FERNANDA BRIGATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Volkswagen deixou nesta quarta-feira (29) a mesa negociação criada com o Ministério Público do Trabalho para discutir a ocorrência de trabalho escravo e outras violações dos direitos humanos em uma fazenda da qual era dona no estado do Pará.
Os casos investigados pelo MPT teriam ocorrido na fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como Fazenda Volkswagen, localizada no município de Santana do Araguaia, no sul do Pará, durante as décadas de 1970 e 1980, quando o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar (1964-1985). A Volkswagen do Brasil diz que “não se posiciona sobre processos em andamento”.
O procurador do trabalho Rafael Garcia, coordenador do grupo especial que investiga o caso, diz que a empresa recusou a proposta de pagar R$ 165 milhões em indenizações a 14 trabalhadores identificados como vítimas. Para desse valor também seriam usada para auxiliar na busca por outras vítimas e familiares de ex-trabalhadores da fazenda.
A judicialização do caso, inicialmente descartada pelo MPT, que apostava em um acordo, voltou a ser analisada. Os procuradores envolvidos com a investigação ainda definirão quais medidas são cabíveis e não descartam, segundo Garcia, outros foros além da Justiça brasileira -a Volkswagen tem origem alemã.
Segundo Garcia, os representantes da empresa insistiram no argumento de que a Volkswagen não tem responsabilidade pelo que aconteceu na propriedade. Em novembro, na segunda reunião entre os procuradores e a companhia, advogados entregaram por escrito um documento no qual defendem que a ocorrência é antiga e que outras pessoas estavam envolvidas com o que acontecia na fazenda.
“Lamentamos a postura da Volkswagen, que desrespeita trabalhadores que foram escravizados, tiveram sua dignidade e liberaram cerceadores dentro de sua propriedade por mais de dez anos”, disse o procurador nesta quarta, após a reunião.
O Ministério Público do Trabalho calcula que a fazenda Volkswagen tenha recebido, em valores atualizados, R$ 700 milhões em recursos públicos para o desenvolvimento do empreendimento.
Na avaliação dos procuradores que atuaram na apuração, pelo menos uma centenas de trabalhadores foram submetidos a situações degradantes na fazenda que pertencia à montadora. Nos depoimentos colhidos pelo MP do Trabalho, há até relatos de assassinatos ocorridos na propriedade.
O MPT considera que o controle das atividades dos trabalhadores na abertura de pastos e de derrubada de floresta não teria como acontecer sem que a empresa entrasse em contato com as condições de moradia e trabalho desses funcionários. Havia ainda a vigilância armada.
A recusa da Volkswagen em continuar negociando pegou os procuradores de surpresa. “Fomos surpreendidos com a postura da empresa. Agora vamos avaliar e tomaremos providências nos foros do Brasil e fora”, diz Garcia, do MPT.
O procurador considerou que o valor proposto no acordo era razoável em relação ao tamanho da empresa. Os R$ 165 milhões, na cotação desta quarta, são menos de 30 milhões de euros.
Em 2020, referente a outro caso, a Volkswagen do Brasil se comprometeu a destinar R$ 36,3 milhões a ex-funcionários da empresa que foram presos, perseguidos ou torturados durante a ditadura militar. O pagamento concluiu três inquéritos civis no Ministério Público Federal, no Ministério Público de São Paulo e no Ministério Público do Trabalho.
ENTENDA O CASO
O Ministério Público do Trabalho recebeu em 2019 documentação relatando o que os procuradores consideraram ser “situações de submissão de trabalhadores a condições degradantes de trabalho”.
O material foi organizado pelo padre Ricardo Rezende Figueira, que foi coordenador da CPT (Comissão Pastoral da Terra) para região de Araguaia e Tocantins.
Após três anos analisando o dossiê que Figueira montou, o MPT entendeu que existiam fundamentos para iniciar uma investigação. O padre é autor de um livro sobre trabalho escravo.
A Fazenda Volkswagen tinha, segundo o MPT, mais de 139 mil hectares. A vegetação nativa foi transformada em área de pasto. Para fazer esse trabalho, os gatos (como são chamados os aliciadores de mão de obra escrava) recrutavam trabalhadores em pequenos povoados em Mato Grosso, Maranhão e Goiás, de acordo com o MPT.