
O Senado do Uruguai deve aprovar, ainda nesta quarta, 15, o projeto de lei que autoriza a eutanásia no país. A proposta, já aprovada pela Câmara dos Deputados em 13 de agosto, conta com maioria consolidada também entre os senadores e tem o apoio declarado do presidente Yamandú Orsi. A medida transforma o Uruguai em pioneiro na América Latina a legalizar a prática por via legislativa — até agora, países como Colômbia, Peru e Equador avançaram apenas por decisões judiciais.
Segundo a presidente da comissão responsável pelo texto, senadora Patrícia Kramer (Frente Ampla), a votação encerra “um processo longo, honesto e comprometido”. Ela afirmou que a discussão foi conduzida de forma “respeitosa e técnica”, com participação de diferentes setores da sociedade, incluindo representantes da Igreja Católica, advogados, médicos e entidades civis.
O texto estabelece critérios rigorosos para o acesso à eutanásia. O paciente deverá ser maior de idade, estar em estágio terminal de uma doença incurável e irreversível, e enfrentar um sofrimento considerado insuportável. Além disso, será submetido a uma avaliação psiquiátrica e à análise de dois médicos — sendo um deles independente da equipe que o acompanha.
De acordo com o deputado Luis Gallo, também do Frente Ampla, “a objeção de consciência dos profissionais está prevista, mas com a obrigação de encaminhar o caso a outro médico que aceite realizar o procedimento”. Ele ressalta que o projeto “não substitui os cuidados paliativos, mas amplia o direito à autonomia e à transparência”.
Estudos do comitê que elaborou a proposta indicam que mais de 80% dos pedidos de eutanásia partem de pacientes com câncer em fase terminal ou com esclerose lateral amiotrófica (ELA).
A iniciativa mantém viva uma tradição uruguaia de protagonismo em temas de direitos civis, inaugurada no início do século 20 sob o governo de José Batlle y Ordóñez — o mesmo que instituiu o divórcio e a separação entre Igreja e Estado. O país é considerado atualmente o mais democrático da América Latina, segundo o índice da Economist Intelligence Unit.
Pesquisas de opinião apontam amplo apoio da população à medida. A discussão ganhou força em 2019, quando o ex-dirigente esportivo Fernando Sureda, diagnosticado com uma doença degenerativa, defendeu publicamente o “direito de morrer”.
Caso seja aprovado, o projeto incluirá a eutanásia na Constituição uruguaia e garantirá que o procedimento seja oferecido dentro da rede pública de saúde.
Contexto internacional
A eutanásia é legal em poucos países do mundo — entre eles Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Espanha, Nova Zelândia e em alguns estados dos Estados Unidos e da Austrália. Cada nação impõe condições específicas, como a exigência de diagnóstico terminal e consentimento livre e consciente do paciente.
Na Suíça, apenas o suicídio assistido é permitido — o paciente toma por conta própria a substância letal —, enquanto a eutanásia, feita por terceiros, é considerada crime.
No Brasil, a prática é ilegal. O Conselho Federal de Medicina, no entanto, reconhece a ortotanásia — suspensão de tratamentos invasivos em casos terminais, mediante consentimento do paciente ou da família.
A palavra “eutanásia” vem do grego eu (bom) e thanatos (morte), significando literalmente “boa morte”. No campo médico e ético, designa o ato de antecipar a morte de um paciente em sofrimento extremo, com o objetivo de garantir-lhe dignidade e alívio.