Cintia Magno
A vista que se impõe diante do olhar de quem sobe o trapiche de Cotijuba é uma amostra da riqueza cultural da ilha distante cerca de 45 minutos de barco da orla de Icoaraci, em Belém. Para além da natureza marcada por árvores exuberantes, se avista de imediato as ruínas do monumento histórico que conta parte da memória do Estado do Pará e, ainda, a irreverência dos veículos que são os principais meios de transporte a caminho das mais de dez praias da ilha, as motorretes.
Todo esse conjunto singular e tão característico de Cotijuba atrai dezenas de visitantes todos os dias à ilha que, não à toa, foi reconhecida como Patrimônio Cultural de Natureza Material e Imaterial do Estado do Pará.
Um dos primeiros contatos dos visitantes que chegam à ilha de Cotijuba é com os condutores das motorretes que se concentram em frente às ruínas do antigo Educandário Nogueira de Farias, que depois veio a ser utilizado como presídio até ser definitivamente desativado, décadas atrás. É exatamente dali que o condutor de motorrete José Garcia transporta dezenas de visitantes rumo ao interior da ilha, normalmente em direção às praias.
“A ilha é muito visitada por muitos turistas, a gente tem várias praias aqui. Tem pessoas que só vem mesmo para passear, para olhar a ilha primeiro e depois, quando elas voltam, já vão diretamente para as pousadas que querem ficar”.
O caminho rumo à Cotijuba também foi percorrido pelo próprio José Garcia, e de forma definitiva. Natural do distrito de Icoaraci, ele se mudou para Cotijuba há mais de uma década e não economiza em elogios para o local que lhe acolheu. “Eu sou natural de Icoaraci, mas hoje já vivo há 15 anos aqui. Eu era motorista de taxi em Belém e hoje trabalho nesse veículo aqui para conduzir as pessoas que nos visitam”, conta. “Aqui em Cotijuba a vida é mansa, é boa”.
Quem também adotou a ilha como morada, há mais de 30 anos, foi a autônoma Izalina Soares de Oliveira. Lá ela casou-se, criou todos os filhos e vive até hoje sem nenhuma pretensão de sair para qualquer outro lugar.
“Quando eu conheci o meu marido a gente veio morar pra cá. Moro há mais de 30 anos aqui, criei todos os meus filhos aqui e continuei aqui depois que o meu marido morreu e eu fiquei viúva”, resume. “Eu adoro morar em Cotijuba, não vendo a minha casa por nada. É outra vida”.
Na venda de café da manhã posicionada na saída do trapiche por onde chegam os visitantes, Izalina não apenas alimenta quem precisa de um café antes de seguir viagem, como também introduz aos visitantes o que é a Ilha de Cotijuba. Não é incomum que, entre uma tapioca e outra, os clientes lhe perguntem sobre as ruínas do educandário, sobre as melhores praias para se conhecer.
“Todo dia chega gente aqui, não é só no final de semana. Todo mundo que vem tomar café pergunta o que são essas ruínas, muita gente não sabe que já foi presídio e que antigamente foi um colégio para adolescentes”, conta. “Mas o que as pessoas mais gostam é das praias mesmo, tem muita praia. As preferidas mesmo são a Vai-quem-quer e o Farol”.
Para além das já bastante conhecidas praias do Vai-quem-quer e Farol, muitos visitantes que têm desembarcado em Cotijuba nos últimos meses têm buscado explorar outras praias ainda não tão conhecidas pelos turistas, mas já apreciadas pelos moradores da ilha, como é o caso da Praia Funda. Pelo caminho cercado por vegetação nativa e grandes árvores, os visitantes seguem rumo à praia de águas tranquilas nas mesmas motorretes que saem constantemente de frente das ruínas.
O percurso foi justamente o escolhido pelo casal de professores Ceane Simões e Walter Kohan, que não escondem o encantamento gerado pelas belezas naturais e pelo acolhimento dos moradores de Cotijuba.
“Eu já tinha feito uma visita antes ano passado e achei maravilhoso. Aqui é um lugar surpreendente porque você vem para fazer um passeio rápido, pela proximidade mesmo e pela facilidade na chegada, no trajeto até aqui, que já é muito gostoso”, considera Ceane. “Nós viemos pelo porto de Icoaraci. É muito tranquila a chegada e também muito aventureira a trajetória até aqui, com a motorrete, então, é muito gostoso e peculiar. A gente veio para ficar o dia na praia e acabou pernoitando, o que é maravilhoso”.
A ideia de estender a visita que seria de apenas um dia foi facilitada pelo cenário paradisíaco encontrado na Praia Funda e também pelo acolhimento oferecido pelos próprios moradores da ilha, que disponibilizam um chalé e seus serviços para quem desejar dormir no local.
“Encontramos a Kátia, que é uma moradora daqui e uma acolhedora maravilhosa, que nos fez comidinha, nos trouxe o café da manhã, que preparou a casinha para nós com muito carinho, então, a gente sente aqui que está em outro mundo, em outra relação humana, em outro tempo e com essa natureza extraordinária”, complementa Walter.
