Pará

A memória que conta a história das origens da quatrocentona Belém

A antiga praça Batista Campos.
A antiga praça Batista Campos.

Cintia Magno

Mais do que belas paisagens para se fazer bons registros fotográficos, muitos pontos turísticos de Belém contam parte da história da formação da capital paraense. Em muitos casos, as construções históricas que até hoje podem ser visitadas foram instaladas na cidade ainda nos primeiros anos do processo de ocupação do território, no século XVII, e, apesar de terem sofrido modificações ao longo do tempo, continuam a preservar e relatar parte da memória da metrópole que, em 2024, chega aos 408 anos de fundação.

No espaço conhecido como Complexo Feliz Lusitânia, qualquer morador ou visitante pode ter contato com o que se configurou como o núcleo inicial da cidade de Belém. Durante o início da ocupação da região mais ao Norte do país, o que posteriormente viria a dar origem à cidade de Belém se restringia a uma fortificação militar instalada em uma ponta alta de terra às margens da Baía do Guajará, o hoje Forte do Presépio. Foi naquele ponto que, no dia 12 de janeiro de 1616, uma expedição portuguesa desembarcou para ocupar o território que já era habitado por seus moradores originais, os indígenas da etnia Tupinambá, e fundar a cidade de Belém.

FORTE DO PRESÉPIO

Marco da ocupação de Belém, o Forte do Presépio é chamado desta forma em referência à data de saída da expedição portuguesa do Maranhão em direção ao Pará, no dia 25 de dezembro de 1615, dia de Natal. Antes disso, o forte também foi chamado Forte do Castelo em referência ao comandante que veio a fundar Belém, Francisco Caldeira Castelo Branco. A primeira configuração da fortificação militar que se tornaria o Forte do Presépio foi instalada ainda no século XVII, no mesmo local que o forte se encontra até hoje.

Apesar disso, a construção sofreu várias modificações ao longo do tempo. No início, o equipamento de proteção do território construído pelos portugueses não passava de um forte rudimentar e muito simples, uma paliçada feita com madeira e troncos de árvores. Naquele período, Belém se restringia a essa construção e a partir dali a cidade foi se desenvolvendo.

Foi a partir do Forte, portanto, que nasceu a primeira rua de Belém, a Rua do Norte, hoje chamada Siqueira Mendes. Costeando a Baía do Guajará, a rua fazia a ligação do Forte com a residência de um comandante que ficava na região onde, hoje, se encontra a Igreja do Carmo.

IGREJA DO CARMO

Apontada como a única construção religiosa de Belém com fachada em pedra, a Igreja do Carmo foi construída em terreno doado pelo então governador da Capitania do Pará, o capitão-mor Bento Parente. A primeira construção data de 1626, porém a edificação foi reconstruída em 1696. Em uma das reformas realizadas, ocorreram danos à nave já existente, sendo responsável pelas obras de recuperação o arquiteto italiano Antônio Landi, que realizou intervenções na nave e em outros elementos.

Bento Maciel Parente foi um dos primeiros comandantes militares do Forte do Presépio e, por algumas questões internas, resolveu não residir dentro do Forte, construindo uma residência própria e afastada, que ficava exatamente onde, hoje, é a Igreja do Carmo. Esse caminho que fazia ligação entre o Forte e a casa do Bento Maciel Parente gerou a primeira rua de Belém, à época chamada de Rua do Norte e hoje nomeada Siqueira Mendes. A partir dessa primeira rua se inicia o processo de expansão da cidade, que mais tarde também se estendeu para a direção oposta, partindo do Forte do Presépio rumo ao que hoje é o bairro da Campina, o segundo núcleo de crescimento da cidade depois da configuração da região que hoje é conhecida como o bairro da Cidade Velha.

É no século XVIII que esse processo de expansão se intensifica, tanto que é neste período que se funda o Palácio do Governo em uma região que, à época, já era considerada um pouco distante do núcleo inicial da cidade.

PALÁCIO DO GOVERNO

O Palácio dos Governadores foi fundado na segunda metade do século XVIII, em 1772, em um ponto estratégico do território, que fazia a ligação desses dois núcleos iniciais da cidade. A construção que até hoje pode ser vista e visitada na Praça Dom Pedro II foi erguida para ser a sede administrativa e residência dos governadores da capitania. Para esse palácio, foram realizados três projetos pelo arquiteto italiano Antônio Landi. A construção do Palácio de características monumentais durou três anos e, entre as intervenções projetadas por Landi está uma capela da qual saiu a primeira romaria do Círio de Nazaré, em 1793. Ainda hoje, a capela faz parte do palácio que abriga o Museu Histórico do Estado do Pará (MHEP).

