Provas de bullying podem ser registradas em cartório

Larissa Rosso
FOTO: divulgação
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Cerca de 34% dos brasileiros afirmam já terem sofrido bullying no ambiente escolar em algum momento da vida. Os números registrados pelo relatório executivo ‘Violência nas Escolas’, publicado pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em 2023, demonstram uma realidade preocupante e que tem refletido também nos cartórios brasileiros a partir do aumento no número de atas notariais registradas. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil (CNB), a solicitação de atas notariais atingiu um recorde histórico no ano passado, chegando a 121,6 mil documentos produzidos, um aumento de 12%.

Somente no Estado do Pará, de acordo com a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Pará (Anoreg/PA), foram registradas 1.822 Atas Notariais em todo o ano de 2023. Neste ano, somente até julho de 2024, o número de documentos registrados já chega a 1.016. Os números dizem respeito aos dados de registros de Atas Notariais no geral, envolvendo diferentes temas.

A diretora da Anoreg/PA e presidente do CNB/PA, Larissa Rosso, explica que nos casos de bullying ou cyberbullying, as atas notariais podem auxiliar no registro de provas que podem vir a ser usadas em um possível processo judicial. “A Ata Notarial é um documento feito no cartório de notas que relata fatos observados pelo tabelião ou seus prepostos. A função é certificar um fato. Por essa característica, transcrevemos aquilo que estamos vendo ou ouvindo”, explicou. “Nos casos de bullying ou cyberbullying, nós descrevemos tudo o que nos é apresentado, podendo ser em e-mail, mensagens, aplicativos de mensagem. Dessa forma, paralisamos, estabilizamos a prova para que não desapareça, para que não seja apagada pelo agressor. Assim o agredido poderá incluir em processos judiciais a ata comprovando as agressões”.

Nesse sentido, Larissa destaca que o cidadão pode fazer este registro sempre que se sentir agredida ou desrespeitada, ou ainda quando precisar fazer prova de qualquer fato. “É um grande instrumento para garantir direitos”, destacou, ao explicar o que pode servir como prova para o registro de casos de bullying e cyberbullying. “Todo e qualquer tipo de documento, áudios, vídeos, fotos, depoimento. A ata notarial admite a utilização dos mais amplos meios de prova. Tudo pode ser descrito em uma ata”.

Legislação tornou crime a prática de bullying

A busca pelo instrumento que pode conferir fé pública a uma prova de caso de bullying ou cyberbullying passou a ter ainda mais destaque a partir da publicação da Lei n.º 14.811, de 12 de janeiro de 2024. A advogada especializada em crimes informáticos e secretária-geral da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), Lorena Pantoja, explica que a lei criou o artigo 146-A no Código Penal brasileiro, que trata sobre prática de bullying e cyberbullying.

A advogada explica que antes da Lei n.º 14.811 ser criada, já existia uma lei administrativa de 2015, a Lei 13.185, que estabelecia o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, referindo-se justamente ao que hoje se conhece como bullying. “A gente já tinha esse programa de combate, uma legislação administrativa que trazia conceito de bullying, questões administrativas para se lidar com o combate do bullying. O que mudou é que a nova lei veio trazer a Artigo 146-A para o Código Penal, bebendo muito na fonte do que estava previsto já nessa lei de 2015”, relaciona, ao apontar que especialistas apontam que a nova lei ainda deixou algumas lacunas. “O que acontece é que essa lei trouxe como pena para os casos de bullying apenas multa. A lei diz ‘pena de multa se a conduta não constituir crime mais grave’. E aí, inclusive os especialistas nessa área fazem muitas críticas a esse artigo em si porque ele é atécnico, ou seja, ele falta com a técnica do Direito Penal”.

Lorena Pantoja argumenta que as penas previstas pelo Código Penal são as de detenção ou de reclusão. A multa, no caso, é aplicada conjuntamente com a pena de reclusão ou com a pena de detenção. “Mas aqui, no Artigo 146-A, a gente tem só a previsão de uma pena de multa, então, o que se discute é que não seria um crime, embora esteja no Código Penal, seria uma contravenção. E aí já deveria ter sido incluído na lei de contravenção penais”, correlaciona a secretária-geral da Comissão de Direito Digital da OAB-PA.

“Essa é uma das críticas, a outra é que geralmente o bullying ocorre em ambiente escolar e a gente precisa lembrar que pessoas menores de 18 anos não cometem crime, elas cometem ato infracional. E, nesse caso, a legislação que iria incidir é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), só que a gente não teve nenhuma alteração legislativa nesse sentido. Então, da forma como esse artigo está construído, os especialistas apontam que, até certa forma, ele vai ser difícil de ser aplicado na prática”.

Como a legislação é recente, a advogada destaca que ainda se esperam as primeiras sentenças para que se compreenda como o judiciário vai interpretar essa norma e a eficácia do artigo. Independente disso, ela considera que a ata notarial é um instrumento importante parra registrar as provas dos crimes de bullying e cyberbullying. “Quando a gente fala de ata notarial, a gente está falando sobre coleta de provas. É importante, sim, que toda vez que houver uma situação de bullying as pessoas procurem as autoridades competentes não só para as consequências criminais, mas também para as consequências civis que já eram previstas, como dano moral, eventuais danos materiais se existirem”, esclarece.

 

Lorena explica que uma das formas mais comuns de se registrar casos de cyberbullying, hoje, é através de prints, porém, dentro de um processo, os prints são considerados provas frágeis na medida em que podem ser manipulados. Logo, quando a pessoa consegue fazer o registro daquela prova através da ata notarial, garante-se maior segurança. “De que forma a gente consegue trazer uma segurança maior perante o judiciário? Levando o aparelho até um cartório e lavrando a ata notarial. Você leva o seu aparelho digital, seja celular ou computador, até o cartório e lá o cartorário vai pegar o celular e vai redigir o que ele está visualizando e lendo, seja uma conversa no WhatsApp, uma publicação na rede social. Isso tudo para se tentar trazer uma segurança maior para essa prova. Agora, embora a ata notarial seja uma certidão, ela é uma ata que tem um custo um pouco elevado”.

A advogada explica que qualquer pessoa pode ir até um cartório e solicitar o registro da ata notarial de uma prova de bullying ou cyberbullying, porém, se a pessoa puder ser assistida por um profissional, o ideal é que ela faça isso. “A gente sempre recomenda que, se possível, a pessoa procure um advogado ou a Defensoria Pública para fazer o direcionamento correto da situação, para analisar se é só bullying que está acontecendo, se tem algum outro crime que esteja acontecendo no caso ou se cabe apenas uma indenização cível. Então, é interessante que leve o caso para avaliar”, aponta.

“Quando se trata de crime, também tem algumas delegacias especializadas, a exemplo da Delegacia de Crimes Tecnológicos quando se trata de prova digital, que fazem uma espécie de certidão na coleta dessa prova que é muito parecida com a ata notarial e que é gratuita. Então, existe essa possibilidade também quando se está falando de um contexto criminal. Para qualquer coleta de prova, é possível levar o celular até o delegado e solicitar que ele lavre essa certidão”.

EM NÚMEROS

1.822

atas notariais foram registradas no Pará em 2023.

1.106

foram registradas apenas até julho de 2024.

8.146

atas notariais foram registradas nos últimos dez anos (2014 a 2024) no Estado.

l Os dados são referentes aos dados de registros de Atas Notariais no geral. Segundo a Anoreg-PA, pelos cartórios não há como filtrar os registros para temas específicos.

Fonte: Anoreg-PA.