
Ananindeua - O Procurador Geral de Justiça (PGJ), César Bechara Mattar Junior, ajuizou pedido para que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) determine “imediata intervenção” do Governo do Estado no sistema de Saúde pública do município de Ananindeua, até a normalização dos serviços. Segundo César Mattar, Ananindeua passa por uma crise de saúde pública “sem precedentes”, com prejuízos à população local e, também, a outros municípios da Região Metropolitana, em clara violação do direito constitucional à saúde. Tudo em decorrência do fechamento e ameaça de fechamento de vários hospitais do município, o que obriga ao deslocamento de pacientes para outras cidades, sobrecarregando os sistemas de saúde delas.
O xis do problema é a falta de pagamento desses hospitais pela Prefeitura de Ananindeua, em benefício do Hospital Santa Maria, que pertenceu ao prefeito da cidade, Daniel Barbosa Santos. O município é o segundo mais populoso do Pará, com mais de 478 mil habitantes, segundo o Censo de 2022.
O pedido do MPPA é uma “Representação Interventiva” e foi ajuizado no último 18 de fevereiro, com pedido de “liminar” (uma medida judicial urgente e provisória). Ele decorre de um Inquérito Civil aberto pelo MPPA após o fechamento do Hospital Anita Gerosa, no último 26 de janeiro. O Anita Gerosa era a única maternidade de Ananindeua com funcionamento 24 Horas e atendimento à gravidez de alto risco. A maternidade, que era filantrópica (sem fins lucrativos) e possuía mais de 60 anos, teve de fechar as portas devido a um calote milionário da Prefeitura, que chegaria a quase R$ 3,7 milhões. A Representação Interventiva se encontra nas mãos do presidente do TJPA, o desembargador Roberto Gonçalves de Moura. Se for aceita, o governador do Estado, Helder Barbalho, terá de assinar o decreto de intervenção, abrangendo a Sesau, a secretaria municipal de Saúde; o Fundo Municipal de Saúde (FMS); e “serviços de saúde executados pela Administração Direta, Indireta e Terceiro Setor e sua fiscalização”, que se encontram na esfera da Sefin, a secretaria municipal de Finanças. Com isso, a administração da Saúde de Ananindeua passará às mãos do Governo Estadual, para medidas emergenciais que normalizem os serviços.
Segundo César Mattar, a “omissão prolongada” de Ananindeua tem impactos não apenas no atendimento de seus habitantes, “mas também sobrecarrega os sistemas de saúde dos municípios vizinhos, que enfrentam superlotação e insuficiência de recursos para absorver a demanda reprimida (…)”.
A cidade, diz ele, enfrenta “uma crise de gestão multifatorial na área da saúde sem precedentes, com falha sistemática na gestão financeira (…)”. Um problema que provoca “paralisias” no atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e leva até mesmo ao fechamento de hospitais conveniados, “como é o caso da tradicional maternidade Anita Gerosa, que em 26 de janeiro de 2025 encerrou as suas atividades na área de obstetrícia, após tentar por todos os meios negociar com o município o devido pagamento da dívida de meros 4 milhões de reais, que é um grande valor para a entidade privada, mas um valor irrisório em se tratando de recursos públicos da área da saúde. Ainda assim, a gestão temerária de Ananindeua permitiu que a entidade fechasse, causando um sério problema para as munícipes grávidas de toda a região metropolitana que precisam recorrer ao SUS”.
Dívida
César Mattar recorda que, no ano passado, outro hospital (o HCA, Hospital das Clínicas de de Ananindeua) chegou a anunciar que encerraria o atendimento aos pacientes do SUS, devido à “enorme dívida” da Prefeitura (hoje, ela estaria em mais de R$ 5,751 milhões). E o encerramento só não ocorreu porque o Governo do Estado firmou contrato com o HCA, para que ele continuasse a atender esses pacientes. Além disso, diz o Procurador Geral de Justiça, “pelo menos uma clínica” que atende doentes renais (o Centro de Hemodiálise LTDA), encontra-se “na iminência de encerrar o atendimento aos usuários do SUS”, por falta de pagamento (a dívida da Prefeitura chegaria a mais de R$ 3 milhões). De lá, segundo depoimento da proprietária, vários pacientes foram transferidos, no ano passado, para o Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertenceu ao prefeito. Outra clínica, especialista em visão, encerrou o contrato com a Prefeitura de Ananindeua, devido aos “atrasos constantes” de pagamento. Segundo César Mattar, o fechamento de unidades de saúde e o encerramento de contratos com a Prefeitura “revelam a falência da gestão municipal da saúde, com a violação massiva de direitos fundamentais, especialmente o direito à vida e à saúde” da população. Mas enquanto entidades da área da saúde fecham as portas naquele município, “os serviços municipais fomentam, indicam, encaminham os pacientes unicamente a um hospital: o HSMA-Hospital Santa Maria de Ananindeua, que até 2022 tinha como sócio o prefeito municipal de Ananindeua”, afirma o procurador.
