Cintia Magno
O convite para conferir a qualidade do açaí vindo das ilhas chega através da expressão gritada a todo o momento assim que se adentra o Porto da Palha, “Bora, ei!”. Enfileirados no chão, os paneiros repletos do fruto arroxeado são comercializados a todo o momento, ao mesmo tempo em que o ritmo frenético da circulação de pessoas e outras mercadorias segue o seu curso em perfeita harmonia, marcando a rotina de quem trabalha ou transita por um dos mais tradicionais pontos de escoamento de produtos regionais de Belém.
À beira do Rio Guamá, as embarcações chegam sem pausa para atracar no trapiche do porto reformado. Enquanto carregadores desembarcam açaí e outras frutas, das embarcações também descem dezenas de passageiros vindos das ilhas.
Entre eles, frequentemente está a dona de casa Risoneide de Souza, 49 anos. Apesar de morar em Belém, ela costuma retornar à ao local de nascimento, a Ilha do Combu, sempre que pode. Embarca no Porto da Palha, no bairro do Jurunas, em busca da tranquilidade que só a floresta pode proporcionar.
“Eu nasci lá e ainda tenho casa lá, então eu vou sempre. Quando a gente chega do lado de lá, respira aliviado. Não só pelo barulho da cidade, que não tem, mas também pelo próprio frescor da natureza”.
O calor intenso que tem tomado conta do centro urbano de Belém neste ano tem feito Risoneide recorrer ao frescor da Ilha do Combu com mais frequência, apesar do medo da maresia. “Eu adoro essa vida de ribeirinho. Eu tenho um pouco de medo de maresia, mas para o Combu eu gosto de ir porque é rápido. Com uns 10, 15 minutos a gente já está do outro lado”, conta. “Lá a gente tem como aliviar o calor porque pode tomar banho no rio, tem o açaí fresquinho, eu me sinto melhor lá”.
O açaí que é referência e dá nome ao porto também está presente na mesa do agricultor Raimundo Cordeiro, 92 anos. Outro morador da Ilha do Combu, ele transita pelas águas do Rio Guamá em direção ao Porto do Açaí sempre que precisa dar continuidade a um tratamento de saúde realizado na cidade.
No ponto de chegada e partida, ele acompanha de longe todo o movimento financeiro que os recursos da floresta proporcionam, movimento esse que próprio conhece muito bem. “Eu trabalhei minha vida toda na roça, cortava seringa lá no Santa Quitéria. Tirava leite, borracha, todo dia a gente ia cortar. Mas depois que fizeram plantação lá pro estrangeiro, quebrou com a gente”, recorda. “Hoje tem muita borracha ainda, tem seringal aí pro Combu, mas não tem mais quem quer comprar. Agora o nosso ouro é o açaí”.
Na propriedade onde nasceu e se criou, Raimundo ainda conta com muitas árvores que garantem o açaí e a bacaba não apenas para o consumo próprio, como também para a comercialização. “Eu tiro açaí ainda, vendo o que consigo. O açaí ainda tem muita procura, isso não acaba”, conta, ao também deixar claro a sua preferência. “Eu venho pra cidade quando eu preciso resolver alguma coisa, mas eu prefiro estar lá (na ilha). Lá a gente tem o açaí, tem o camarão, tem o peixe. Quer coisa melhor?”.
Enquanto Raimundo espera para embarcar de volta rumo ao seu pedaço de paraíso, nas negociações seguem o seu curso no porto localizado no bairro do Jurunas. Enquanto carregadores passam com sacas de açaí nas costas, outros chegam com carros de mão prontos para pegar novas cargas.
O vai e vem de gente é o cenário ideal para quem depende do comércio para garantir o sustento de casa, caso do autônomo José de Arimateia de Barros, 64 anos, que deixou o município de Parauapebas há alguns anos.
“Eu trabalhei por muitos anos numa empresa em Parauapebas, mas quando eu saí de lá eu vim pra cá pro Jurunas e uma forma que eu encontrei de não ficar parado foi vir pra cá pro porto”, conta. “Quando eu cheguei isso aqui tava tudo desestruturado, mas fizeram uma reforma, ampliaram e melhorou bastante pra gente”.
Com o pequeno isopor acomodado em um dos braços, José de Arimateia aproveita o movimento de pessoas para oferecer o chop de frutas regionais que ele mesmo produz todos os dias. Às 8h ele chega no porto, onde permanece até por volta de 10h, quando já conseguiu vender toda a produção. “Aqui é sempre agitado, esse porto gera muita renda e produção para a cidade”, conta. “De segunda a sexta é quando o movimento é maior, principalmente no fim de mês, que a renda é maior ainda. Quem trabalha em porto tem que ficar de olho em tudo isso”.
No bairro vizinho da Condor, o movimento gerado pelos portos de comercialização de produtos locais também atrai vendedores autônomos. Sob a estrutura de madeira do Porto da Palha, os paneiros de açaí também são acomodados no chão, mas, além deles, também há espaço para a venda de farinha, carvão, frutas diversas e até mesmo de cosméticos e vasilhas plásticas.
Para garantir a própria renda, há 30 anos o autônomo Édson Lima, 68 anos, se dirige ao porto do bairro da Condor para oferecer caranguejo fresco vindo de São Caetano de Odivelas. “A gente aproveita o movimento para vender, né? Eu compro o caranguejo lá no Entroncamento e trago pra cá (para o Porto da Palha)”, comenta. “Tem caranguejo que vem de Vigia, de Soure, mas o de São Caetano é o melhor e aqui a gente vende bem. Aqui o movimento é todo dia, mas pra quem trabalha com caranguejo, no domingo a venda é maior”.