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Sol, calor e bebida alcoólica formam o combo principal de blocos e festas de Carnaval. Porém, também é notável na temporada o aumento do consumo de entorpecentes ilícitos como maconha, lança-perfume, LSD, MDMA (ecstasy) e cocaína, dentre outros sintéticos muitas vezes consumidos com álcool.
As misturas podem potencializar os efeitos individuais de cada droga e também aumentam os riscos do consumo, segundo especialistas.
A proibição, contudo, nunca impediu que essas drogas ilícitas fossem consumidas no Brasil. Pesquisa Datafolha de 2023, por exemplo, mostrou que 1 em cada 5 brasileiros diz já ter usado maconha. Levantamento da Fiocruz divulgado em 2019 mostrou que, depois da maconha, a droga ilícita mais consumida no Brasil é a cocaína (3,1% dos entrevistados relataram ter usado a substância ao menos uma vez na vida).
Doutorando em Saúde Coletiva pela USP e coordenador do projeto de redução de danos ResPire, do Centro de Convivência É de Lei, Allan Gomes diz que é importante que os usuários de entorpecentes entendam a diferença entre drogas estimulantes (cocaína, cetamina e metanfetaminas), depressoras (álcool e ansiolíticos) e perturbadoras (LSD e cogumelos) antes de fazer qualquer mistura.
“[É importante] para entender melhor a redução dos danos. E ajuda a fazer um bom uso da substância no contexto em que ela será utilizada”, diz Gomes.
O especialista afirma que é perigoso tanto misturar um tipo com outro quanto consumir mais de uma substância da mesma classe. “No segundo caso, a principal atenção deve ser com a potencialização dos efeitos”, afirma.
Professor da faculdade de psicologia da UFRJ, Pedro Pires avalia que o consumo de entorpecentes, especialmente em momentos como o Carnaval, está relacionado ao desejo de acessar experiências geralmente impedidas em outros contextos. “Mas esta é uma forma de fazer isso de um jeito relativamente artificial”, pondera.
A capacidade de recuperação do organismo após o uso de drogas pode ser lenta, segundo Pires, principalmente quando há mistura de entorpecentes. Para ele, a melhor forma de se blindar contra efeitos adversos é conhecer as próprias condições médicas e entender a dimensão dos riscos.
Sintomas como tontura, sudorese intensa, desmaio e mudança na textura, coloração ou temperatura da pele são sinais graves de alerta após o consumo de drogas. Nesses casos a recomendação é procurar socorro imediato com equipes de saúde ou bombeiros.
Em meio ao calor extremo, também é essencial manter o organismo hidratado.4
“Tudo tem limite. A gente não precisa beber como se o mundo fosse acabar hoje. A gente pode beber, se hidratar, se alimentar, dar uma pausa, tomar um refrigerante, dar uma respirada”, diz Priscila Gadelha, psicóloga e cofundadora da ELRD (Escola Livre de Redução de Danos), que há anos faz ações no Carnaval do Recife, um dos maiores do país.
Uma das iniciativas de redução de danos do grupo é a divulgação de uma tabela com os potenciais perigos da combinação de drogas (abaixo).
Veja o que dizem especialistas sobre as misturas de drogas mais perigosas e potencialmente fatais, todas envolvendo o consumo de álcool.
Álcool e cocaína
A combinação forma no organismo um terceiro composto chamado cocaetileno -produzido quando o álcool e a cocaína são metabolizados juntos.
Esse composto traz riscos clínicos altos, segundo Pedro Starzynski Bacchi, psiquiatra coordenador do Programa da Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria da USP.
“São riscos cardiovasculares porque aumenta risco de pressão no miocárdio, então existe uma maior chance de mortalidade”, afirma.
Declínio cognitivo, mudança comportamental e lesão no fígado também podem ser causados pela combinação. “Você fica eufórico, desinibido. O álcool gera uma desinibição no comportamento, e a cocaína aumenta a impulsividade, com chance de a pessoa adotar comportamentos de risco sexual ou agressivo”, completa o especialista.
Ansiolíticos e álcool
Especialmente os diazepínicos -como clonazepam, diazepam, midazolam e alprazolam- combinados com álcool podem causar prejuízos neurocognitivos grandes, segundo Bacchi.
Dentre os efeitos prováveis da mistura estão lentidão nas respostas, atenção diminuída e riscos à memória. “A pessoa pode se comportar de formas diferentes do que ela se comportaria e não se recordar”, completa o psiquiatra.
Em casos extremos, a combinação pode levar à depressão respiratória, ou seja, a respiração fica lenta e ineficaz a ponto de colocar em risco a vida da pessoa.
De acordo com Gadelha, da ELRD, é altamente contraindicado misturar ansiolíticos com álcool. “O ansiolítico já é uma droga de efeito regular. Se usada associada ao uso do álcool, pode causar desde dissociação a mal súbito”, afirma.
Cetamina e álcool
A cetamina é um anestésico usado em ambiente hospitalar, mas que tem sido consumido como droga dissociativa. Geralmente é utilizado de maneira intranasal, no formato de pó. Dentre os riscos, pode causar efeitos neuropsiquiátricos agudos, como alteração da consciência, alucinações e comportamento irracional.
Combinada com o álcool, a cetamina tem seus efeitos potencializados. A mistura também pode levar à depressão respiratória, embora não seja comum.
A droga também produz efeitos gastrointestinais, como cólicas, e também pode causar “apagão”.
Lança-perfume e álcool
Há anos consumido largamente durante o Carnaval, o lança-perfume, ou loló, é uma das substâncias depressoras do sistema nervoso central. Provoca euforia e alterações da percepção sensorial, levando a sintomas como tontura.
Quando misturado com álcool, pode causar arritmia cardíaca. “Pode provocar ainda um evento que se chama morte súbita por inalantes, porque os efeitos são potencializados pelo álcool”, diz Bacchi.
Para Gadelha, esta é uma das misturas mais perigosas. “Loló é uma droga que dissocia muito, e o álcool também. É um cuidado que as pessoas precisam ter, porque essa mistura pode provocar desmaios.”