IRREGULARIDADES

MPPA deve investigar crise da hemodiálise em Ananindeua

Denúncia quer saber o destino de mais de R$ 2 milhões enviados pelo SUS ao prefeito Daniel Santos para manter hospital referência para renais crônicos funcionando, mas que mesmo assim acabou fechado por dívidas

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Pacientes chegaram a protestar contra o encerramento das atividades do CEHMO de Ananindeua foto: Wagner Almeida
Pacientes chegaram a protestar contra o encerramento das atividades do CEHMO de Ananindeua foto: Wagner Almeida

O Ministério Público do Pará (MPPA) deverá investigar a situação dramática dos pacientes renais crônicos de Ananindeua, provocada por um suposto desvio de verbas da Saúde, pelo prefeito Daniel Santos. No último dia 13, o advogado Giussepp Mendes protocolou denúncia ao Procurador Geral de Justiça (PGJ), Alexandre Tourinho, que comanda o MPPA. Ela foi motivada pelo encerramento das atividades do Centro de Hemodiálise Ari Gonçalves (CEHMO), naquele município, devido a dívidas da Prefeitura que estariam em mais de R$ 2,6 milhões. É dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS), que ninguém sabe onde foi parar: o Ministério da Saúde afirma que repassou o dinheiro à Prefeitura, mas ela não pagou a empresa.

Na denúncia, Giussepp aponta o prefeito Daniel Santos e a secretária municipal de Saúde, Dayane Lima, como possíveis responsáveis pelas supostas irregularidades. Segundo ele, a Prefeitura não paga o CEHMO desde setembro de 2023. No entanto, clínicas e hospitais ligados ao prefeito e aos seus aliados políticos “continuam a receber regularmente, em valores vultosos, recursos do SUS, como o Hospital Santa Maria de Ananindeua”. Além disso, a própria Dayane reconheceu, em um documento, a retenção dos repasses ao CEHMO, mas não apresentou qualquer justificativa legal para isso. O que demonstra a “conduta omissiva e deliberada” da Prefeitura em “descumprir obrigações contratuais”, afirma o advogado.

Todos esses fatos, diz ele, configuram desvio de finalidade desse dinheiro e violam os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência da administração pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. “A inobservância desses preceitos compromete gravemente a lisura da gestão pública, fere o interesse coletivo e impõe a responsabilização dos agentes envolvidos”, escreveu. Ele não descarta possível “enriquecimento ilícito” e prejuízo aos cofres públicos, em toda essa história. E diz que é preciso investigar possíveis crimes previstos na nova lei das licitações, além de improbidade administrativa. Ele enfatiza que as supostas irregularidades se tornam ainda mais graves por colocarem em risco esses pacientes, que dependem de tratamento contínuo para sobreviver.

Giussepp Mendes considera que a investigação do MPPA precisa incluir até mesmo uma auditoria dos recursos do SUS repassados à Prefeitura. Isso porque esse e outros casos demonstram “grave má gestão” desse dinheiro, especialmente na área da média e alta complexidade. Lembra que essas verbas são “vinculadas”: só podem ser aplicadas naquilo a que se destinam. Mesmo assim, há “indícios contundentes” de retenção ou desvio dos repasses destinados ao CEHMO. Além disso, há informações de que R$ 20 milhões repassados à Prefeitura pelo Ministério da Saúde, para pagamento de leitos do Hospital Camilo Salgado “simplesmente não foram localizados, sendo o hospital atualmente desativado e sem qualquer vínculo contratual com o SUS desde 2021”.

Denúncias na Saúde de Ananindeua

A situação da hemodiálise em Ananindeua levou os próprios pacientes do CEHMO a pedirem providências ao MPPA. No último 31 de março, eles enviaram um documento à instituição, manifestando “preocupação e insegurança” diante da falta de informações da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), sobre a continuidade do tratamento.

Eles foram informados do encerramento do contrato do CEHMO. Mas não receberam “qualquer orientação, encaminhamento ou definição sobre se continuaremos sendo atendidos nesta unidade ou se seremos transferidos para outra clínica”. Isso gerou “angústia, medo e insegurança”, já que esse tratamento não pode ser interrompido “sem grave risco à vida”.

Além disso, havia o temor de que uma possível transferência ocorresse “sem qualquer aviso prévio, organização adequada, garantia de transporte ou vaga em outra clínica, o que representaria um grande abalo físico e emocional, em meio a uma rotina já tão sensível”.

Pacientes renais crônicos precisam de hemodiálise várias vezes por semana: uma máquina filtra o sangue deles, para eliminar impurezas, já que os seus rins perderam a capacidade de fazer isso. Muitos precisarão desse tratamento pelo resto da vida, a não ser que consigam um transplante de rim. Sem hemodiálise ou transplante, eles morrem.

