O Pará é o segundo estado com o maior rebanho de equinos do Brasil, ficando atrás apenas de Minas Gerais. De acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023 o Pará reunia mais de 527 mil animais em seu território, número que evidencia a força da cultura da criação de cavalos de raça no estado.
Os números levantados pela Pesquisa da Pecuária Municipal do IBGE apontam para um crescimento da criação de cavalos no Pará. Enquanto no cenário nacional o rebanho de equinos apresentou uma leve redução de 5,83 milhões de cabeças em 2022 para 5,79 milhões em 2023, no Pará o rebanho vem aumentando gradativamente pelo menos nos últimos cinco anos, passando de 445 mil cabeças em 2019 para 527 mil em 2023. Entre os municípios paraenses produtores, destacam-se São Félix do Xingu, Chaves e Pacajá.
Entre as raças de equinos criados no Brasil, a conhecida pelo nome de Mangalarga Marchador é uma das mais populares. De acordo com a Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador (ABCCMM), a raça é genuinamente brasileira e surgiu ainda no século XIX a partir do cruzamento de cavalos da raça Alter – de origem portuguesa e que teriam chegado ao Brasil junto com a família real, quando D. João VI mudou-se para a então colônia – e outras raças selecionadas por criadores mineiros. Como resultado, surgiu a raça que é caracterizada por animais de temperamento dócil e próprios para a montaria.
Criador de Mangalarga Marchador no município de Dom Eliseu, no sudeste do Pará, João Maestri explica que cada raça de cavalo tem a sua afinidade. O Puro Sangue Inglês, por exemplo, tem afinidade para corrida, o Quarto de Milha para vaquejada e provas de velocidade, o Cavalo Árabe para demonstração, e o Mangalarga Marchador é identificado principalmente pela marcha, em vez do trote.
De todo modo, hoje ela vem sendo utilizada também para outras finalidades além das provas de marcha, como para a lida nas fazendas, para cavalgadas e para lazer em geral. “A gente sempre achou que o Mangalarga Marchador seria utilizado para cavalgadas, lazer e trabalho. No entanto, nos leilões os compradores tinham um perfil de criador. No último leilão que fizemos em dezembro, nós testamos um mercado que a gente fala muito, mas praticava pouco: o do usuário. É aquela pessoa que tem um cavalo, coloca em um centro de treinamento e aluga a baia para poder ter aquilo, de fato, como lazer. E foi uma grande surpresa porque 90% dos compradores foram os usuários”.
A Trajetória de João Maestri e a Criação de Mangalarga Marchador no Pará
A relação de João Maestri com a raça iniciou através de seu pai, que mantinha uma criação no Espírito Santo. “Eu sou capixaba de nascença e paraense de criação. Nós começamos a criar no Espírito Santo, na época do meu pai ainda. No Mangalarga Marchador, os nomes dos animais e dos criatórios são identificados por afixos ou sufixos. No caso, o do meu pai era sufixo e o meu hoje é sufixo também”, explica. “Então, começou no Espírito Santo com o sufixo Assaré. Depois, meu pai faleceu e mudamos o criatório, lá no Espírito Santo ainda, para o sufixo Cricaré, que continua até hoje porque eu e o meu irmão dividimos. Eu vim para o Pará, trouxe uma parte, e ele continuou lá”.
No Pará, a criação de João Maestri é identificada pelo sufixo ‘JS da Marajoara’ e teve início há 40 anos. Hoje, o plantel do criatório é composto por cerca de 112 animais. “Nós utilizamos na reprodução a monta natural, a inseminação artificial via sêmen fresco e congelado. Mantemos no criatório um garanhão de uma genética bem mais antiga, mas muito consistente para poder sempre ter a garantia de preservar a qualidade da raça. E, da mesma forma, tentamos buscar animais atualizados em outros criatórios para poder, também, nos mantermos atualizados para o comércio que é tão dinâmico que fica até difícil de acompanhar”.
Além da comercialização na própria propriedade, João aponta que vem se tornando cada dia maior a comercialização dos animais via leilão. “Nós já estamos no quarto leilão, todos são realizados em Belém de forma online, transmitido da Federação da Agricultura, em Belém. E dos quatro leilões que fizemos, 100% dos animais foram vendidos”, contabiliza, ao destacar a importância que a atuação da Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador, do seu Núcleo de Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador da Amazônia e da Federação da Agricultura do Estado do Pará tiveram para o fortalecimento da raça no Pará. “Eu sempre acreditei que o mercado do Estado do Pará é um dos mercados de equinos mais pujantes do Brasil e, de fato, isso vem se confirmando, tanto comprando de fora e trazendo para cá, como hoje o número de criadores vem aumentando consideravelmente, vendendo aqui dentro do Estado do Pará”.
A Economia e a Criação de Cavalos no Pará
Também criador de Mangalarga Marchador, José Rafael Moura, do Haras Jutaí & Vovó, destaca que a economia relacionada à criação de cavalos, quando é pujante, movimenta não apenas recursos financeiros, mas também promove a geração de empregos. Isso porque a atividade demanda a atuação de profissionais capacitados para lidar com a reprodução de animais. “E essa atividade vem crescendo, desde a pandemia, aqui na região do Pará, porque o cavalo também passa a ser uma forma de manter uma conexão com o campo. Aqui no Pará tem, por exemplo, hospedagens em Santa Isabel, em Santo Antônio do Tauá, em Benevides, em Benfica, em Barcarena, em Santarém Novo, em Castanhal. Então, a gente tem uma quantidade considerável de haras que hospedam animais aqui”.
