Pará

Corrupção em Ananindeua: Dr. Daniel confirma operação do MP em seu hospital

A empresa funciona no terceiro andar do Hospital Santa Maria, e possui 40 equipamentos de hemodiálise e 26 funcionários, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Foto celso Rodrigues/ Diário do Pará.

O prefeito de Ananindeua, doutor Daniel Santos (PSB), revelou através de suas redes sociais, que o hospital Santa Maria, de propriedade do gestor, foi alvo de cumprimento de mandados de busca e apreensão realizado pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) na manhã desta segunda-feira, 29.

A ação teve apoio do Grupo de Atuação Especial de Inteligência e Segurança Institucional (GSI) e cumpriu mandados em onze endereços localizados em Belém, Ananindeua e Santa Izabel do Pará, além de bloqueio e sequestro de bens e afastamento de funções públicas de servidores públicos, suspeitos de atuarem em um esquema delituoso que, segundo a hipótese investigativa, foi instalado no Instituto de Assistência do Servidor Público do Estado do Pará (Iasep), autarquia do Governo do Pará incumbida de garantir a assistência à saúde aos servidores públicos estaduais e seus dependentes.

Nos primeiros dias de 2024, o Gaeco, órgão do Ministério Público do Pará, recebeu notícias sobre suposta irregularidade envolvendo um empresário, dono de um hospital situado em Ananindeua, que seria o Santa Maria, segundo o prefeito de Ananindeua. O denunciado agiria em concurso com servidores públicos lotados, então, no Iasep. A notícia criminal afirmava que desde o início do ano de 2019 até meados de 2023 teria imperado no Instituto um esquema de desvio de dinheiro público em favor do hospital investigado.

O esquema, segundo a notícia, funcionava da seguinte forma: um grupo de servidores do Iasep favorecia o hospital por meio de manipulação, de ausência e até mesmo de falsificação de auditorias das contas médicas apresentadas. Desta forma, a empresa recebia valores muito além dos serviços efetivamente prestados. As contas médicas seriam superfaturadas tanto na quantidade do objeto como no preço cobrado.

A interlocução entre o grupo de servidores do Iasep e o proprietário do hospital seria outro servidor público cedido do Estado para o município de Ananindeua.

Foi encaminhado ofício para o Iasep para que prestasse esclarecimentos preliminares sobre os fatos delineados na representação. O Instituto respondeu às indagações preliminares e apresentou anexos documentais comprobatórios, os quais, jungidos com os dados disponíveis em fontes de informações abertas e fechadas, foram apresentados em juízo para subsidiar o pedido das cautelares.

HOSPITAL SANTA MARIA
Na tarde desta segunda, o prefeito de Ananindeua confirmou que o seu hospital foi alvo do cumprimento de mandados de busca e apreensão.

O Santa Maria é um dos hospitais mais modernos de Ananindeua, um contraponto ao sistema de saúde pública da cidade, que não dispõe sequer de um hospital público, obrigando os moradores a superlotarem os PSMs e outros hospitais de portas abertas de Belém.

No último final de semana, o DIÁRIO denunciou que mais de R$ 71,5 milhões, em valores atualizados, foram pagos pela Prefeitura de Ananindeua, entre 2021 e o último dia 25, ao Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertence ou pertenceu ao prefeito da cidade, Daniel Barbosa Santos. As informações foram extraídas do portal da Transparência pelo DIÁRIO, que fez a atualização monetária com base no IPCA de janeiro deste ano.

O dinheiro foi repassado à prefeitura pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para pagamento do contrato que ela mantém com o hospital. Como Ananindeua possui “gestão plena” na área da saúde, é a Prefeitura, comandada pelo dono ou ex-dono do Santa Maria, quem recebe as informações sobre os serviços que o hospital diz ter realizado, e as envia ao Ministério da Saúde, para justificar os pagamentos.

A fartura de recursos do Santa Maria é o oposto da escassez em outros hospitais da cidade. Dois deles teriam sofrido tentativas de calotes milionários, pela prefeitura: o Camilo Salgado e o Anita Gerosa. Como você leu no DIÁRIO, Daniel Santos desapropriou o Camilo Salgado, em 2021, para construir o “primeiro hospital público” da cidade. A indenização pela desapropriação foi acertada em R$ 14 milhões e deveria ser quitada em 2022. Mas, até hoje, a prefeitura ainda deve R$ 4 milhões aos proprietários do hospital.

Com isso, eles entraram na Justiça, pedindo a devolução do imóvel, o pagamento da dívida de R$ 4,335 milhões (atualizada e com juros) e uma indenização de R$ 1 milhão, por danos morais. Segundo eles, os constantes atrasos nos pagamentos, que acabaram até suspensos em dezembro passado, impediram que reabrissem o hospital em outro local. Se forem vitoriosos, poderá haver um prejuízo de R$ 2 milhões aos cofres públicos, já que, além da indenização, a prefeitura terá de pagar as despesas do processo e os advogados que atuam no caso.

Ainda mais grave, porém, é o paradeiro desconhecido de até R$ 29,5 milhões que a prefeitura recebeu do SUS, para o pagamento de leitos de UTI e de urgência e emergência do Camilo Salgado, entre 2021 e 2023. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), a prefeitura pediu esse dinheiro ao Ministério da Saúde, apesar de o Camilo Salgado não prestar serviços ao SUS desde 2021: não há relatórios de serviços do hospital, no sistema informático do SUS, o Datasus, desde aquele ano.

No portal municipal da Transparência, o DIÁRIO não encontrou pagamentos recentes e de grande valor pela Prefeitura, com dinheiro do SUS, para aquele hospital, que se encontra até fechado. Entre 2021 e 2023, diz o portal, a prefeitura pagou ao Camilo Salgado apenas R$ 177.787,35, por serviços ambulatoriais e hospitalares. Todos os demais pagamentos foram pela desapropriação do hospital.

MAIS CALOTES
Calotes também atingem o Anita Gerosa, que é até um hospital sem fins lucrativos (filantrópico), mantido pela Sociedade Beneficente São Camilo, sediada no estado de São Paulo. A dívida da prefeitura com o Anita Gerosa já alcança quase R$ 3,7 milhões, por serviços realizados no ano passado (janeiro a junho e outubro a dezembro), e neste ano (janeiro a março).

O hospital possui 64 leitos e atende as áreas de obstetrícia, clínica médica, serviços de diagnóstico ambulatorial e Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), através de um convênio com a prefeitura. Há preocupação de que a dívida leve à suspensão do atendimento. Mas, em nota, o hospital, preferiu um tom cauteloso: disse que realiza esforços para manter o atendimento e que está aberto ao diálogo, “para que a situação seja normalizada no menor prazo possível”.