Círio de Nazaré

Basílica Santuário: um marco do Círio e da história de Belém

Belém, Pará, Brasil. Cidade. Para além do mês de outubro, a devoção à Nossa Senhora de Nazaré é vivenciada por muitos fiéis ao longo de todo o ano. 19/09/2022. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Belém, Pará, Brasil. Cidade. Para além do mês de outubro, a devoção à Nossa Senhora de Nazaré é vivenciada por muitos fiéis ao longo de todo o ano. 19/09/2022. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Basílica Catedral. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Cintia Magno

Instalada no entorno do que, em meados de 1700, era o igarapé Murutucu, a igreja dedicada a Nossa Senhora de Nazaré passou por várias transformações até que chegasse à bela construção de 20 metros de altura. A primeira edificação do que depois viria a se tornar a atual Basílica Santuário de Nazaré era uma pequena ermida de palha, construída para ser a morada da Virgem de Nazaré na Amazônia.

O historiador e professor da faculdade de história da Universidade Federal do Pará (UFPA), Marcio Couto, lembra que a igreja que hoje é chamada de Santuário de Nazaré foi antecedida por outras três construções e que ficavam ao lado do atual templo. O que se conta é que a Igreja foi erguida no entorno de onde Plácido teria encontrado a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, dando início à devoção nazarena na Amazônia. De qualquer modo, não se sabe exatamente onde teria sido este ponto. “A igreja não está exatamente no ponto do achado, até porque não se sabe exatamente onde ficava esse ponto onde Plácido teria encontrado a imagem. Já ouvi relatos do professore Heraldo Maués, que é antropólogo da UFPA, dizendo que a imagem teria sido encontrada onde hoje existe uma loja da McDonald’s, do outro lado da travessa 14 de Março”, aponta. “Então, não existe um ponto exato onde ela teria sido encontrada, mas foi nessas proximidades. O mito reforça essa ideia de que a Igreja foi construída no local onde o Plácido teria encontrado a imagem, daí o seu sentido mais profundo”.

Em meados de 1700, o local que hoje é ocupado pela avenida Nazaré era chamado de Estrada do Maranhão, uma estrada pela qual passavam muitos caminhantes, muitos colonos que seguiam esse percurso entre Belém e São Luís, no Maranhão. “O que se diz é que o caboclo Plácido teria encontrado a imagem por volta de 1700 e construiu uma pequena igreja, uma pequena ermida, como se chamava antigamente, para abrigar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré”, aponta o historiador. “Depois, entre 1730 e 1774, se construiu outra ermida e foi dela que saiu o primeiro Círio, se a gente considerar que o primeiro Círio ocorreu em 1793. A terceira ermida foi construída entre 1852 e 1881, aí já era uma igreja em alvenaria. É essa igreja que, hoje, serve de Barraca da Santa e Casa dos Padres, ao lado do atual Santuário de Nazaré”.

O professor relata que, até esse momento, o Círio era administrado pela Irmandade de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro e que a documentação do século XIX mostra uma grande disputa pela posse dessa igreja em alvenaria. “A Irmandade de Nazaré se sentia proprietária da igreja e da devoção e o bispo da época, que era Dom Macêdo Costa, dizia que não, que a igreja e a devoção eram da Igreja Católica. Isso foi resolvido, de fato, depois, com a intervenção do Governo do Estado, que na época era a Província do Estado do Pará, passando a posse da Igreja de Nazaré para a Igreja Católica”.

Basílica Catedral. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

REPRODUÇÃO

Já no século XX, em 1905, os Padres Barnabitas começaram a administrar a Igreja de Nazaré. O historiador Marcio Couto explica que, nesse período, um padre chamado Luiz Zoia propôs que se construísse uma reprodução, em escala menor, da Basílica de São Paulo, que fica em Roma, na Itália. “Assim foi feito e em 1909 o bispo Dom Santino Coutinho colocou a pedra fundamental dessa igreja atual, hoje chamada de Santuário de Nazaré. Então, essa igreja atual, que é suntuosa, foi construída nas primeiras décadas do século XX”, contextualiza, ao apontar que outro padre, o padre Barnabita Afonso Di Giorgio, é considerado o embelezador da Basílica de Nazaré, tendo ele feito pedidos de doações para os devotos para decorar a igreja. “Uma coisa que me chama muita atenção como historiador é que essa igreja atual de Nazaré foi construída basicamente em um período em que a historiografia defende a ideia de que houve um grande declínio da economia da Amazônia, o chamado declínio da economia da borracha, o que até contradiz, de algum modo, a ideia de que a economia ficou estagnada, que não havia dinheiro circulando. A construção da Igreja de Nazaré mostra o contrário porque foi possível construir uma igreja tão bonita e suntuosa mesmo em um período de crise. Por um lado, isso mostra que havia dinheiro circulante e, por outro, mostra a força que a devoção a Nossa Senhora de Nazaré tinha na região a tal ponto de permitir que se construísse uma igreja como ela”.

A igreja atual, portanto, é o quarto templo erguido para abrigar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré e é marcada por uma extensa riqueza arquitetônica, marcada pelo trabalho de arquitetos italianos, tanto nos esboços, quanto nos desenhos. “Ela tem uma coleção de 23 mosaicos que conta as principais passagens da vida de Nossa Senhora. No interior da Basílica tem também um conjunto de vitrais que conta a própria história da devoção de Nazaré aqui na Amazônia, fora obras de arte, pinturas”, aponta o professor. “Alguns vitrais têm os nomes das famílias que fizeram doações, outra coisa muito curiosa porque era uma forma de eternizar o nome das famílias e associar o nome delas à própria devoção a Nossa Senhora de Nazaré. Então, de fato, é uma igreja muito rica do ponto de vista arquitetônico e da arte religiosa”.

Para além disso, a Basílica de Nazaré também representa um marco importante para o próprio crescimento e urbanização da cidade de Belém, como aponta Marcio Couto. “A documentação do século XIX, que é o período que eu mais pesquiso, vai mostrando como aquela região no entorno da igreja foi se valorizando ao longo do tempo, como o fato de a avenida Nazaré receber a passagem da santa na Trasladação e no Círio, como o fato de a avenida Nazaré abrigar a casa de Nossa Senhora de Nazaré na Amazônia fez com que os terrenos ao redor fossem sendo muito valorizados”, relaciona. “É muito comum a gente ver nos jornais antigos ofertas de pessoas alugando casas, alugando barracas, ofertas de terrenos e o elemento agregador era sempre a referência à devoção a Nazaré ou à Igreja de Nazaré”.

Outros elementos presentes nas documentações históricas dizem respeito à abertura de estradas no entorno da igreja e, ainda, à própria consolidação do turismo em Belém. “A gente vê desde as primeiras décadas do século XX propagandas turísticas, especialmente na época do Círio, convidando pessoas de fora ou registrando a presença de turistas na nossa região. Então, a Igreja de Nazaré é um dos principais marcos da cultura visual da cidade de Belém e, ao mesmo tempo, expressa essa devoção de mais de 200 anos”.