Chalé virou parada obrigatória
A demanda crescente por espaços de estadia na Ilha de Cotijuba, sobretudo na Praia Funda, chamou a atenção do servidor público Rafael Santos e de seus familiares. Há cerca de dois anos, eles decidiram construir um chalé no terreno da família, na Praia Funda, para uso próprio.
Porém, a construção passou a chamar tanta atenção dos visitantes que passavam e perguntavam sobre a possibilidade de se hospedar, que ele, a irmã e o cunhado decidiram construir novos chalés, um bar/restaurante e abrir uma pousada, a Aldeia Cotijuba. Desde que foi inaugurada, a pousada mantém uma grande lotação não apenas aos sábados e domingos, mas ao longo de toda a semana.
“A Pousada Aldeia Cotijuba aconteceu sendo uma necessidade que a gente tinha visto mesmo, de conseguir amparar e apresentar Cotijuba para um público diferente. Então, a gente está tentando, aos poucos, mostrar o que é a Ilha de Cotijuba para as pessoas, que tem esse potencial enorme e que traz essa paz que dá para vocês perceberem”, considera o sócio proprietário da pousada Aldeia Cotijuba, Rafael Santos. “O maior atrativo da Ilha de Cotijuba é esse contato com a natureza. Cotijuba faz parte de Belém e é um lugar muito próximo que tem uma geografia totalmente diferente e que atrai muito o turismo”.
A possibilidade de estar em contato tão próximo com uma natureza exuberante, mesmo estando a poucos minutos de Belém, foi também o que mais chamou a atenção da servidora pública Clarice Folha, que visitou a Ilha de Cotijuba, pela primeira vez, acompanhada pela família.
“Eu sou de Belém, mas essa é a nossa primeira vez em Cotijuba e eu fiquei encantada com as belezas naturais, com a proximidade de Belém. A gente não consegue imaginar que tão perto de Belém a gente tem uma praia, um local tão bonito e com uma natureza tão ricamente preservada”, considera.
“A gente ficou o dia inteiro aqui na Praia Funda, a água sempre calma e é uma tranquilidade para quem vem com criança. Nós viemos em família, são várias crianças e a gente pode deixar elas correrem livres, como a gente não consegue mais ver hoje em dia, então, foi delicioso”.
COTIJUBA
*Em 1990 a ilha de Cotijuba foi transformada, através de Lei Municipal, em área de Proteção Ambiental.
*Mais recentemente, no dia 14 de março de 2023, a Lei 9.871 declarou a Ilha de Cotijuba como Patrimônio Cultural de Natureza Material e Imaterial do Estado do Pará. A lei foi sancionada pelo Governador Helder Barbalho e publicada na edição de 15 de março deste ano do Diário Oficial do Estado.
*A ilha está situada no extremo Oeste do município de Belém, sendo classificada como distrito da capital paraense.
*A ilha apresenta 18km de trilhas e ruas, além de várias praias que atraem visitantes durante todo o ano.
*Cotijuba é banhada pelas Baías do Guajará, do Marajó e de Santo Antônio
*Além do turismo, a agricultura familiar é outra atividade importante para a economia da ilha.
Fonte: Com informações de Prefeitura de Belém.
RUÍNAS
Criado na década de 30, durante o governo de Magalhães Barata, o Educandário Nogueira de Farias tinha a missão primeira de capacitar jovens infratores para o mercado de trabalho. Quando passou a ser utilizado como presídio, durante o período da Ditadura Civil-Militar, porém, o local virou cenário de histórias de torturas e maus tratos. As atividades do presídio encerraram após uma revolta dos internos ocorrida na madrugada do dia 17 de fevereiro de 1976, quando uma enorme rebelião de presos quase tirou a vida do diretor do estabelecimento, Teodorico Rodrigues.
Toda essa história de sofrimento ficou no passado e, hoje, a Ilha de Cotijuba é lembrada pela sua beleza natural paradisíaca e atrativa ao turismo. O que resta do período do educandário/presídio são apenas as ruínas da antiga construção, um monumento histórico que lembra um passado obscuro da memória do Estado e que, por isso mesmo, não pode ser esquecido.
COMO CHEGAR
É possível chegar até a Ilha de Cotijuba a partir do trapiche de Icoaraci, localizado na rua Siqueira Mendes.
*É possível fazer a travessia no navio da Prefeitura Municipal de Belém.
Horários: Saídas do Trapiche de Icoaraci às 9h e 18h30/ Saídas do Trapiche de Cotijuba às 5h45 e 17h.
Valor da tarifa: Sábados, domingos e feriados: inteira a R$8, com meia passagem/ Segunda a sexta-feira: inteira a R$4, com meia passagem.
Obs.: É proibido transportar animais, botijão de gás e combustível.
*Outra opção de travessia são os popopôs operados pela Cooperativa de Barqueiros da Ilha de Cotijuba (COOPERBIC).
Horários: As embarcações saem de hora em hora, ou conforme atinjam a lotação.
Valor da tarifa: R$10.
Como se locomover dentro da ilha
*Ao desembarcar no trapiche de Cotijuba, os visitantes logo avistam as motorretes que ficam estacionadas em frente às ruínas do antigo educandário. É possível tratar direto com os condutores, informando a praia ou localidade que deseja ir. No geral, cada trecho custa R$10 por pessoa.