicado como muito antropizado pela presença de resíduos em suas margens ou pelo odor”.
Diante deste cenário, a professora considera que, para que haja uma mudança de visão acerca desses rios, é necessário reconhecer as características naturais do ambiente e saber os serviços que aquele ambiente proporciona. “Para que isso seja possível iniciamos um processo de ‘descortinamento’, um abrir de janelas, para que as pessoas possam olhar o rio e perceber que ele vai muito além de um rio antropizado. Há vida em forma de vegetação, de animais; há educação, há vivências culturais, há plantas medicinais”.
Neste sentido, a iniciativa já possibilitou que, tanto nas margens do Rio Tucunduba, quanto nas do Sapocajuba, fossem implantados experimentos para demonstrar as potencialidades dos dois rios.
“Camburões com flores bouganviles florescem formando a “primavera do Sapocajuba”, camburões com PANCS (plantas alimentícias não convencionais) reforçam alimentos e medicamentos disponíveis na natureza, flores tropicais, além de embelezar, protegem as margens dos rios”, enumera Sury. “Esses três exemplos são ações ambientais que promovemos, construímos e explicamos para as crianças e jovens que moram próximos a esses rios. A partir do momento que elas começam a se enxergar enquanto parte do processo de ‘descortinamento’ ou transformação do ambiente, elas começam a mudar a perspectiva. E antes um rio que era sujo, agora passa a ser vivo”.
A partir deste trabalho, a professora considera que é possível construir um caminho de reconexão com os rios urbanos que cortam a cidade e, neste caso, que se fazem presentes dentro do Campus da UFPA, no Guamá. Uma reconexão voltada não apenas para a comunidade acadêmica, mas para a população que vive e convive com esses rios nos bairros do entorno.
“Seria um sonho morar próximo a um rio de águas limpas, que nele não fosse lançado nenhum efluente. Essa não é a nossa realidade, mas podemos construir esses pequenos ambientes resilientes, podemos agregar mais pessoas nesse propósito e podemos ampliar essas ações para outros locais”, considera. “Temos o entendimento que são ações pontuais e que há necessidade de maiores intervenções, sobretudo, no âmbito do saneamento. Mas eu efetivamente acredito que estes ambientes que iniciam uma pequena transformação se tornam ambientes de resistência! E mais que isso, ambientes de demonstração que ainda é possível preservar a natureza e manter os serviços que ela nos proporciona”.
Entre as ações mais recentes desenvolvidas pelo projeto está a construção de ‘janelas’ para um novo olhar para os protagonistas, que são os dois rios que recortam a universidade.
“Essas janelas foram construídas propositalmente para criar espaços para que as pessoas possam olhar um barco que passa, uma garça que levanta voo ou, em um olhar mais atento, conseguir ver invertebrados, um pequeno caranguejo forrageando o alimento quando a maré está seca. Cada pessoa pode despertar sua sensibilidade e a sua própria sensibilização quanto à preservação ambiental sozinha, apenas estando em contato com esses espaços e o nosso propósito foi justamente esse, construir esses espaços abertos para que as pessoas pudessem ter esses contatos e pudessem acessar sentimentos que às vezes são despercebidos porque simplesmente a gente é atropelado pelas nossas atividades cotidianas”, considera Sury Monteiro.
“A reconexão com o rio também é uma reconexão com o humano. Por isso, as ações que fazemos nestes dois rios buscam muito a valorização do humano, a valorização do trabalhador que limpa o rio, a valorização do jardineiro que planta o jardim, a valorização daquele que recolhe os resíduos, a valorização da cultura e da dependência de quem usa o rio para sobreviver. Esse processo de valorização do ser humano é essencial para sua reconexão”.