Dumping
O MPPA também acusa a prefeitura de prática semelhante ao dumping (eliminação da concorrência por meio de práticas desleais), por levar os hospitais à ruína enquanto encaminha os pacientes ao Santa Maria
“Conduta omissiva da gestão municipal compromete o acesso à saúde”, afirma PGJ
A Representação também é assinada pela promotora de Justiça Ana Maria Magalhães de Carvalho, que comanda o Inquérito Civil, por delegação do PGJ. Em 29 de janeiro, em depoimento ao MPPA, o diretor do Anita Gerosa, Salomão Favacho, informou que o hospital possuía convênio com a Prefeitura de Ananindeua desde 2019, para serviços médico-hospitalares aos usuários do SUS, incluindo urgência e emergência em obstetrícia, internação, cirurgias eletivas. Desde agosto de 2012, também possuía 92 leitos de retaguarda, habilitados pelo Ministério da Saúde. Outros 20 leitos de retaguarda foram habilitados pelo Ministério, em abril do ano passado, para a Rede de Urgência e Emergência (RUE) de Ananindeua. Mas, segundo Favacho, a Prefeitura nunca repassou ao hospital os pagamentos por esses leitos da RUE. A falta e os atrasos de pagamento (desses leitos e dos serviços conveniados) acabaram “minando a capacidade de funcionamento do hospital”. O iminente fechamento foi comunicado à Secretaria Municipal de Saúde de Ananindeua, por diversas vezes. Mas, disse ele, a Prefeitura ignorou a situação, “limitando-se a publicar notícias falsas nas redes sociais”, afirmando que nada devia ao hospital. No entanto, na época desse depoimento (janeiro), a Prefeitura ainda estaria devendo ao Anita Gerosa mais de R$ 3,699 milhões.
Na Representação, o PGJ César Mattar enfatiza que esse débito, embora capaz de inviabilizar uma empresa, “é absurdamente pequeno para um orçamento público de saúde que garante atendimento humanizado a milhares de mulheres gestantes”. Uma disparidade que comprova, segundo ele, a “gestão temerária” da área da Saúde de Ananindeua e a necessidade de intervenção estadual.
Em 31 de janeiro, também prestou depoimento ao MPPA a vereadora de Ananindeua Pâmela Pinheiro Alves. Segundo ela, a cidade enfrenta “um momento dramático na saúde pública”, o que se agravou com o fechamento do Anita Gerosa. Segundo ela, o prefeito Daniel Santos afirmou, nas redes sociais, que o Pronto Socorro Municipal de Ananindeua passaria a atender essas gestantes. No entanto, elas não estariam conseguindo atendimento no Pronto Socorro: chegando lá, são encaminhadas para o Hospital Santa Maria. Esse encaminhamento foi comprovado pelo MPPA, durante uma vistoria, em 14 de fevereiro.
VISTORIA
Segundo César Mattar, o fato foi confirmado pela diretora administrativa do pronto socorro, Samanta Lobato, e pela gerente de Obstetrícia, Ellen Melo. Elas disseram que a orientação da Secretaria Municipal de Saúde é para que essas grávidas sejam encaminhadas ao Santa Maria e que apenas sejam atendidas no pronto socorro aquelas que já estão em trabalho de parto. No pronto socorro, aliás, como constatou o MPPA, não existe nem mesmo uma recepção. Lá, as grávidas batem no portão de ferro e aguardam o porteiro abrir uma portinhola alta. Dependendo do que disserem, o porteiro abre o portão. E aí têm de caminhar, sob sol ou chuva, mais ou menos 50 metros até o prédio.
IMPACTO
O MPPA observou, ainda, que na data em que realizou a vistoria “não havia uma única mulher sendo atendida”, enquanto a Santa Casa, em Belém, “apresentava quadros de intensa procura”. Segundo César Mattar, “a conduta omissiva da gestão municipal compromete o acesso à saúde”, garantido pela Constituição Federal. “O fechamento de um hospital que atendia gestantes demonstra o impacto direto na população, aumentando a mortalidade materno-infantil e sobrecarregando hospitais de municípios vizinhos”, escreveu o PGJ.
Por Ana Célia Pinheiro