Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
  Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

DIA DA MULHER

Mulheres do Açaí: A força feminina que transforma a Cadeia Produtiva no Pará

Participação feminina é de destaque na produção e comercialização desse alimento que carrega tanto significado para os paraenses.

Toda a dedicação mantida por Lays desde que decidiu atuar no ramo do açaí é apenas um exemplo do impacto da participação feminina na produção e comercialização desse produto que carrega tanto significado para os paraenses.
Toda a dedicação mantida por Lays desde que decidiu atuar no ramo do açaí é apenas um exemplo do impacto da participação feminina na produção e comercialização desse produto que carrega tanto significado para os paraenses. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Com o céu ainda escuro das 2 horas da manhã, a empreendedora Lays Sampaio, 36 anos, sai de casa para garantir que não falte açaí para os seus clientes, mesmo no período de entressafra. Quando os paneiros repletos do fruto arroxeado não chegam à Feira do Açaí, no Ver-o-Peso, ou ao Porto do Açaí, no bairro do Jurunas, em Belém, é na porta dos produtores de Igarapé-Miri que ela bate.

Toda a dedicação mantida por Lays desde que decidiu atuar no ramo do açaí é apenas um exemplo do impacto da participação feminina na produção e comercialização desse produto que carrega tanto significado para os paraenses.

Quando teve sua primeira filha há 12 anos, Lays se viu diante da necessidade de conquistar sua independência financeira. No primeiro momento, ela, que vem de uma família de trabalhadores do comércio, decidiu abrir um mercadinho. Não demorou muito, porém, para que ela percebesse que o seu destino estaria em outro tipo de comércio, o do açaí.

“Eu não venho de uma família de açaizeiros, diferente de muita gente que já nasceu em uma família que trabalha com o açaí. Eu conheci uma pessoa que me apresentou o ramo do açaí e me interessei”, recorda. “Eu montei o meu ponto e no primeiro ano não deu certo, eu passei cinco meses parada. Mas quando eu abri mão de tudo para me dedicar ao açaí, foi quando Deus abençoou”.

No ponto instalado na Feira da 25, a grande placa com os dizeres “Açaí da Lays” vai muito além do anúncio do nome dado ao empreendimento: é também o registro escrito de quem é a responsável por gerenciar todas as etapas do negócio, desde a compra do fruto até a venda da polpa, sem deixar de passar pela máquina que processa essa transformação.

Aprender a manusear o equipamento foi um dos desafios enfrentados e vencidos por Lays no ramo. “Eu vivia refém do batedor de açaí que trabalhava pra mim. Aí um dia o meu pai disse: ‘minha filha, você vai perder pra uma pessoa dessa? Por que você não aprende a bater açaí?’. Não deu uma semana, eu tava batendo açaí”.

O primeiro açaí batido por Lays estava longe da consistência tão apreciada pelos paraenses que não abrem mão de um açaí durante as refeições. Como em muitos momentos de sua vida, a empreendedora não hesitou em tentar de novo. “Eu liguei para um amigo e ele só precisou vir aqui na máquina me dar um toque. Aí eu entendi que o que regulava a grossura do açaí era a água e desde aí eu não saí mais da máquina”.

Completamente habituada à atividade hoje, Lays não deixa de reconhecer o quão desafiador é o ramo que, até pouco tempo atrás ainda era muito comandado pelos homens. Mas também entende que os desafios não são maiores que a vontade e a capacidade das mulheres seguirem batalhando pelo sustento de suas famílias.

“O mais desafiador para uma mulher no ramo do açaí é ter que sair de casa de madrugada para poder comprar o açaí. Tu vais lá para o Jurunas ou para o Ver-o-Peso, é perigoso. E sou eu quem compra, vende e bato o açaí”, considera. “Esses dias todos estão com falta de açaí em Belém, mas todo dia eu tenho açaí porque eu estou indo buscar direto do produtor lá em Igarapé-Miri. Eu acordo 2h e vou lá buscar o meu açaí”.

Quem também não deixa de garantir o açaí dos clientes é Jaqueline Martins, 37, há 3 anos à frente de um ponto de açaí instalado na avenida Perimetral. A história da empreendedora no ramo também teve início a partir da iniciativa de mudar o seu próprio destino profissional. “Não foi fácil, eu vim de um ramo totalmente diferente. Eu era cabeleireira e abri mão do cabelo para vir para um ramo totalmente diferente, que é o açaí”.

