AS DONAS DO AÇAÍ

Exposição ressalta participação das mulheres na cadeia do fruto amazônico

Aliança Francesa expõe fotografias de Ana Mendes sobre participação das mulheres na cadeia do fruto amazônico

Os municípios de Cametá e Igarapé Miri, localizados na região do baixo Tocantins, no Pará, são os maiores produtores de açaí do Brasil e do mundo. Cerca de 95% do açaí exportado do Brasil vem do estado do Pará e esses dois municípios junto com outras cerca de 4 cidades são os polos de produção do estado. Muitos desafios se colocam para os produtores locais e pro meio ambiente diante desse “novo” ciclo econômico que cresce na Amazônia brasileira. Haja vista que nos últimos dez anos a produção de açaí dobrou. Viajando entre essas duas cidades é possivel perceber o que os cientistas tem chamado de açaização da Amazônia, isto é, o crescimento da plantação de açaí de maneira monocultiva, o que implica em vários problemas para a diversidade local. Essas fotografias fazem parte do projeto METIS, uma parceria da Agencia Francesa de Desenvolvimento com o IPAM, organização não governamental que atua junto aos produtores de açaí da região de Cametá e Igarapé Miri na busca de melhorias para os produtores de açaí – nucleos familiares e comunitários. O trabalho fotográfico foi realizado junto as mulheres, que assumem vários papéis na cadeia produtiva do açaí.
Os municípios de Cametá e Igarapé Miri, localizados na região do baixo Tocantins, no Pará, são os maiores produtores de açaí do Brasil e do mundo. Cerca de 95% do açaí exportado do Brasil vem do estado do Pará e esses dois municípios junto com outras cerca de 4 cidades são os polos de produção do estado. Muitos desafios se colocam para os produtores locais e pro meio ambiente diante desse “novo” ciclo econômico que cresce na Amazônia brasileira. Haja vista que nos últimos dez anos a produção de açaí dobrou. Viajando entre essas duas cidades é possivel perceber o que os cientistas tem chamado de açaização da Amazônia, isto é, o crescimento da plantação de açaí de maneira monocultiva, o que implica em vários problemas para a diversidade local. Essas fotografias fazem parte do projeto METIS, uma parceria da Agencia Francesa de Desenvolvimento com o IPAM, organização não governamental que atua junto aos produtores de açaí da região de Cametá e Igarapé Miri na busca de melhorias para os produtores de açaí – nucleos familiares e comunitários. O trabalho fotográfico foi realizado junto as mulheres, que assumem vários papéis na cadeia produtiva do açaí.

Mulheres anônimas, mas que fazem a diferença na Amazônia, são personagens da exposição fotográfica “Açaí: na trilha das mulheres”. A mostra será aberta ao público nesta quarta-feira, 26, às 18h, no Espaço Cultural da Aliança Francesa, na unidade Belém.

As obras são resultado de uma documentação artística produzida pela fotógrafa gaúcha Ana Mendes, em 2023. Ela, que também é comunicadora e cientista social, foi até as comunidades de Jacaré Xingu (Cametá) e Nazarezinho (Igarapé-Miri), às margens dos rios Meruù e Tocantins, e acompanhou o trabalho de 200 famílias, nas quais mulheres integram ou estão sozinhas nas mais diversas etapas da cadeia produtiva do açaí.

“Quando eu cheguei até essas comunidades, vi todo um núcleo familiar envolvido na colheita do açaí. Famílias inteiras fazem as mais diversas etapas desse trabalho. E em grande parte das documentações que se tem sobre o tema, se esquecem muito de falar do protagonismo feminino nesse processo. Nesse contexto, é muito legal ver várias mulheres, de diferentes idades, trabalhando de diversas maneiras nesse processo. Muitas delas trabalham no seu núcleo familiar, mas outras estão sozinhas num açaizal. Vi mulheres subindo no açaizeiro, debulhando e depois levando o fruto para casa dentro de um barquinho”.

Ela conta que conheceu, por exemplo, uma família formada só de mulheres. “Elas são irmãs que se uniram nos seus quintais e vivem disso. Elas contratam trabalhadores e controlam toda a sua produção num lugar de mando e demanda. Então é a chefia feminina na produção de açaí”, relata a fotógrafa.

Ana Mendes encontrou outras personagens interessantes. “A gente conheceu uma mulher que realmente é um ponto fora da curva, porque trabalha no porto do Rio Meruù, em Igarapé-Miri. É a única mulher que trabalha ali, num cargo de chefia e negociação. Na época, ela tinha 33 anos. É quem faz os trâmites de compra, venda e negociação de açaí com as fábricas, exportando para fora do Pará. É um trabalho de tensão, onde há carregamento e descarregamento, que funciona 24 horas e onde circula muito dinheiro”, conta.

Em outra parte da pesquisa, a documentarista encontrou mulheres que fazem a confecção de paneiros, atividade quase que exclusivamente realizada por mulheres. “Os paneiros são muito importantes porque são eles que circulam para lá e para cá com as rasas de açaí. A medida do paneiro é o que conta para o pagamento do trabalhador que coleta o açaí. A fabricação de paneiro é muito intensa e movimenta também a economia. E eles fazem parte de um conhecimento tradicional e são lindos. Antigamente, eram feitos de uma fibra natural que se chama jacitara. Mas hoje em dia, são feitos de fitas de plástico reciclado”.

