Luiza Mello
O Diário teve acesso a um documento assinado pelo superintendente do Patrimônio da União no Pará, Marcos Antonio de Souza, que revela uma série de irregularidades na Superintendência que podem resultar na anulação de parte dos 15 mil títulos já concedidos pelo programa “Terra da Gente”, lançado pela Prefeitura Municipal de Belém e administrado pela Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana (Codem).
A denúncia, encaminhada ao Ministério de Gestão e Inovação (MGI), mostra que a transferência de imóveis da União para o programa do prefeito Edmilson Rodrigues, foi realizada de maneira incorreta. As irregularidades envolvem um servidor de dentro da própria SPU/PA que, mesmo ciente de que não poderia dar prosseguimento aos despachos expedidos à Codem, deu continuidade ao processo irregular.
O servidor, identificado como A.S.E., foi responsável por assinar Notas Técnicas do órgão autorizando a Codem e a Prefeitura de Belém a instituírem a regularização fundiária em áreas consideradas controversas. A denúncia também cita o ex-superintendente interino da SPU/PA identificado como C.R.L.M.
Com isso, títulos de terra dados a moradores dos bairros do Guamá, Pedreira e Fátima que foram entregues por meio do programa da Prefeitura Municipal de Belém, na verdade pertencem à União, que não participou da liberação de parte destes títulos de terra. Marcos Souza pede ao MGI que as autorizações emitidas nos processos de transferências de territórios da União, destinados à regularização fundiária promovida pela Prefeitura de Belém e Codem, sejam suspensas.
No relatório entregue pelo atual superintendente, acatado pelo MGI, chamam atenção dois atos “eivados de vícios”, por não terem sido ratificados pelo órgão competente dentro da SPU e por não terem sido despachados pela chefia responsável pelos atos. “Ao que se sabe, a competência para manifestação técnica sobre a destinação de áreas da União, seja simples anuência ou destinação finalística, é do Serviço de Destinação Patrimonial, através da correspondente Seção de Regularização Fundiária”, relata o responsável pela Superintendência do Patrimônio da União no Pará.
Além das graves irregularidades processuais para o ato de transferência levantadas pelo chefe da SPU no Pará, as áreas não poderiam ser passadas porque ainda estão sub judice no TRF1, em grau de apelação, após sentença que reconheceu a propriedade da União, fato que a Codem tinha plena consciência.
Portanto, os títulos dados pela Prefeitura/Codem são nulos e deverão ser cancelados se a AGU, MP e o MPF seguirem os trâmites legais de praxe.
RELAÇÃO
No início de março, o DIÁRIO solicitou à assessoria do Ministério da Gestão e Inovação a relação dos imóveis destinados aos paraenses, dentro do Programa de Democratização de Imóveis da União, oficialmente lançado no dia 26 de fevereiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não teve resposta. A razão deste silêncio está na denúncia feita pelo superintendente já que grande parte desses imóveis estão relacionados nos despachos feitos de forma indevida.
O programa “Terra da Gente”, lançado pelo prefeito Edmilson Rodrigues, tem como meta proporcionar a entrega de títulos de terras a famílias com a propriedade em situação irregular, o que permite a regularização fundiária de terrenos nos bairros de Belém.
O documento da SPU ressalta como “fato inquietante”, a tramitação veloz do processo, em setor sem competência para tal e sem a ratificação da chefia respectiva. “Num primeiro momento, pareceu-nos se tratar de procedimento concluído às pressas. […] Até aí parece apenas se tratar de processo concluído com celeridade, situação que merece todas as homenagens aos servidores envolvidos, porém, achamos ser possível ter havido mais do que um mero desejo em dar cumprimento ao princípio da razoável duração do processo”, destaca o despacho.
A denúncia destaca ainda que a movimentação veloz e duvidosa do processo pode ser justificada justamente pela transição do cargo, 4 de julho, data em que C.R.L.M. foi informado que deixaria o posto de superintendente interino.
“A partir desses fatos extraprocessuais que deve ter sido tomada a decisão de finalizar o presente processo e, via de consequência, encerrá-lo no sistema, dificultando o acesso, dado que foi arquivado, e impedindo a tomada de medidas de prosseguimento da correta destinação. É de se reconhecer, portanto, a tomada de medida temerária para o seguimento deste processo, situação que enseja na tomada de providências enérgicas por parte da administração para reprimir a prática de atos dotados de pessoalidade na condução da administração e em total desrespeito ao status da interinidade”, completa.
Irregularidades foram identificadas por cartório
As irregularidades foram identificadas a partir de notificação feita pelo Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Belém, encaminhada à Superintendência no Pará. Os serviços cartoriais identificaram que as autorizações de intervenção para regularização fundiária em áreas da União foram excepcionalmente abrangentes, sendo inédita a quantidade solicitada.
A área supostamente regularizada do bairro de Fátima é citada como um dos casos mais graves, visto que o pedido da Codem e da Prefeitura para aplicação da Lei de Regularização Fundiária Urbana (Reurb) já havia sido negado pela SPU.
O motivo para a negativa seria a disputa judicial pelo reconhecimento de territórios da União no Município de Belém dentro da 1ª Légua Patrimonial (área que vai das avenidas Doutor Freitas e Perimetral até as margens do Rio Guamá e Baía do Guajará).
Enquanto não houvesse o desfecho judicial para o reconhecimento das áreas contestadas entre União e Prefeitura de Belém, registradas no Cartório do 1º Ofício de Imóveis, essas autorizações para aplicação da Reurb não poderiam ser emitidas.
A SPU também identificou que o cartorário Cleomar, de forma consciente das irregularidades, ainda registrou esses títulos com a ressalva “área controversa”, sendo que a controvérsia é em relação a quem é o proprietário. Se não se sabe nem quem é o dono, como registrar? Seria, portanto, uma invenção, pois não fundamento jurídico na lei para isso.
Os mesmos servidores identificados – A.S.E e o então superintendente interino, C.R.L.M, autorizaram a titulação de terra e regularização fundiária por parte da Codem e da Prefeitura de Belém, em área do bairro de Fátima.
Já no caso do bairro da Pedreira, o servidor A.S.E. seguiu agindo como fez no caso do bairro de Fátima, dando encaminhamento ao pedido da Prefeitura de Belém e Codem da mesma forma. “Diante do cenário que se apresenta, é infelizmente necessário que essa SPU/PA adote medidas urgentes para resolver de uma vez por todas os problemas e conclamar os atores da regularização fundiária na capital para o efetivo diálogo, tratativas tais que devem contar com a mais vasta participação de todos os entes públicos e privados que nele possam e devam se inserir, visando mudar uma realidade histórica que vem inviabilizando o desenvolvimento da capital por tantos e tantos anos”, lamenta o superintendente no documento entre ao Ministério.
“É importante ressaltar que a SPU/PA não pretende tomar medidas que embaracem a efetiva regularização fundiária no município de Belém, pelo contrário, o intento aqui é de resolver de uma vez por todas a titulação da capital, porém, sem a entrega de títulos constando informações que dão conta se tratar de “área controversa”, situação que gera inúmeros problemas à população belenense”, conclui a denúncia.