À frente da Praça que abriga o atual Museu do Estado, se vê a área que antes era marcada pela passagem de um igarapé e cujo aterramento foi fundamental para que a expansão da cidade tivesse continuidade. Ainda no período da fundação de Belém, o entorno do Forte do Presépio era cortado, por terra, por um grande pântano chamado pântano do Piri e o igarapé de mesmo nome ficava onde hoje está a Doca do Ver-o-Peso, um dos principais cartões postais da cidade.

VER-O-PESO

Inaugurado em 1627, no antigo Porto do Pirí, o local que viria a dar origem ao grande complexo do Ver-o-Peso não passava de um posto de aferição de mercadorias e arrecadação de impostos, chamado inicialmente de Casa de ‘Haver o Peso’. Com o passar dos anos e o próprio crescimento da cidade, o entreposto comercial também evoluiu da balança existente para a pesagem das mercadorias, para um conjunto de mais de 25 mil metros quadrados. O conjunto arquitetônico e paisagístico do Ver-o-Peso foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1977, o que inclui a avenida Boulevard Castilhos França, o Mercado de Carne e o Mercado de Peixe, o casario, as praças do Relógio e Dom Pedro II, a doca de embarcações, a Feira do Açaí e a Ladeira do Castelo.

Atravessando o antigo pântano do Piri, aquela região da cidade se configurava como uma área mais comercial e tinha como via de ligação com a Cidade Velha uma rua que até hoje mantém as características comerciais originais, a João Alfredo, ou rua dos Mercadores à época. Além dessa importante ligação entre os bairros da Cidade Velha e Campina, a via também permitia o acesso às igrejas instaladas no novo bairro, como é o caso da Igreja das Mercês.

IGREJA DAS MERCÊS

A primeira construção da Igreja das Mercês data de 1640, quando os padres mercedários ergueram uma ermida em taipa e um convento. A construção atual da igreja teve início em 1748, porém, em 1978 ocorre um grande incêndio que destruiu o convento anexo à igreja, tendo o convento sido reconstruído em 1987. Apesar de a igreja ter sido preservada, com o tumulto gerado pelo incêndio, alguns objetos sacros se perderam ou foram danificados. A construção atual tem alguns elementos internos atribuídos ao arquiteto italiano Antônio Landi, como o trabalho de talha existente nos púlpitos.

Antes de ser aterrado e dar acesso ao que se configurou como o bairro da Campina, o Igarapé do Piri seguia da Doca do Ver-o-Peso até próximo do que hoje é o bairro de Batista Campos, que marca outro processo de expansão da cidade, que se intensificou já no século XIX, e seguiu para além do bairro da Campina.

PRAÇA BATISTA CAMPOS

A praça Batista Campos era, ainda no século XIX, uma propriedade particular. Após a morte de sua proprietária, a área passou a pertencer à Câmara Municipal de Belém. O nome de Batista Campos veio apenas em 1897, durante o governo Antônio Lemos. O bairro que recebe o mesmo nome da praça é, inclusive, o que mais tem a história ligada à administração do então Intendente Municipal de Belém, Antônio Lemos, que provocou transformações urbanas significativas na cidade no período de sua gestão, entre 1897 e 1911. Em meio às medidas que visavam modernizar e higienizar a capital paraense para receber os negociantes estrangeiros da borracha, o bairro de Batista Campos surge no cenário da Belém do início do século XX.

 

Visita às construções históricas possibilita contato com o passado e conexão com o presente

Para quem visita o Pará, ou mesmo quem nasceu e vive no Estado, percorrer as construções históricas da capital é uma maneira de ter contato com o passado que remonta à fundação da cidade e, ainda, manter uma conexão com o presente.

Nascido em Capitão Poço, no nordeste do Pará, o gerente Eugênio Lima, 49 anos, já visitou a capital paraense diversas vezes, mas durante as festas do final deste ano, resolveu parar para conhecer parte do centro histórico da cidade ao lado da família. “Eu sempre passava e via de longe o Forte, a Igreja da Sé, mas dessa vez a gente resolveu parar para conhecer e gostamos muito porque conta um pouco da história da cidade”, considerou, enquanto conhecia as construções que compõem o Complexo Feliz Lusitânia. “Esse forte era muito importante para a proteção da cidade porque naquela época tinha muito risco de invasão, então, isso aqui é parte da história da cidade”, considerou o militar aposentado Renildo Soares, 70 anos, durante o passeio.