Grande Belém

Pelas ruas de Belém, sabores que geram emprego e renda

Rangel Reis, de 30 anos, começou com um plano de vender 10 empadas, produzidas por uma amiga, em seu primeiro dia de vendas
foto celso Rodrigues/ diário do Par[á.
Rangel Reis, de 30 anos, começou com um plano de vender 10 empadas, produzidas por uma amiga, em seu primeiro dia de vendas foto celso Rodrigues/ diário do Par[á.

Ana Laura Costa

A rotina de um vendedor ambulante nem sempre é a mesma e depende, principalmente, dos serviços oferecidos e da história de cada um deles com seus clientes e o ritmo da cidade. Há quem tenha pontos fixos e outros que percorrem diversos bairros pela cidade. O fato é que, seja como alternativa de “ganhar a vida” ou realizar outros sonhos, esses trabalhadores fazem parte da vida cotidiana de moradores da capital paraense.

É o caso de Vanduil de Jesus Fernandes, 55 anos, mais conhecido como ‘Careca’, do famoso “Mingau do Careca”, que já fidelizou clientes em ao menos 28 bairros de Belém. Hoje, ele tem 11 funcionários distribuídos em bicicletas adaptadas com uma caixa de som, e os tradicionais mingaus de milho e tapioca são vendidos a partir das 15h.

Mas a produção começa bem antes. Outros seis funcionários trabalham na cozinha, desde às 7h, fazendo o trabalho de limpeza das panelas. Já às 8h, o coco começa a ser ralado para preparar os mingaus, tudo bem fresquinho e prezando pela qualidade, como Vanduil faz questão de ressaltar.

“As pessoas que consomem o mingau da careca já esperam aquele sabor. Se a gente deixa de colocar certa quantidade de coco ralado, por exemplo, eles sentem, então, todo o cuidado começa, primeiramente, na cozinha. Porque eu sempre digo, a gente não serve qualquer coisa para um familiar nosso, não é mesmo? Assim sou com os meus clientes”, ressalta.

Mas antes disso, Vanduil vendia salada de frutas, no início, em Castanhal. Mas foi numa conversa despretensiosa, enquanto realizava a venda do produto para um cliente no município, que surgiu a ideia de começar a vender mingau.

“Nisso, eu tinha um carrinho muito velho, muito ruim e mandei reformar. Aí contei um pouco da história para o amigo que ia reformar e ele perguntou se era pra colocar a caixa térmica para vender salada ou mingau. Foi aí que decidi comprar panela de um vendedor à prestação para vender mingau”, relembra.

A ideia das caixas de sons acopladas às bicicletas, anunciando que “o mingau mais famoso de Belém está passando pela rua”, surgiu no período pandêmico e tornou-se uma de suas marcas. Mas a resiliência também marca a história de Vanduil.

“Sou muito resiliente. Até hoje tenho a primeira bicicleta que vendia mingau, aqui na frente de casa. Então, foi muita luta pra chegar até aqui e, claro, não chegaria se não fossem meus clientes. Está aí o grande segredo porque, quem me ensinou a fazer mingau foram os clientes. Foi cada cliente que me ensinou porque todo mundo é um pouquinho de cozinheiro”, destaca.

SUPERAÇÃO

Rangel Reis, de 30 anos, começou com um plano de vender 10 empadas, produzidas por uma amiga, em seu primeiro dia de vendas. A única meta era conseguir pagar a conta de energia que estava atrasada e ter condições de morar ao menos mais um mês de aluguel, já que estava recém-casado.

Rangel Reis, de 30 anos, começou com um plano de vender 10 empadas, produzidas por uma amiga, em seu primeiro dia de vendas. Foto: Celso Rodrigues/Diário do Pará.

Em 2019, foi que ele começou a organizar a vida financeiramente e hoje, o vendedor que percorria a cidade de ônibus em ônibus oferecendo empadas, se tornou distribuidor com o negócio “Empadas do Rangel”. Hoje, conta com oito pessoas na produção diária das iguarias, que inicia às 7h da manhã.

Após ultrapassar a barreira do orgulho, já que Rangel trabalhou por um longo tempo no ramo de vendas, mas como executivo numa empresa, onde treinava equipes e realizava palestras, a guinada veio. Por conta da alta demanda de clientes, hoje trabalha com entregador próprio para o serviço de delivery e produz cerca de 1.500 empadas diariamente.

“Foi um negócio que começou como forma de sobrevivência, mas hoje não vendo empadas, o meu foco são as pessoas. Fazer parte da história das pessoas que estão revendendo, por exemplo. Muitos já conseguiram realizar seus sonhos, se formar, através da venda das empadas”, destaca.

O jovem Cristian Lopes, 20, é um dos revendedores. Ele percorre o bairro da Pedreira oferecendo o salgado e foca, principalmente, nas praças, onde se concentram um maior número de pessoas no período da tarde, a partir de 16h30, por exemplo. Antes, a venda era complementar à renda, já que o jovem trabalhava de carteira assinada num açougue, no entanto, há um mês, ele decidiu investir todas as fichas.

“Eu vendo empadas porque agora é o que me gera mais retorno, principalmente mais à frente. Eu trabalhava de carteira assinada, mas me sentia preso no comodismo. Quando comecei a vender as empadas do Rangel, tive mais liberdade financeira”, comenta.

E Cristian enxerga em Rangel, um exemplo a ser seguido. “O meu foco é trabalhar com as pessoas, com o público, falar com as pessoas, conhecê-las, não é só vender. A venda é uma ponte para isso, assim como para o meu sustento”, afirma.

 

Conversas sobre a vida, que surgem entre uma ou outra pupunha

Aos 62 anos, o vendedor ambulante Antônio Maciel, já faz parte da rotina de transeuntes e, especialmente, do café da tarde de um grupo de trabalhadores de uma instituição financeira situada na avenida Presidente Vargas, em Belém. Há pelo menos 12 anos, o ambulante que desde muito jovem trabalhou com vendas para ajudar os pais em casa, fixou sua barraca de vendas no local e costuma iniciar sua rotina de trabalho às 9h da manhã.

Há pelo menos 12 anos, o ambulante que desde muito jovem trabalhou com vendas para ajudar os pais em casa Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

“Já vendi tudo na rua: chopp, picolé, comida. Mas há 12 anos trabalho aqui e não vendo apenas pupunha, vou me habituando de acordo com a época. Agora, por exemplo, é o tempo da pupunha, então a gente coloca aqui e vende bastante. Mas em outros momentos, também vendo castanha-do-Pará, descascada e outros alimentos. A gente vai se adequando”, destaca.

A atividade o ajudou a criar seus filhos e se manter até hoje. Mas, apesar das vendas serem sua fonte de renda, ele se orgulha mesmo é de fazer parte da rotina dos clientes, que também são seus amigos. “O pessoal do banco aqui, tudo me conhece, compram as coisas aqui, tomam café. É uma relação muito amigável. A gente acaba fazendo parte da vida das pessoas, né?”, completa.