Uma empresária afirmou ao Governo do Ceará ser dona de cerca de 83% das terras da Vila de Jericoacoara, no litoral do estado. Um acordo foi firmado entre as partes e 49 mil metros quadrados serão cedidos pelo Estado. A ação tomou repercussão nos últimos dias.
Jericoacoara é um dos principais destinos turísticos do Nordeste. A área sob disputa fica fora do Parque Nacional, gerido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Segundo ela, em 1983, seu então marido comprou terrenos que totalizam 714 hectares na região. Ela apresentou a escritura pública de compra dos terrenos. Desse quantitativo, 73,5 hectares seriam na área da Vila de Jericoacoara, que possui, ao todo, 88 hectares, dentro da cidade de Jijoca de Jericoacoara.
A área da vila foi regularizada no âmbito fundiário entre 1995 e 1997.
Iracema apresentou a escritura de posse ao Instituto de Desenvolvimento Agrário do estado propondo uma conciliação na qual ela cederia áreas que fossem tituladas a outras pessoas até dezembro de 2022. O espaço seria equivalente a 62% da área da Vila de Jericoacoara. Os demais lotes seriam devolvidos a ela.
Ao responder o pedido, o Idace propôs que toda a área da Vila de Jericoacoara seguisse sob a tutela do Estado do Ceará. Isso gerou um impasse, já que Iracema não aceitou a contraproposta.
No mês seguinte, o instituto enviou o caso para a Procuradoria-Geral do Estado, que reconheceu a legitimidade da escritura apresentada por Iracema. O órgão firmou um acordo extrajudicial, ou seja, sem necessidade de intervenção da Justiça.
Segundo a Procuradoria, no acordo firmado entre as partes, “conseguiu-se a renúncia dele [de Iracema] de todas as terras que, mesmo estando dentro de sua propriedade, estivessem ocupadas com moradores ou quaisquer tipo de construções”.
“Essas áreas, que correspondem a mais de 90% da matrícula do proprietário, permaneceriam com o Estado a fim de se dar continuidade ao processo de regularização da área, mantendo as pessoas em suas residências e o comércio local”, diz a procuradoria, por meio de nota.
Pela proposta, somente terrenos que ainda estavam no nome do Idace e que não estavam ocupados de alguma forma –ou seja, uma parte menor considerando o todo da vila– é que passariam para o nome de Iracema, em uma área de 49,5 mil metros quadrados.
Todas as vias e os acessos locais foram preservados na proposta, segundo a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará.
Acordo será validado nas próximas semanas
O acordo foi firmado, mas ainda não foi implementado na prática por questões burocráticas. A expectativa é que isso aconteça nas próximas semanas.
Em nota, a PGE diz que “conduziu um acordo de forma a proteger as famílias que já trabalham e residem na região, uma vez que, caso simplesmente se retirasse a área do real proprietário da matrícula do Estado, muitos residentes e donos de comércios locais poderiam ser obrigados, até judicialmente, a sair de suas casas e estabelecimentos”.
Ainda conforme o órgão, o reconhecimento do direito de propriedade não isentará Iracema de observar as regras ambientais e as restrições municipais para construções.
Em reação, moradores da vila solicitaram que o Ministério Público do Ceará investigue o caso.
“Requeremos ainda que o MPCE determine a investigação de possível crime de prevaricação por parte da PGE, por não defender o Estado neste assunto que é de profundo interesse de todos os cearenses e, pelo contrário, celebrar acordo sigiloso altamente vantajoso para um particular, e altamente desfavorável para o Estado e para seus cidadãos”, diz trecho de um abaixo-assinado lançado em plataforma pelos residentes.
O órgão afirma à Folha que analisa o caso para apurar eventuais irregularidades.
JOSÉ MATHEUS SANTOS/RECIFE, PE (FOLHAPRESS)