As mulheres ainda enfrentam um histórico de machismo, sexismo e outras violências impostas e normalizadas pela sociedade. Quando se tratam de mulheres grávidas, o avanço na garantia de direitos torna-se ainda mais urgente, mesmo diante de tantas conquistas ocorridas nas últimas décadas
Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas mostra que quase a metade das mulheres que tiram licença-maternidade não está mais no mercado de trabalho após 24 meses da licença. No levantamento, foi constatado que, dentre 247 mil mães, 50% foram demitidas após, aproximadamente, dois anos da licença maternidade. Vale destacar que, de acordo com a Lei 14.020/2020, as mulheres devem ter estabilidade de emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
O advogado Felipe Fadul aponta situações do mercado de trabalho onde os direitos não alcançam a mulher grávida como a demissão após o retorno da licença maternidade; gravidez/maternidade vistas como critério para preenchimento vaga; e ambiente de trabalho sem espaço para mães lactantes para que elas possam prosseguir com a amamentação do bebê. “Esses e muitos outros exemplos mostram que a equidade no mercado de trabalho ainda é uma realidade distante para estas mulheres. Infelizmente, muitas empresas entendem, de modo equivocado, que podem ter prejuízos com funcionárias grávidas”, diz.
O advogado reforça que o Salário Maternidade é pago pelo INSS e não pela empresa. “Além disso, podemos pensar em soluções para o quadro de funcionário quando esta mulher estiver gozando de sua licença maternidade, como contratar outro funcionário para cobrir esta licença”. Neste cenário, é fundamental que as mulheres sejam conscientes dos seus direitos. “Informação é primordial para estas mulheres e devemos sempre reforçar sobre a importância do contrato via carteira de trabalho, pois é um meio seguro de garantir seus direitos”, alerta Fadul.
OFICIAIS
Recentemente Felipe advogou em favor de uma aluna de um curso de formação de oficiais que, ao informar a sua gravidez, teve a sua matrícula cancelada. A aluna estava cursando o quinto semestre do curso (terceiro ano), com aproveitamento total das disciplinas. O caso ocorreu em fevereiro, quando aos primeiros sinais da gravidez, a aluna comunicou imediatamente o fato médico à coordenação do Centro de formação, conforme ordena o regimento interno.
“Após consulta com a ginecologista do hospital vinculado ao centro, veio confirmação da gravidez, no período de onze semanas. Eu estava em perfeita aptidão física, com orientação médica de que eu me poupasse de realizar apenas algumas atividades como o manuseio de armas de fogo”, explica.
A aluna consultou sobre a possibilidade de trancamento da matrícula com base no regimento interno do centro, pois possuía todos os requisitos necessários para tal, e solicitava o direito de permanecer afastada por doze meses, voltando após este período a cursar o sexto semestre para conclusão do curso de formação.
No dia 2 de abril, a aluna foi informada que houve reunião de Conselho de Ensino do centro (composto exclusivamente por militares), e que seu pedido havia sido negado, bem como, que ela deveria começar o processo de desligamento. A aluna sequer foi informada sobre a reunião que determinou o cancelamento de sua matrícula e seu desligamento. Apenas soube da decisão do cancelamento da matrícula, tendo como efeitos a perda de sua remuneração e seu plano de saúde.
“Procurei orientação sobre o meu caso e ficou evidente que o que estava acontecendo comigo era errado e que o centro, sendo uma instituição de nível superior, não poderia me expulsar pela gravidez. Fui aconselhada a recorrer à justiça, já que estou no terceiro ano da formação e desistir de tudo não era a minha opção. Demorei cinco anos para passar num concurso, não aceitei ser obrigada a desistir da minha carreira por causa de um regulamento. Fiz de tudo para poder continuar”, desabafou.
“A decisão do centro de formação é inconstitucional, pois o regimento prevê de forma expressa e institucionalizada uma conduta discriminatória de gênero. Nesse caso, o nosso questionamento é contra o regimento deles, pois, a aluna teve sua matrícula cancelada com fundamento num artigo do Regimento Interno do centro, que prevê o desligamento ‘no caso de ser do sexo feminino, vier a contrair gravidez durante o curso’”, informa o advogado.
Ele defende que a proteção à maternidade e a infância são assegurados pela Constituição Federal e a gravidez, por si só, mesmo com as restrições a ela inerentes visando a saúde da mãe e do feto, não pode ser taxada como uma doença que se contrai. “Existe o interesse da Justiça em proteger o direito da mulher, em especial grávidas, e estamos lutando por isso”, explica o advogado.
A aluna segue à espera da decisão da justiça. “Acho que fui a primeira a bater de frente com essa situação no centro de formação e dizer não essa ordem absurda que existe. A minha atitude serve também para encorajar outras alunas, caso passem pelo mesmo, para não desistirem de uma carreira maravilhosa que está por vim e para não desistir de um sonho. Um filho não vai acabar com a sua vida e carreira. Sempre vão existir inúmeras dificuldades que temos que enfrentar, mas desistir não é opção”, completa.