José Rafael explica que a atividade de criação de cavalos em si está relacionada ao interesse do criador em encontrar uma raça com a qual ele se identifique e que atenda às suas necessidades. “O criador vai procurar selecionar indivíduos para poder fazer os cruzamentos e a sua criação vai ser baseada nesses cruzamentos. Então, cada criação tem, originalmente, um criador por trás, aquela pessoa que idealizou um tipo de cavalo para poder atender a um tipo de gosto ou, principalmente, a uma função”, aponta. “A raça Mangalarga Marchador, que a gente cria, por exemplo, é uma das grandes bases para fazer muar, que é um animal fruto do cruzamento de uma égua com um jumento. Ele é muito bom para serviço. Então, tem criadores que fazem o cruzamento de Mangalarga Marchador com Jumentos, gerando mulas e burros que concorrem em concursos de marcha. E tem pessoas que usam as mulas para fazer suas cavalgadas, para fazer seus passeios dentro da fazenda”.
Neste contexto, o criador busca se aperfeiçoar em conhecimento, em assessoramento técnico e em habilidade para adquirir bons animais para fazer uma boa seleção na criação, com o objetivo de produzir animais que sejam valorizados no mercado. Porém, dentro do universo da criação de cavalos, não existe apenas o criador. Há também os usuários, como é o caso de um dono de fazenda que não quer criar cavalos, que prefere comprar cavalos do criador para usar nos serviços de sua propriedade.
“No contexto do cavalo existem os criadores, que selecionam e colocam para a reprodução, criando a sua própria marca, e tem os usuários. O cavalo Quarto de Milha, por exemplo, é uma raça americana muito difundida no Brasil e que participa de esportes, entre eles a vaquejada e o Três Tambores. São dois esportes, entre todas as modalidades do Quarto de Milha, que atraem muitos competidores. Então, a gente tem também os usuários que têm dois ou três cavalos para fazer o seu uso em uma competição”, relaciona.
“Então, geralmente o criador promove leilões e quem compra em leilão é um usuário que precisa de um cavalo para uma cavalgada, um dono de fazenda que precisa de um cavalo para fazer o serviço, é uma pessoa apaixonado pela raça Mangalarga Marchador, por exemplo, que além de dócil e muito inteligente, é um cavalo que gosta de interação com o ser humano e que pode ser usado tanto para passeio – ele é muito confortável na sua montada – como na lida na fazenda”.
O Cavalo Marajoara: Resistência e Tradição no Arquipélago do Marajó
A boa atuação na lida diária também é uma grande característica do Cavalo Marajoara, raça que se desenvolveu no Arquipélago do Marajó ainda no século XVIII e que é conhecida pela resistência que a permite atuar nos campos alagados da região. Médico Veterinário, produtor rural e criador de Cavalo Marajoara, Fernando Dacier Lobato explica que, no Marajó, a raça é utilizada usualmente e diariamente como animal de serviço pelos vaqueiros nas fazendas, mas não apenas nesses casos. “Em datas festivas são usados em esporte e lazer, no entanto intensificou-se sua utilização e principalmente de seus cruzamentos com as raças Árabe, Anglo-Árabe e Crioulo em Provas de Resistência”, explica ele, que também preside a Associação Rural da Pecuária do Pará (ARPP).
Entre as principais características do Cavalo Marajoara, o produtor destaca o porte médio, com algumas variações em sua morfologia, mas caracterizado sobretudo pela resistência. “A sua principal característica, e que o diferencia dentre outras raças, é a sua resistência adquirida desde que foi introduzido no arquipélago e submetido às condições climáticas diferenciadas, que periodicamente apresenta-se inundado ou extremamente seco, onde nestas variações climáticas foi desafiado e venceu o rigor ao qual foi submetido, ora passando por fartura, ora por déficit alimentar, e sempre acossado por pragas, doenças mortais para outras raças, trabalho sob duras condições de terreno em qualquer tempo”.
Fernando Dacier Lobato aponta que a raça foi introduzida aproximadamente em 1720, juntamente com o gado bovino por ocasião da fundação de currais nas diversas localidades da Ilha do Marajó, que evoluíram de currais para freguesias, vilas e por último cidades.
“O Cavalo Marajoara tem sua base formadora em indivíduos sem raça definida, oriundos de cruzamento entre cavalos ibéricos e Berberes em diferentes graus de sangue, por isso de sua variação morfológica que foi acentuada por diversos cruzamentos intercorrentes de maneira não dirigida realizados ao longo do tempo e atualmente, quando a logística facilitou a entrada de outras raças no arquipélago”, considera.
“Mas é certo que sempre houve essas introduções de diversas outras raças, tais como: Árabe; Anglo-Árabe; Hackney; Inglês; Lusitano; Mangalarga Marchador; Mangalarga Paulista; Campolina; Crioulo e pôneis (que no seu cruzamento com o marajoara gerou a raça puruca) e também animais oriundos da zona bragantina e Baixo Amazonas”.