Grande Belém

A Belém dos bondes elétricos aos dias atuais

Bonde circulando pela Av. 16 de novembro, próximo da atual Praça Dom Pedo II
Bonde circulando pela Av. 16 de novembro, próximo da atual Praça Dom Pedo II

Cintia Magno

Pode não parecer, mas a configuração que as linhas de ônibus existentes na capital paraense assumem, hoje, têm uma relação muito próxima com o percurso percorrido por um tipo de transporte que ficou apenas na memória de Belém, os bondes. Quando os bondes elétricos ainda circulavam em Belém, no início do século XX, a estrutura das suas linhas de circulação era toda voltada para o centro da cidade e muitas dessas vias por onde passavam os antigos bondes, hoje concentram a circulação de um grande volume de linhas de ônibus.

Egresso do Curso de Licenciatura em História do Campus de Ananindeua da Universidade Federal do Pará (UFPA), Rafael Baía escolheu os bondes elétricos como objeto de pesquisa do seu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A implementação dos bondes elétricos na cidade de Belém durante a Belle Époque do ano 1900 a 1909 pela perspectiva liberal higienista da elite belenense” e o que ele observou durante a pesquisa foi que a implantação dos bondes elétricos em Belém acabou modificando a própria dinâmica da cidade, da circulação das pessoas nesse espaço e até mesmo dos comércios existentes na época.

“No meu trabalho eu falo sobre uma loja, que é um hotel, e que fazia propaganda dizendo ‘olha, o bonde passa aqui na frente’, então, isso dava um certo prestígio para aquelas lojas, movimentava o comércio, principalmente no centro da cidade”.

Rafael Baía escolheu os bondes elétricos como objeto de pesquisa do seu Trabalho de Conclusão de Curso. Foto Wagner Santana/Diário do Pará.

Rafael explica que os primeiros bondes existentes em Belém ainda eram conduzidos por tração animal. Eles chegaram na cidade ainda no século XIX, em meados de 1867, através de outra companhia. Mas eram poucos, havendo apenas três locomotivas. “Parecia mais trens sendo puxados por burros, principalmente, do que propriamente uma linha grande como a gente conhece hoje em dia”, relata. “Naquela época dos bondes de tração animal, ainda tinha muita competição dos carros de coche, que eram alugados, então eles (os bondes) ainda não eram o principal modo de transporte”.

A eletrificação dos bondes – onde se concentra a pesquisa de Rafael, ocorreu apenas na gestão do então Intendente Antônio Lemos, sendo implantada em 1907. Foi quando os bondes passaram a ser, aí sim, os principais modos de locomoção das pessoas na cidade, principalmente para quem tinha mais recursos financeiros e acesso a esses meios de transportes. “Uma coisa que a gente pode perceber, também, nessa pesquisa, é que tinham conflitos no uso desse transporte porque, como era um transporte de uso mais restrito, tinha muita complicação porque as pessoas queriam se apoderar daquele meio. Eles subiam, brigavam, então, era um espaço que não era necessariamente harmonioso”.

A eletrificação dos bondes – onde se concentra a pesquisa de Rafael, ocorreu apenas na gestão do então Intendente Antônio Lemos, sendo implantada em 1907

 

BELA ÉPOQUE

Rafael explica que a primeira cidade a implantar os bondes elétricos no Brasil foi o Rio de Janeiro, um pouco antes da virada do século XIX para o século XX, em 1896. Foi uma medida que teve influência da chamada Belle Époque, que era a influência da cultura francesa em cidades brasileiras. Algo que ocorreu não apenas no Rio de Janeiro, mas também em capitais da Amazônia como Manaus e Belém.

“Eram as cidades que estavam crescendo economicamente, então, elas buscavam referenciais culturais principalmente no exterior. Então, essa questão da cultura dos bondes também vem daí”, explica.

“Os bondes significavam, para o Antônio Lemos, um grande projeto para civilizar aquele povo. Ele acreditava que implementar os bondes poderia mudar os costumes das pessoas”.

Naturalmente, a ideia de implementar os bondes elétricos em Belém fazia parte do processo de embelezamento e higienização promovidos por Antônio Lemos e que tinha como inspiração a arquitetura parisiense. Mas é curioso perceber que, mesmo em Paris, que é onde surgem as primeiras reformas urbanas, elas surgem num contexto muito conturbado.

“Paris era uma cidade de muitas revoluções, desde a Revolução Francesa. Então, essas mudanças de Paris acontecem principalmente para fazer frente a essas revoltas. Em uma grande avenida era mais fácil ver as pessoas e impedir barricadas, então, essas mudanças estéticas que vieram para cá tinham questões funcionais para os arquitetos de Paris, e que nem sempre se adequavam a Belém. E os bondes são parte de todo esse processo, foi o que eu quis ilustrar na minha pesquisa”, destaca Rafael Baía.

“A minha pesquisa foca mais no começo do século passado, mas os bondes vigoraram até 1947, então, não faz tanto tempo que os bondes ainda funcionavam. Teve algumas tentativas de reabilitar o bonde aqui, mas acabou sendo mais atração turística do que propriamente funcional, como era antigamente o uso dos bondes”.

Professora doutora do Curso de Licenciatura em História do Campus de Ananindeua da UFPA e orientadora de Rafael no trabalho sobre os bondes elétricos, a historiadora Siméia de Nazaré Lopes destaca que a pesquisa foi conduzida pensando na discussão dos transportes e a questão econômica que isso mobiliza, portanto, considerando não apenas o aspecto cultural e social, mas também econômico.

a historiadora Siméia de Nazaré Lopes destaca que a pesquisa foi conduzida pensando na discussão dos transportes e a questão econômica que isso mobiliza. Foto Wagner Santana/Diário do Pará.

“E aí nós conseguimos perceber durante a pesquisa e a leitura nos jornais que o Rafael coletou, uma grande quantidade de informações no sentido de como essa estruturação das linhas de bonde estava voltada para o centro da cidade e como isso vai modificando a própria dinâmica das lojas e das pessoas que circulam nesse espaço”, considera. “Um ponto inicial, que a gente consegue perceber também, é a questão da continuidade. As linhas de bonde atendendo, em sua excelência, o centro da cidade”.

Outro ponto destacado pela pesquisa foi a diferenciação de classes que existia no uso dos bondes. “Os vagões mais sofisticados, mais confortáveis, eram os de primeira classe e os mais simples eram destinados ao uso das classes mais populares. Havia um vagão, inclusive, que era de uso exclusivo do Governador e do Prefeito da época”, relata a professora.

“Esse processo de embelezamento da cidade vai ser muito emblemático nesse período do Antônio Lemos, de revitalizar os casarões e as pessoas que não tinham condições de manter os seus casarões eram deslocadas do centro da cidade, nesse processo de higienização”.

Com o passar do tempo, o uso dos bondes elétricos como principais meios de transporte foi descontinuado em Belém, dando espaço aos veículos movidos a combustível fóssil. Daquela época, o que permanece na cidade são apenas alguns trechos dos antigos trilhos que ainda resistem sob o asfalto, no centro da cidade, sobretudo no Centro Comercial da capital.