YALA SENA
TERESINA, PI (FOLHAPRESS)
A juíza Elfrida Costa Belleza, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina, autorizou o aborto legal de uma menina grávida após ser estuprada pela segunda vez no Piauí. O procedimento, no entanto, ainda não foi realizado, mesmo uma semana após o aval. A mãe da garota, contra a interrupção da gravidez, disse que acionou a Justiça para recorrer da decisão.
A garota tinha então dez anos quando engravidou pela primeira vez após ser estuprada em janeiro de 2021. Um ano depois de ter o direito ao aborto desrespeitado e dar à luz, a menina, com 11 anos, foi novamente vítima de violência sexual e ficou grávida. O corpo de uma criança dessa idade não está preparado para uma gestação, diz o obstetra André Luiz Malavasi, do Hospital da Mulher de São Paulo.
A menina, agora com 12 anos, está com 20 semanas de gestação. Em outubro, à Folha, a maternidade informou que só faria o procedimento até a 22ª semana, porque seguia a protocolo do Ministério da Saúde. Procurada nesta semana novamente, a instituição disse que não se manifestaria porque o caso está em segredo de Justiça.
No Brasil, o aborto é autorizado em casos de estupro, risco à vida da mãe ou diagnóstico de anencefalia do feto. Pelo Código Penal, todo ato sexual com menor de 14 anos configura estupro de vulnerável.
A vítima vive desde setembro em um abrigo com o filho da primeira gestação, que completou um ano de idade.
A decisão judicial pelo aborto legal foi publicada no dia 1º de novembro. Segundo apurou a Folha, ela se baseou em relato da junta médica e no depoimento do pai da menina, que é a favor da interrupção da gravidez. A mãe da garota, no entanto, diz ser contra o aborto após ter ouvido orientação de médicas de que haveria risco à filha.
Enquanto aguardava uma posição da juíza, o pai e a mãe foram chamados pelo Samvvis (Serviço de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual) da Maternidade Dona Evangelina Rosa, em Teresina, no dia 28 de outubro.
Lá, segundo relato da mãe, duas médicas relataram perigos do aborto e disseram que haveria risco de a menina ir para a UTI, citando como exemplo o caso de uma garota de dez anos que passou mal na sala de cirurgia.
Ainda segundo a mulher, a médica chegou a mostrar o exame de ultrassom, informando que o feto estava com 17 semanas e, portanto, “formado”.
A família, diz a mãe, tem intenção de entregar o bebê para uma tia adotar -o procedimento, porém, seria ilegal, porque a adoção no Brasil segue uma fila única.
Após o relato na maternidade, a mãe conta que o pai assinou no dia 28 de outubro um documento contra o aborto. Procurado pela Folha, o pai não quis falar.
O presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, André Santos, disse que o pai da menina denunciou ter sido coagido a assinar o documento na maternidade pelo impedimento do aborto e que ele é a favor da interrupção da gestação.
“O pai falou que mostraram a ultrassom da criança, falaram que a filha corria risco de morrer, que era para repensar sobre o aborto. O pai relatou também que uma médica do Samvvis foi até o abrigo onde a menina estava para informar para ela que o pai não tinha autorizado o aborto”, disse Santos.
A garota teve uma crise de ansiedade, segundo Santos, ao saber que os pais não aprovaram o aborto e precisou tomar medicação.
O promotor Tiago Cargnin disse que não poderia dar detalhes do processo, devido ao sigilo, mas declarou que todas as providências estavam sendo adotadas e que “a decisão da menina será respeitada”.
Após 20 semanas, risco semelhante Diretor da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do estado de São Paulo, o obstetra André Luiz Malavasi afirma que os riscos de interromper a gravidez ou de prosseguir com a gestação em uma menina de 12 anos são semelhantes após 20 semanas.
“Mas se ela faz uma interrupção dentro do hospital de forma segura, acolhida com acompanhamento de profissionais, a possibilidade de evoluir para uma complicação é menor”, disse o médico do Hospital da Mulher (antigo Pérola Byington, centro de Referência da Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde paulista).
Malavasi afirma que o corpo da menina não está preparado para uma gestação. “Não existe uma idade absoluta, entretanto os menores riscos para a gestação começam a partir de 16 anos a 18 anos. A gestação abaixo dessa faixa etária costuma ser de alto risco. Se tivesse feito a interrupção até as 12 semanas, em que se usa o método de aspiração manual intrauterina, haveria menos possibilidade de agravamento”, diz.
“Isso justifica defendermos que as vítimas, principalmente adolescentes e crianças, tenham a interrupção imediatamente a gestação pós estupro”, afirma o obstetra.