Cintia Magno
Dentro do contexto da expansão da Belém para além do seu primeiro núcleo formador, composto pelos bairros da Cidade Velha e Campina, a capital paraense viu nascer um extenso caminho que se transformaria em uma via importante, não apenas para o fluxo de pedestres e veículos, como também para a preservação da sua própria memória: o corredor formado pelas avenidas Nazaré e Magalhães Barata. No período em que Belém ainda se estruturava, as avenidas eram um elo que ligava a cidade com os seus núcleos rurais.
A historiadora e membro da Associação dos Amigos do Patrimônio de Belém (AAPBEL), Lélia Fernandes, destaca que as atuais avenidas Nazaré e a Magalhães Barata formam uma via importantíssima para leitura da evolução urbana e paisagística da capital paraense, justamente por se configurarem como uma via integradora entre o primeiro núcleo urbano, formado pela Cidade Velha e Campina, aos arredores e núcleos rurais.
“A atual avenida Nazaré é a antiga Estrada do Utinga porque ligava, por terra, o primeiro núcleo urbano da cidade aos arredores, às áreas rurais da cidade, às fazendas que ficavam ao longo do Utinga”, conta.
“A partir do antigo Largo da Pólvora, hoje Praça da República, esse caminho se chamava Estrada do Utinga e, depois, com o surgimento da devoção à Nossa Senhora de Nazaré, no século XVIII, foi alterado o nome para Estrada de Nazareth e, posteriormente, com a urbanização, para Avenida Nazaré”.
Quando se analisam as fotografias antigas da via, o que se vê é uma estrada de chão e a presença de edificações rurais típicas da época.
“A antiga Estrada do Utinga, hoje Avenida Nazaré, e a antiga Estrada Independência, hoje Magalhães Barata, como eram vias rurais, tinham ao longo delas as antigas Rocinhas, que nós temos hoje ainda como testemunho arquitetônico um prédio dentro do Museu Emílio Goeldi. As antigas rocinhas são edificações construídas no centro do terreno, que normalmente era bastante arborizada”, aponta, ao lembrar de uma das construções que são testemunho físico dessas edificações rurais do século XVIII.
“Então, essa edificação retrata e revela exatamente esse núcleo rural que existia antes de começar a urbanização, principalmente a partir do início do século XIX após a oficialização do culto religioso a Nossa Senhora de Nazaré”.
A partir desse processo de urbanização, adotado principalmente no período da Intendência de Antônio Lemos, o que se observa é uma remodelação da cidade de Belém e, neste contexto, a avenida Nazaré vai mudando a sua configuração e vai se estendendo até levar à Segunda Légua Patrimonial, onde hoje está o bairro do Marco.
“Com o desenvolvimento econômico apoiado no comércio da borracha, você vê o enriquecimento da cidade a partir das obras arquitetônicas. A nova configuração, principalmente, a partir do início do século XX, com o art nouveau, com a conhecida Belle Époque, vai fazer Belém sentir sensivelmente os impactos desse enriquecimento. Paris era o modelo, o padrão estético e ideológico da cultura na época”.
TESTEMUNHAS
Ainda que muita coisa tenha mudado desde aquela época, até hoje é possível se deparar com construções que ajudam a contar essa parte da história de Belém quando se percorre as avenidas.
Mais à frente, diante da beleza do recém reformado Palacete Faciola, a autônoma Conceição Barros, 65 anos, também guarda suas próprias memórias. Vendedora de comidas típicas, ela está habituada a acolher visitantes interessados não apenas em provar da culinária amazônica, mas também em conhecer um pouco mais das construções que integram a importante avenida.
“As pessoas que vem sempre perguntam do palacete, das mangueiras, de tudo. Para mim é muito bom trabalhar aqui na avenida Nazaré”.
Diante da imponência da Basílica Santuário de Nazaré, as lembranças que chegam à memória da aposentada Vilma Menezes, 68 anos, são de quem já teve a avenida como endereço. Antes de se mudar para o distrito de Icoaraci, ela morou por 62 anos na avenida Nazaré e guarda as melhores memórias daquele período. “Eu conheço bem o movimento aqui, é sempre muito trânsito. Mas é bom porque o que eu mais gosto daqui é a facilidade, tudo tem aqui, lojas, bancos, hospitais, tem a Basílica”, enumera.
Nas costas da Basílica Santuário, a partir do cruzamento com a travessa 14 de Março, a via segue caminho já com o nome de avenida Magalhães Barata. Da mesma forma que a Nazaré, ela também é marcada por construções históricas, como o edifício do Colégio Gentil Bittencourt e o Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi.
“Antigamente aqui era muito agitado, a gente via muita fila para entrar no Museu e essa venda de castanha e paçoca aqui na calçada era tradicional”, lembra a autônoma Luzenira dos Santos, 56 anos, sendo 39 dedicados ao trabalho com a venda de castanha-do-pará na avenida Magalhães Barata.