Ana Laura Costa
A população belenense vive cercada de rios e a baía do Guajará rodeia a cidade. Mas quem sai do bairro de Icoaraci, distrito de Belém, e passa pela rodovia Arthur Bernardes, em direção ao centro da capital, seja para fins de lazer ou trabalho, acaba perdendo uma bela vista para a baía, encoberta por casas e estabelecimentos, sobrando apenas o conturbado tráfego de veículos até o destino final.
Seja pela construção urbana da cidade ou até mesmo pelo apego ao cotidiano e cansaço da rotina, é natural que a visão fique um pouco mais turva quando trata-se de notar os rios como o elemento poderoso da paisagem de Belém.
Para alguns, essa sensibilidade pode ser resgatada à beira de uma orla ao fim da tarde com a família, no Portal da Amazônia, ou no final de semana numa viagem de 15 minutos pelo rio Guamá para chegar na Ilha do Combu. Mas para outros, não é preciso uma ocasião especial para chegar à conclusão de que “somos abençoados”, apesar da lida, como afirma o vendedor de salgados Claiton Brasil Lima, de 34 anos.
O ambulante conta que há pouco mais de um ano, vive a rotina de vendas pelo Complexo do Ver-o-Peso e bairros do entorno. “Minha esposa faz os salgados e eu saio para vender”, disse. Assim, o dia a dia nem sempre é fácil, o calor da cidade, vendas tímidas, tudo contribui para um cenário de estresse, mas Claiton sabe o que fazer para recarregar as energias.
“Aqui na Feira do Açaí a gente tem uma visão privilegiada, né? Olha essa paisagem, muita gente vem de fora para ver. Então, sempre tou por aqui, faço vendas e paro, sinto o vento, refresco o corpo e com certeza relaxo mais”, conta.
Não muito longe dali, a gente também encontra Zaqueu de Souza, 48, vendedor de picolés. Há 4 meses em Belém, Zaqueu é Bragantino e filho de coração de Curuçá, como ele mesmo afirma. “Fui criado tomando banho de rio. Eu sempre falo, esse rio aqui e ninguém toma banho? Às vezes a gente se acostuma com as coisas”, comenta.
Complexo do Ver-o-Peso, Praça da República e Bairro da Cidade Velha são apenas alguns dos lugares que o vendedor percorre com o seu carrinho de picolé para realizar as vendas. Ao final da tarde, costuma parar próximo à praça do Relógio, onde chegam os barcos lotados de peixe, conversa com amigos, fatura um pouco e se refresca com os ventos.
“É sempre bom, né? O ambiente é propício, converso um pouco com os meus amigos, ainda faço umas vendas e tomo um ventinho para refrescar desse calor. Até banho aqui já tomei, fui lá na escadinha, banhei lá”.
E quem chega na Estação das Docas, com certeza já notou alguns ambulantes na entrada do complexo. Um deles é o Jorge Rodrigues, 38, que trabalha no local há 15 anos. O ambulante revela que escolheu o espaço por estratégia de vendas, já que muitas pessoas passam pela área diariamente.
Mas, o bônus mesmo é poder contemplar o pôr do sol e sentir o vento que vem do lado da água. “Esse vento é ótimo! Ameniza demais o calor, ainda mais agora. Eu me jogo na água todo o dia, só dei uma pausa nos últimos tempos por conta das chuvas, por causa das cheias”, alega.
Há 1 ano sem visitar uma praia, Jorge conta que não precisa ir. “É a mesma água, diariamente tomo banho aqui. A sensação é que trabalho melhor, me sinto aliviado, me sinto grato”, disse.
Os trabalhadores da feira do Ver-o-Peso também sentem essa gratidão todos os dias. Mesmo com a labuta diária, pelo menos dois deles arrumam um tempinho para contemplar o que a rotina pode tornar invisível. As peças de artesanato em cerâmica reforçam o cenário regional em que Ana Paula Sousa, de 47 anos, trabalha há pelo menos 20 anos.
“Eu sempre procuro sentar aqui na beira depois das 17h. Tira o estresse, então faço isso há muito tempo, é um hábito mesmo. Às vezes o costume, saber que tá sempre aqui, faz a gente perder o tato para isso tudo. Mas é muito bom”, conta.
Para também dar uma desestressada e ajudar a lidar com as dificuldades, outro permissionário da feira, Alonso Santos, 62, é pontual quando se trata de reduzir o estresse. Enquanto atende aos turistas que observam e perguntam sobre os preços dos acessórios artesanais e regionais, além da cestaria de palha, Alonso também pensa no momento ‘relax’.
“Até às 18h a gente tira um tempo para ver o pôr do sol, aí a gente tira foto, manda para a família, é aquela coisa. Eu me sinto 100% privilegiado com essa vista, às vezes a gente se sente cansado do trabalho, mas dá para recarregar a bateria por aqui”, destaca.
E como o rio é para todos, o ambulante Joanilson Roberto, de 36 anos, depois de andar pelos bairros da Terra Firme, Guamá e outros para vender suas peças de cerâmica, também para no ‘Veropa’ para usufruir de um momento tranquilo, ao modo da feira. E assim como Alonso, o sentimento é de privilégio. “A gente cansa da rotina, das dificuldades, então quando desço por aqui é para desestressar. Em algum momento do dia eu paro por aqui e me sinto muito privilegiado”.