Quem também não deixa de garantir o açaí dos clientes é Jaqueline Martins, 37, há 3 anos à frente de um ponto de açaí instalado na avenida Perimetral.
Quem também não deixa de garantir o açaí dos clientes é Jaqueline Martins, 37, há 3 anos à frente de um ponto de açaí instalado na avenida Perimetral. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Jaqueline lembra que estava exausta do trabalho como cabeleireira. Além das dores que começou a sentir nos ombros por causa dos movimentos dos braços, a alergia aos produtos lhe fez pensar em mudar de área. Até então, o açaí entrava em sua casa como na maioria das casas paraenses, como alimento quase obrigatório de todo dia. E foi desse consumo que surgiu a ideia de, ela própria, passar a vender a polpa.

“Na minha família a gente consome muito açaí e era acostumada a comprar sempre de um lugar, mas um dia a gente foi comprar e o açaí de lá não estava mais tão bom, com a mesma qualidade. Foi na época que eu pensei em mudar de ramo”, lembra. “Hoje, quem bate o açaí aqui somos nós duas – ela e uma funcionária – e temos dois entregadores”.

Desde o início do novo empreendimento, Jaqueline percebeu que não seria possível ficar apenas na administração do negócio, mas que teria que também partir para a prática principal da atividade, bater o açaí. E, como em muitas histórias de empreendedores, foi a necessidade que a fez aprender mais essa função.

“Eu tinha investido no meu sobrinho para bater o açaí. Mas ele ficou apenas um mês. Quando disse que iria sair, pensei que teria que fechar o negócio, mas eu já tinha investido muito nele, então, de um dia para o outro, aprendi a bater”, recorda.

“O primeiro desafio foi aprender a montar a máquina e depois a bater. Mas eu consegui, comecei a bater, e deu certo”. Na época, Jaqueline ainda atuava junto com a irmã no negócio. Hoje, a sua irmã também já tem o seu próprio ponto de açaí.

CADEIA DO AÇAÍ

Se hoje já é possível ver mais mulheres atrás das tradicionais máquinas de açaí, também não é difícil ver o protagonismo delas na outra ponta da cadeia, na produção e extrativismo do fruto que chega aos pontos de venda da cidade. Atuando há mais de 60 anos na assistência técnica e extensão rural no estado do Pará, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater) também observa o aumento da participação feminina na produção agrícola local, o que inclui a cadeia do açaí.

Coordenadora de operações da Emater, a engenheira ambiental Camila Salim destaca que, em 2024, houve um aumento de 20% no número de mulheres atendidas pela empresa. São mulheres que gerenciam todas as etapas da propriedade agrícola. “Em 2024, de acordo com o nosso relatório, nós atendemos mais de 26 mil mulheres não só na cadeia produtiva do açaí, mas como um todo. E de 2023 para 2024, a gente teve um aumento de 20% no número de mulheres atendidas. Essas 26 mil mulheres são as provedoras da propriedade, são elas que gerenciam”, diz.

“Antes, o cenário que a gente via era aquele em que o homem gerenciava a produção e a mulher ficava ali na área doméstica, fazia o almoço, ajudava o homem na colheita, mas na hora de vender ela não opinava sobre o preço que deveriam vender, sobre como deveriam vender. Então, ela não participava da comercialização e hoje não. Hoje, a mulher trabalha gerenciando a sua propriedade desde a colheita até a produção dos subprodutos que o fruto dá”.

Camila aponta que, em 2023, a Emater lançou uma política interna que visou garantir um atendimento específico para algumas categorias de produtores rurais, grupos que historicamente foram esquecidos. “A gente criou essa política justamente para capacitar os nossos extensionistas para dar um atendimento mais específico e direcionado para as mulheres, para os quilombolas e para os indígenas. A ideia seria priorizar essas três categorias para atendimento”.

No caso das ilhas do entorno de Belém, como é o caso da Ilha do Cumbu, Ilha Grande, Ilha do Maracujá ou da Ilha da Jussara, essas produtoras são orientadas a como fazer o manejo dos açaizais e a como garantir o acesso ao crédito.

“Esses açaizais são áreas extrativistas. Então, a gente orienta como se faz o manejo dessas áreas para que o açaí fique mais produtivo. A assistência que a gente dá para elas é a de orientar sobre a melhor forma de fazer o manejo e de fazer com que elas também consigam o crédito rural para aumentar sua produção, investir na sua propriedade”, explica. “A mulher é muito mais favorável a trabalhar com a floresta em pé e fazer o manejo dos açaizais lá na Ilha Jussara, por exemplo, é de fundamental importância porque a gente está trabalhando com a conservação da floresta”.