
O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação à Marinha do Brasil para que reserve vagas para pessoas negras em todos os processos seletivos dos cursos de ensino profissional marítimo oferecidos pelo Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (Ciaba), em Belém (PA). O documento, enviado nesta segunda-feira (7), pede que a medida seja aplicada imediatamente e incluída em todos os editais futuros.
Resposta do Ciaba e argumentação do MPF
Em fevereiro, o Ciaba havia informado ao MPF que a adoção de cotas exigiria uma análise técnica prévia pela Marinha, argumentando que os cursos não são para cargos públicos, mas sim para a formação de profissionais da Marinha Mercante (setor privado).
No entanto, o MPF rebateu que o Ciaba, como órgão público, deve seguir não apenas o princípio da legalidade, mas também o da juridicidade, que vincula a administração pública à Constituição Federal e aos tratados internacionais.
“A presença de negros na Marinha Mercante é essencial para a equidade racial, que deve ser promovida tanto no setor público quanto no privado”, destacaram os procuradores. “Ao assumir a formação de aquaviários, a Marinha deve garantir um mínimo de representatividade racial no mercado de trabalho.”
Base legal para as cotas
O MPF rejeitou o argumento de que não há lei específica exigindo cotas para a Marinha Mercante, citando:
- Constituição Federal (art. 3º), que prevê a redução das desigualdades e a promoção da igualdade racial;
- Convenções internacionais contra o racismo, das quais o Brasil é signatário;
- Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), que prevê ações afirmativas;
- Lei de Cotas em concursos públicos (12.990/2014), com 20% de vagas para negros;
- Decisões do STF que validaram cotas raciais em universidades e Forças Armadas;
- Sentença da Justiça Federal que determinou cotas em colégios militares.
Desproporção racial no Pará
O MPF destacou que o Pará tem a segunda maior população negra do país (69,9% pardos e 9,8% pretos, segundo o Censo 2022). “É contraditório que o Ciaba, localizado na Amazônia – onde a maioria da população é negra – ignore essa realidade em seus processos seletivos”, afirmou.
Contexto histórico: Racismo na Marinha
A recomendação também mencionou a Revolta da Chibata (1910), liderada por João Cândido, quando marinheiros negros se rebelaram contra os castigos físicos e o racismo na Marinha.
“A Revolta da Chibata mostra que, mesmo após a abolição, persistiam resquícios de subjugação racial na Marinha. Se a instituição não tem uma dívida histórica, deve ao menos adotar uma postura proativa contra o racismo”, reforçou o MPF.
O que é uma recomendação do MPF?
A recomendação é um instrumento usado pelo MPF para orientar órgãos públicos a adotarem medidas em prol dos direitos sociais. Embora não seja uma ordem judicial, descumprir o documento pode levar a ações judiciais.
O que vem agora? A Marinha deve se manifestar sobre a adoção (ou não) das cotas. Caso ignore a recomendação, o MPF pode recorrer à Justiça.