No último 14 de maio, o CEHMO divulgou Nota de Esclarecimento. Disse que, apesar dos esforços para manter o atendimento, a falta de repasse dos recursos do SUS, pela Prefeitura, comprometia “a compra de insumos e o pagamento das equipes, tornando inviável a continuidade dos serviços a longo prazo”. Reafirmou que não queria encerrar ou transferir o atendimento de seus pacientes. Mas apenas que a Prefeitura pagasse o que devia e renovasse o seu contrato. No entanto, nada disso adiantou: em 20 de maio, o CEHMO viu-se obrigado a encerrar as suas atividades em Ananindeua. Foi o terceiro estabelecimento de Saúde a encerrar um contrato com a Prefeitura, ou até a fechar as portas, na administração do médico e prefeito Daniel Santos. Sempre devido à falta de pagamentos.

O caso do Hospital Santa Maria e outros hospitais

Enquanto isso, o Hospital Santa Maria, que foi ou é do prefeito, não tem do que se queixar. Entre janeiro de 2021 e o último 8 de maio, recebeu da Prefeitura mais de R$ 103 milhões, segundo números do portal da Transparência, que o DIÁRIO atualizou com base no IPCA de abril. A montanha de dinheiro veio do SUS. Já o Hospital de Clínicas de Ananindeua (HCA) teve de encerrar o contrato com a Prefeitura, no ano passado, porque quase faliu: para ele, o dinheiro do SUS só era repassado com meses de atraso. Idem para o Hospital Anita Gerosa, a única maternidade que funcionava 24 Horas e atendia gravidez de alto risco, naquela cidade: fechou as portas, em janeiro deste ano, porque, também para ele, a Prefeitura só liberava o dinheiro do SUS após vários meses.

Entre 2021 e 2024, a Prefeitura de Ananindeua recebeu quase R$ 1 bilhão do SUS, mais da metade para o pagamento de serviços hospitalares e ambulatoriais, diz o InvestSUS, serviço online de consulta a todos os repasses do SUS aos estados e municípios. O dinheiro foi repassado todos os meses. Mesmo assim, a Prefeitura paga os concorrentes do hospital do prefeito com atrasos que se estendem, em geral, por 6 meses, mas podem chegar a anos. O próprio CEHMO era concorrente de uma clínica de hemodiálise, a Nefro Saúde, que funciona no Santa Maria. Ela pertence à mulher do empresário Elton dos Anjos Brandão, ex-sócio de Daniel naquele hospital. Só entre o ano passado e o último 15 de maio, a Nefro Saúde já havia recebido da Prefeitura mais de R$ 6 milhões.

No final do ano passado, a Prefeitura devia ao HCA, Anita Gerosa e CEHMO cerca de R$ 13 milhões, apesar de receber, em média, R$ 21 milhões mensais do SUS. E apesar de ter pagado ao Hospital Santa Maria mais de R$ 22 milhões (atualizados), só no ano passado. Outro hospital a fechar as portas, na administração de Daniel, foi o Camilo Salgado. Ele foi desapropriado em 2021, para a construção do Pronto Socorro Municipal. A indenização pela desapropriação, que era de R$ 14 milhões, deveria ser paga, em parcelas, em 2022. Mas os pagamentos atrasaram. E quando foram suspensos, em dezembro de 2023, a Prefeitura ainda devia R$ 4 milhões aos donos do hospital. Segundo eles, os atrasos de pagamento e o calote milionário impediram que reabrissem o Camilo Salgado em outro local.

Documento comprova repasses

Como você leu no DIÁRIO, o Ministério da Saúde afirma que repassou à Prefeitura de Ananindeua todo o dinheiro devido ao CEHMO. “Não é conhecida a motivação do não repasse dos recursos à Unidade de Saúde (o CEHMO), visto que o Ministério da Saúde realizou todos os repasses, conforme produção apresentada e aprovada por essa Secretaria Municipal de Saúde no período reclamado, ou seja da competência setembro de 2023 à competência janeiro de 2025 (…)”, diz um ofício do Ministério, enviado à Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), em 18 de março deste ano.

Ele está assinado pelo diretor do Departamento de Regulação Assistencial e Controle do Ministério, Carlos Amílcar Salgado, que deu um prazo de 30 dias para a SESAU esclarecer o atraso. Pelas normas do Ministério, as prefeituras têm 5 dias úteis para pagar os estabelecimentos de saúde, após receberem os recursos do SUS. O “assunto” do ofício é “Desvio de verba Federal. Retenção indevida de repasse do Ministério da Saúde. Serviço essencial de saúde pública. Hemodiálise. Prejuízo no atendimento”. Ele foi motivado por uma denúncia do advogado do CEHMO, Gabriel Barreto.

Na época, segundo ele, a Prefeitura devia à empresa mais de R$ 3,6 milhões, por serviços realizados entre setembro de 2023 e fevereiro de 2025. A Sesau alegou que o atraso decorrera de uma “auditoria interna” dessa dívida. A conclusão foi de que a Prefeitura deve dinheiro, de fato, à empresa. Mas, diz Barreto, a Sesau nem sequer respondeu ao pedido do Ministério para que comprovasse, com documentos, que realmente realizou essa auditoria, e qual o destino do dinheiro que lhe foi repassado.