AFETIVIDADE

A relação de Ana Mendes com a Amazônia é permeada pela afetividade. “Nasci no Rio Grande do Sul, mas a minha mãe morava em Porto Velho (RO), antes de eu nascer. Então, vivi minha primeira infância em Porto Velho e desde lá, eu não saio da Amazônia. Nasci numa outra região do país, mas toda uma memória afetiva se formou às margens do Rio Madeira e acho que existe esse lugar dentro de mim que é muito forte e me faz querer estar e morar na Amazônia depois de adulta. Eu circulei por vários estados brasileiros e acho que esse retorno para a Amazônia é um retorno para a infância e para coisas que me tocam muito. Por eu ser viajante e até desterritorializada, me comove e me toca a questão territorial das populações ribeirinhas, tradicionais e povos originários. O meu trabalho fala sobre isso. São as coisas que me movem e as quais observo”, afirma a fotógrafa, que vive atualmente entre as capitais de São Luís (MA) e Belém (PA), onde cursa doutorado em artes na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Com uma relação bem estreita com a Amazônia, Ana Mendes tem voltado seus trabalhos para as questões de comunidades tradicionais e populações indígenas que estão em luta pelo direito a seus territórios e pelo bem-viver.

“São populações que acompanho durante muitos anos, na medida do possível, porque gosto de fazer trabalhos longos e duradouros, em que eu possa acompanhar e criar vínculos e relações de afeto e de respeito. Isso atravessa a minha fotografia também na tentativa de sempre falar dessas populações sem mobilizar os estereótipos que carregam, mas pensando neles muito mais a partir das semelhanças desses povos com a gente, a população urbana, digamos do que as diferenças, porque enquanto estas afastam, as semelhanças aproximam”, descreve Ana Mendes.

Representatividade das populações tradicionais é fundamental, aponta fotógrafa.

O trabalho fotográfico foi realizado junto as mulheres, que assumem vários papéis na cadeia produtiva do açaí. Ana Mendes tem propósito de elevar a autoestima daqueles que registra. FOTO: Ana Mendes/Divulgação

O trabalho de Ana Mendes foi exposto em Cametá, no Pará, e em Brasília, no Centro-Oeste brasileiro. “Foi muito legal ver as pessoas se enxergando nas imagens. É fundamental o tipo de fotografia que eu faço porque tenho, em minha metodologia, o propósito de as pessoas verem as imagens e se sentirem representadas, bonitas e com autoestima se observando. Queria fazer as exposições nas comunidades, mas não foi possível por questões logísticas. Mas conseguimos levar as mulheres e as suas famílias às sedes dos municípios de Cametá e Igarapé-Miri e foi muito bonito. É fundamental a gente retornar as imagens para as comunidades para que elas possam participar inclusive do processo de seleção das fotos, no sentido da representatividade delas nas fotos”, considera.

Como complemento desse ensaio fotográfico, a Associação Cultural FotoAtiva ofereceu a essas mulheres uma experiência artística com base nos temas de identidade e do açaí. Foram desenvolvidas oficinas das técnicas artísticas pinhole (um dispositivo simples, derivado da câmera escura) e desenho, ministradas por Evna Moura, José Viana e Irene Almeida.

Dessa forma, além das imagens deles, havia imagens produzidas por eles próprios, complementa Ana Mendes. “Tinham equipes duplas de documentação. Eu, enquanto fotógrafa, e uma equipe coordenada pela fotógrafa Irene Almeida [presidente da Associação FotoAtiva e repórter fotográfico do DIÁRIO DO PARÁ]. Ela fez oficinas de fotografias com eles. Foram crianças, jovens e adultos que se envolveram no processo de pincel de luz, como Irene nomeia a atividade em que desenha com químico de fotografia e revela dentro do laboratório. A Irene construiu um laboratório escuro e todo mundo pôde ver a imagem surgindo de desenhos que eles tinham feito com a temática do açaí. O resultado foi muito bonito”, descreve Ana.

A fotógrafa relata que imergiu profundamente na questão do açaí, fazendo reflexões importantes sobre a economia que cerca o fruto e a identidade do povo paraense. “É uma fruta cantada, louvada na cultura paraense e faz parte da cultura alimentar, especialmente do Pará. Acho muito bonitas as casinhas das margens dos rios emolduradas pelo açaí. A presença do açaí é muito forte, visualmente, nesse contexto da subsistência das famílias. Mas por outro lado, acho que tem uma questão muito importante de ser abordada, que é a do açaí, que move um mercado global. E esses dois municípios são dois dos maiores produtores e exportadores de açaí mundialmente. Porém, as famílias recebem muito pouco se formos comparar a movimentação de dinheiro da economia do açaí. Uma prova disso é que na Europa e nos Estados Unidos, ele é consumido a um preço muito exorbitante e é justo que essas comunidades recebam um valor maior por esse trabalho”.

VISITE!

Exposição “Açaí:

na trilha das mulheres”

Quando: 26/02 (quarta-feira), às 18h;

Onde: Aliança Francesa- Tv. Rui Barbosa,1851 – Batista Campos.

Visitação: de segunda à sexta-feira, das 9h às 19h; e sábados das 9h às 13h.

Quanto: Entrada Franca.