E O RESTO DA CIDADE?

MP reage a projeto que cria segurança VIP para prefeito e aliados em Ananindeua

R$ 4,5 milhões para proteger três? MP questiona “gabinete de segurança VIP” em Ananindeua para beneficiar prefeito e aliados.

A Câmara Municipal de Ananindeua tem 30 dias para suspender a tramitação do projeto de lei que cria um “Gabinete de Segurança Institucional”, para proteger o prefeito Daniel Santos, o vice-prefeito Hugo Atayde, e o presidente da Câmara, Vanderray Silva,
A Câmara Municipal de Ananindeua tem 30 dias para suspender a tramitação do projeto de lei que cria um “Gabinete de Segurança Institucional”, para proteger o prefeito Daniel Santos, o vice-prefeito Hugo Atayde, e o presidente da Câmara, Vanderray Silva.

A Câmara Municipal de Ananindeua tem 30 dias para suspender a tramitação do projeto de lei que cria um “Gabinete de Segurança Institucional”, para proteger o prefeito Daniel Santos, o vice-prefeito Hugo Atayde, e o presidente da Câmara, Vanderray Silva, a um custo de quase R$ 4,5 milhões anuais. Se isso não ocorrer, o Ministério Público do Pará (MPPA) entrará na Justiça contra o projeto, já que ele poderá causar prejuízos aos cofres públicos. O alerta é do Procurador Geral de Justiça (PGJ), Alexandre Tourinho, que comanda o MPPA. A Recomendação para que a Câmara suspenda o projeto do prefeito foi emitida por Tourinho no último dia 23. Na mesma data, em outro documento, ele enviou o caso ao MPPA de Ananindeua, para a apuração de possível improbidade administrativa.

O caso foi denunciado ao MPPA pelo advogado Giussepp Mendes, que apontou várias irregularidades no projeto. Mas ganhou repercussão nacional através das redes sociais do jornalista Luiz Bacci, após os protestos da vereadora Monique Antunes (MDB), no último 13 de maio, quando seria votado pela Câmara. Os R$ 4,5 milhões anuais que o projeto propõe para a segurança de apenas 3 pessoas (o prefeito, o vice e o presidente da Câmara) equivalem a quase 20 por cento dos R$ 23,6 milhões que a Prefeitura gastou, no ano passado, com policiamento, para os mais de 500 mil habitantes de Ananindeua – diz o Comparativo da Despesa Autorizada com a Realizada”, da Prefeitura, que se encontra no portal da Transparência.

Ainda segundo aquele portal, a Secretaria de Segurança de Ananindeua (incluindo a guarda municipal) possui apenas 198 servidores, para uma população estimada em 507.838 pessoas. Isso significa 0,3898881139 servidor por 1.000 habitantes. Ou seja: a Secretaria precisaria do triplo de funcionários, para ter, ao menos, 1 servidor para cada mil habitantes. Em compensação, o GSI terá 60 funcionários para apenas 3 “excelências”. Além disso, o projeto também garante que a segurança de ex-prefeitos continue sendo paga com dinheiro público: eles terão direito a 3 seguranças, durante 4 anos. Assim, o prefeito Daniel Santos não precisará pagar essa despesa do próprio bolso, quando deixar o cargo, em 2029.

A Recomendação para que a Câmara suspenda o projeto do prefeito foi emitida por Tourinho no último dia 23. Na mesma data, em outro documento, ele enviou o caso ao MPPA de Ananindeua, para a apuração de possível improbidade administrativa.
A Recomendação para que a Câmara suspenda o projeto do prefeito foi emitida por Tourinho no último dia 23. Na mesma data, em outro documento, ele enviou o caso ao MPPA de Ananindeua, para a apuração de possível improbidade administrativa.

Ainda mais grave é que essa gastança ocorrerá em meio a pior crise da Saúde de Ananindeua, que já levou até ao fechamento de hospitais, por causa dos calotes do prefeito. Uma crise que fez o MPPA a pedir que a Justiça determine a intervenção no sistema de Saúde da cidade, pelo Governo Estadual. E que gerou até o bloqueio judicial de contas bancárias da Prefeitura, para o pagamento de dívidas junto a clínicas de hemodiálise, que se encontram à beira da falência. “Enquanto faltam insumos nos postos de saúde, o prefeito quer montar uma espécie de segurança institucional para si próprio”, protestou a vereadora Monique Antunes. “O povo quer saúde, segurança, transporte digno. Não precisa de um gabinete para proteger o prefeito, mas de um prefeito que proteja o povo”.  

Devido às críticas de Monique, o projeto acabou retirado de pauta antes da votação. Não fosse isso, é provável que os ananindeuenses já estivessem bancando a milionária segurança do prefeito, já que ele controla a Câmara Municipal. Hoje, 104 pessoas recebem os seus pagamentos através do Gabinete do prefeito Daniel Santos: 3 pensionistas, 14 estagiários, 33 servidores efetivos, 54 comissionados. O GSI significará um incremento de quase 60 por cento no tamanho desse batalhão. E ficará até mais caro do que ele: essas 104 pessoas custaram aos cofres públicos quase R$ 305 mil, no mês passado, diz o portal da Transparência. O que significa R$ 3,965 milhões por ano, incluindo o 13º, contra os R$ 4,5 milhões do GSI.

