A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) reformou decisão anterior e reconheceu vínculo empregatício entre uma cuidadora “folguista” e as filhas de uma idosa que recebia seus cuidados. A profissional prestou serviços de 15 de agosto de 2019 até o falecimento da paciente, em 20 de agosto de 2023.
O colegiado entendeu que a prestação de serviços se pautava pelo cumprimento de horário, subordinação e continuidade, com prestação de assistência residencial mais de dois dias por semana, conforme estabelece a Lei Complementar nº 150/2015, que trata do trabalho doméstico. A desembargadora-relatora Elza Eiko Mizuno destacou que os registros de escala de trabalho, as transferências bancárias e mensagens de WhatsApp (principalmente de quinta a domingo) comprovam essa rotina regular.
Além disso, a magistrada ressaltou que, embora o pedido formal de reconhecimento de vínculo não constasse expressamente na petição inicial, ele estava implícito no contexto da ação — alinhado a precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que admitiram demandas semelhantes.
Agora, com o vínculo reconhecido, o processo retorna à vara de origem para que sejam analisados os efeitos desse reconhecimento, como direitos trabalhistas decorrentes da relação empregatícia
Caracterização do vínculo e a realidade dos fatos
Para a advogada trabalhista Samila Gusmão, a decisão do TRT-2 reforça que a caracterização do vínculo no trabalho doméstico depende da realidade dos fatos, como frequência, subordinação e continuidade — nos termos do artigo 1º da Lei Complementar 150/2015. “No caso analisado, a cuidadora atuava de quinta a domingo, recebia por transferência bancária e seguia orientações diretas das contratantes, o que evidencia uma relação empregatícia formal”, explica.
Um ponto relevante foi o reconhecimento de que o trabalho doméstico não é prestado exclusivamente à pessoa que reside no imóvel, mas ao núcleo familiar. “Isso é importante para situações em que filhos ou parentes coordenam e contratam os serviços, podendo responder solidariamente como empregadores”.
Implicações e direitos das cuidadoras
Muitos ainda acreditam que o vínculo pode ser evitado com contratações informais, mas é dever legal registrar em carteira toda relação com mais de dois dias semanais de trabalho. “Do lado das trabalhadoras — majoritariamente mulheres negras — é fundamental guardar provas como mensagens, comprovantes de pagamento e escalas, para resguardar seus direitos”, alerta a advogada trabalhista.
O caso revela uma realidade invisibilizada de cuidadoras tratadas como “folguistas” ou “diaristas”, quando na prática exercem funções contínuas e subordinadas.
“Reconhecer esses vínculos é essencial para combater a precarização, garantir proteção social e fortalecer o acesso à justiça para essa categoria historicamente marginalizada”, pontua.