Grande Belém

Ambulantes do centro de Belém relatam dura rotina pelo ganha pão

Quando o autônomo Tomé Rodrigues começou a frequentar o Centro Comercial de Belém, era ainda uma criança. Aos sete anos de idade, ele conheceu a lida no comércio e nela se mantém até hoje, chegando aos 63 anos. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.
Quando o autônomo Tomé Rodrigues começou a frequentar o Centro Comercial de Belém, era ainda uma criança. Aos sete anos de idade, ele conheceu a lida no comércio e nela se mantém até hoje, chegando aos 63 anos. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Cintia Magno

Segundo bairro a se formar no território da cidade de Belém, a Campina é marcada pela atividade comercial desde o primeiro século da fundação da capital paraense. Mesmo com todas as transformações ocorridas ao longo dos séculos, o bairro segue movimentado pela sua vocação inicial e abriga centenas de trabalhadores, muitos autônomos, que enfrentam uma rotina intensa para garantir o sustento da família.

Quando o autônomo Tomé Rodrigues começou a frequentar o Centro Comercial de Belém, era ainda uma criança. Aos sete anos de idade, ele conheceu a lida no comércio e nela se mantém até hoje, chegando aos 63 anos.

“Eu não tenho nada para falar desse comércio a não ser da minha vida. Eu vim de uma família muito humilde, então, eu tive que trabalhar muito cedo. Eu vim pro comércio com sete anos de idade, trazido até por mão de terceiros, mas até aqui eu estou. Cheguei aos 63 anos, constituí família, e daqui eu estou vivendo”, resume. “Trabalhei primeiramente com terceiros, depois consegui trabalhar por conta própria e vamos vivendo a vida”.

Com mais de cinco décadas dedicadas à mesma profissão, no mesmo local de trabalho, Tomé conta que é inevitável não construir laços com outras pessoas que, assim como ele, já enfrentaram o melhor e o pior da atividade.

“Aqui a gente forma uma família no Centro Comercial. A única desvantagem do mercado informal é que a gente não tem aquela segurança como trabalhador, legitimamente mantido pela lei. Se adoecer não tem nada. Quer dizer, se não trabalhar, não come. Se você não tiver uma estrutura e deixar a sua família e a sua casa preparada e acontecer alguma coisa, você vai ter problemas”.

Na avaliação do autônomo, o momento atual não é dos melhores para quem depende do comércio. Apesar da crise, ele conta que a experiência da vida lhe garantiu a resiliência necessária para seguir batalhando. “O mercado está atravessando uma crise que não está fácil, mas a gente vai levando. Tá apertado, mas eu, pelo menos, estou acostumado. Eu já vi períodos bons e já vi períodos ruins no comércio”, recorda.

“Por exemplo, na época do rapa, a pessoa que não trabalhava direito estava sujeito a perder toda a sua mercadoria. Hoje a pessoa diz ‘eu sou camelô’ e tá muito bom, mas eu sou daquela época mesmo que a pessoa era marginalizada, até. Era chamando de ladrão, os empresários descriminalizavam a gente, então, tudo isso eu passei. Agora está muito bom, passaram até a respeitar a gente, é todo mundo em harmonia”.

Diante da necessidade de sobreviver e levar o sustento para dentro de casa, o trabalho no Centro Comercial de Belém é o caminho trilhado por muitos trabalhadores informais. Para se adaptar às demandas do mercado ao longo de tantos anos de dedicação à profissão, eles não deixam de variar o ramo de atuação.

Trabalhador do comércio desde 1983, o autônomo Beto Santos, 65 anos, começou com o ramo de roupas íntimas, depois passou a comercializar vestidos de criança, meias, roupas para festa junina, bijuteria e bolsas, até que chegasse ao atual ramo de manutenção de relógios. “Às vezes a gente vende uma mercadoria e não dá certo, aí a gente já troca para outra. No relógio eu já tô há mais de 10 anos”.

Ao longo dos anos em que já atua no comércio, Beto também acompanhou a evolução do centro comercial, que hoje abriga muito mais trabalhadores. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Ao longo dos anos em que já atua no comércio, Beto também acompanhou a evolução do centro comercial, que hoje abriga muito mais trabalhadores. Ele lembra que, no início, ainda nos anos 80, eram poucos os ambulantes que se concentravam ali, até mesmo pela visita constante da fiscalização, conhecida entre os trabalhadores informais como ‘rapa’. Com o passar do tempo, porém, as coisas foram se acalmando e ele pode construir uma vida inteira de trabalho no local.

Começando a sentir o peso de uma vida inteira marcada pela rotina intensa de trabalho, hoje ele já pensa em diminuir o ritmo. “Na época do ‘rapa’, trabalhava pouca gente aqui. A gente colocava a banca aí, eles vinham e a gente saía correndo. Depois isso foi diminuindo e a gente foi ficando e eu trabalho até esse tempo aqui”, conta.

“O que está mais difícil, hoje, é que está muito quente, mais tarde esquenta tudo. Eu já tô querendo trabalhar só 15 dias por mês devido essa quentura e mesmo devido a minha idade. Durante a Covid, no primeiro foco eu não vim, no segundo eu já peguei e passei 15 dias hospitalizado, quase que eu ia, mas Deus teve misericórdia e eu estou aqui, vivo. Então, essas coisas fazem a gente repensar um pouco”.

Por muitas vezes, o cansaço também pega a autônoma Vera Freitas, de 69 anos, muitos deles dedicados ao comércio. Diante da necessidade de trabalhar, porém, o percurso de casa até o Centro Comercial segue se repetindo todos os dias.

Por muitas vezes, o cansaço também pega a autônoma Vera Freitas, de 69 anos, muitos deles dedicados ao comércio. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

“Já tem muitos anos que eu trabalho aqui no comércio, desde o tempo do Hélio Gueiros (ex-governador do Pará e ex-prefeito de Belém, falecido em 2011). Comecei na (rua) João Alfredo, já peguei (avenida) Presidente Vargas e hoje estou por aqui na João Alfredo novamente”, conta. “Essa vida é assim, a gente não tem outra maneira. Mas aqui é tudo de bom, graças a Deus”.

Ainda que atualmente o movimento no comércio não esteja como ela esperaria, Vera faz questão de dizer que não tem do que se queixar da atividade. “É daqui que se tira para viver. Eu sempre trabalhei com confecção, já trabalhei com bijuteria também, roupa de bebê”, conta. “Está meio difícil o movimento, está devagar, mas isso está para todo lado. Como a gente depende da venda, a gente tem que rebolar pra conseguir ir levando. Um dia dá, outro não dá e assim vai, nós vamos levando”.