No mês passado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou mudanças nas regras e procedimentos para a realização de cirurgias bariátricas em adultos e adolescentes. Entre as principais mudanças, está que pacientes a partir dos 14 anos de idade podem fazer cirurgia bariátrica nos casos de obesidade grave associada a complicações clínicas.
A entidade passou a reconhecer a realização do procedimento desde que o Índice de Massa Corpórea (IMC) seja maior que 40, considerado obesidade grave, com avaliação de equipe multidisciplinar e consentimento dos responsáveis. A mudança nas exigências tem como base estudos que comprovaram que o procedimento é seguro e eficaz nestas condições. Pela resolução anterior, pacientes menores de 16 anos só poderiam fazer a cirurgia em caráter experimental e de acordo com as normas dos Comitês de Ética em Pesquisa e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
A bariátrica é usada como tratamento da obesidade e das doenças relacionadas. Segundo os dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), entre 2020 e 2024, o Brasil realizou 291 mil cirurgias.
A resolução também contraindica cirurgias como a banda gástrica ajustável e a cirurgia de Scopinaro, antes permitidas. Segundo o CFM, esses procedimentos apresentaram resultados insatisfatórios e alto percentual de complicações graves. Entre os procedimentos recomendados pelo Conselho estão balão intragástrico, gastroplastia endoscópica e as técnicas minimamente invasivas.
Para a nutricionista bariátrica Jeane Lorena Kikuchi, a autorização da bariátrica a partir dos 14 anos, com critérios bem definidos, é um avanço no sentido de ampliar o acesso ao tratamento da obesidade grave em adolescentes. Porém, ela ressalta que é uma medida que deve ser adotada com muita cautela. “A bariátrica não é a primeira opção de tratamento, ela é indicada apenas em casos de obesidade grave, com falha comprovada de abordagens clínicas, e quando há comprometimento da saúde física e/ou emocional do jovem.”
Kikuchi ressalta que o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, com nutricionista, psicólogo e endocrinologista, é essencial tanto no pré quanto no pós-operatório, para garantir segurança e bons resultados. Conforme afirma a especialista, a obesidade na adolescência pode causar impactos físicos, metabólicos e emocionais.
Do ponto de vista da saúde, a obesidade pode levar ao desenvolvimento precoce de doenças como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemias e apneia do sono. “Além disso, afeta a autoestima e o convívio social, podendo contribuir para quadros de ansiedade, depressão e bullying. O excesso de peso nesse período também aumenta as chances de a obesidade se manter na vida adulta.”
No pós-operatório da cirurgia bariátrica, a alimentação precisa seguir fases bem definidas: líquida, pastosa, branda e, por fim, a alimentação sólida adaptada. “É fundamental garantir uma ingestão adequada de proteínas, vitaminas e minerais, com suplementação quando necessário. O acompanhamento nutricional contínuo é essencial para prevenir deficiências nutricionais, preservar massa magra e adaptar a nova rotina alimentar de forma sustentável”, recomenda Jeane Lirena Kikuchi. A mastigação adequada, a hidratação e o fracionamento das refeições também são pontos importantes.
A prevenção contra a obesidade começa dentro de casa, com hábitos alimentares saudáveis desde a infância. “Isso inclui o consumo de alimentos naturais, evitar ultraprocessados, incentivar a prática de atividade física regular, manter horários para as refeições e promover o sono adequado. Também é importante limitar o tempo de tela e trabalhar o relacionamento saudável com a comida, evitando dietas restritivas ou comentários negativos sobre o corpo, que podem gerar transtornos alimentares.”
O nutricionista tem papel fundamental tanto na prevenção quanto no tratamento da obesidade. Kikuchi explica que o profissional orienta a alimentação de forma individualizada, respeitando as necessidades e o contexto familiar e social do adolescente. “No caso da bariátrica, o nutricionista é peça-chave antes e após a cirurgia, garantindo que o paciente receba os nutrientes necessários, evite deficiências e aprenda a ter uma relação mais equilibrada com a comida”. Além disso, o nutricionista também atua na educação alimentar e no apoio emocional, trabalhando junto com outros profissionais da saúde.
“É importante lembrar que a obesidade é uma condição multifatorial e não é causada apenas pela alimentação ou sedentarismo. Questões emocionais, hormonais, genéticas e sociais também estão envolvidas”. A nutricionista recomenda que qualquer tratamento, inclusive a cirurgia bariátrica, deve ser feito com uma abordagem integrada, empática e baseada em evidências. “E, acima de tudo, devemos combater o estigma da obesidade: acolher e não julgar é o caminho para resultados duradouros”, finaliza.
indicações
Os pacientes com IMC entre 30 e 35 poderão fazer a cirurgia desde que tenham diabetes tipo 2, doença cardiovascular grave, doença renal crônica precoce em decorrência do diabetes tipo 2, apneia do sono grave, doença gordurosa hepática não alcoólica com fibrose, afecções com indicação de transplante, refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica ou osteoartrose grave. Não existe mais tempo mínimo de convivência com a doença.