Entenda a polêmica do Gabinete de Segurança Institucional

Na Recomendação enviada à Câmara Municipal, Alexandre Tourinho aponta várias ilegalidades no projeto do prefeito. A primeira é o fato de a Prefeitura não indicar de onde sairá o dinheiro para essa gastança, já que o projeto apenas diz que o prefeito está autorizado a abrir um “crédito especial”, para as despesas geradas pelo GSI. O problema é que nenhum ente público pode criar despesas, sem demonstrar que tem condições de pagá-las. E para a criação de gastos com pessoal, que são permanentes (caso do GSI), aí é que as exigências apertam. Segundo Tourinho, é preciso autorização específica na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e comprovação de que o aumento respeita os limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Outra ilegalidade seria o fato de a Prefeitura não ter apresentado uma estimativa do impacto orçamentário e financeiro da criação do GSI. Na Mensagem que acompanha o projeto, consta apenas que o impacto anual será superior a R$ 4,358 milhões. Só que a LRF exige “uma estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício (ano) em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes”. Além disso, é preciso uma declaração do ordenador da despesa (no caso, o prefeito) de que esse aumento “tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias”, diz a LRF. Ou seja: é preciso um estudo mostrando que a Prefeitura tem condições de sustentar esse gasto e que ele não fere a legislação que norteia essas despesas.

Outras irregularidades, segundo Tourinho, são as distorções do quadro de pessoal do GSI. O projeto cria 2 cargos de Agente Político e 58 cargos comissionados para o órgão. Cargos comissionados são funções de confiança, de livre nomeação pelo prefeito, que se destinam apenas a diretores, chefes e assessores. Só que dos 58 “cargos comissionados” do projeto, apenas 3 são de diretores. Os 55 restantes são para agentes de segurança pessoal e institucional (40), agentes de inteligência (5) e agentes de logística e transporte (10). Ou seja, são cargos para funções técnicas e burocráticas, sem vínculo de confiança. Daí que só podem ser preenchidos através de concurso público, e não através de simples nomeação.

Como observa Tourinho, é isso o que determinam as constituições Federal e do Pará. E, também, o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF): “É inconstitucional a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico”, como consta no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.602, em 2014. Com ironia, ele chama atenção para o fato de que um número tão grande de cargos comissionados “certamente dificulta a manutenção personalíssima da confiança”. O que indica, a seu ver, “um possível e já reconhecido pelos Tribunais Superiores, desvio de finalidade para a instrumentalização da Administração Pública”.

O PGJ também aponta como ilegal o fato de o projeto não descrever as atribuições desses comissionados: as tarefas que realizarão. Segundo ele, o projeto só descreve as atribuições do GSI e de suas 3 Diretorias. E mesmo assim, com expressões genéricas, como “garantir a logística de transporte” ou “executar ações de segurança pessoal”. Mas em um julgamento de 2018, de “repercussão geral” (ou seja, para todos os casos semelhantes), o STF bateu o martelo e reafirmou que a criação de cargos comissionados “somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais”. E que, além da “relação de confiança” entre quem nomeia e quem é nomeado, também é preciso que as atribuições desses cargos “estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os instituir”.

Outro problema é a falta de publicidade e transparência. Segundo Tourinho, o projeto não se encontra no site da Câmara. Daí ele também recomendar que ela o publique em seu site, “sob pena de haver prejuízo/violação aos Princípios da Publicidade e Transparência previstos pelo Ordenamento Jurídico, sobretudo previstos pela Lei n. 12.527/11(a Lei de Acesso à Informação)”. Ele lembra, ainda, as “dificuldades severas” da Saúde de Ananindeua, inclusive por falta de pagamento a clínicas e hospitais. A Câmara tem 30 dias para cumprir a Recomendação e informar o MPPA. Caso não suspenda imediatamente a tramitação do projeto ou ele seja sancionado, Tourinho afirma que ajuizará uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

Denúncia e riscos do projeto

O advogado Giussepp Mendes, o autor da denúncia, afirma que o projeto do prefeito possui “vícios graves de ilegalidade”. E o mais evidente é o fato de não indicar a “fonte de custeio” para a criação do GSI, já que apenas menciona a autorização para a abertura de ‘crédito especial’. “Não há demonstração de disponibilidade orçamentária e financeira. Isso afronta o princípio da responsabilidade fiscal”, observa.

O advogado Giussepp Mendes, o autor da denúncia, afirma que o projeto do prefeito possui “vícios graves de ilegalidade”.
O advogado Giussepp Mendes, o autor da denúncia, afirma que o projeto do prefeito possui “vícios graves de ilegalidade”.

Ele salienta que nenhum ente público pode “gerar despesa”, principalmente de caráter continuado, como é o caso de gastos com pessoal, “sem demonstrar previamente que tem condições de suportá-la”. Além disso, é preciso “autorização expressa da LDO e comprovação de que os limites legais serão respeitados”.

Segundo ele, um projeto que não contenha tais previsões “não é apenas temerário, mas também ilegal”. E acrescenta: “a criação do GSI, da forma como está sendo proposta, fere os fundamentos básicos da gestão pública responsável e pode acarretar sérias implicações para o equilíbrio fiscal do município”. As irregularidades apontadas por ele foram acatadas pelo PGJ.