Tão tradicional quanto o Pato no Tucupi, a Maniçoba reina na ceia do Círio de Nazaré. Degustar o prato é como fazer uma volta ao passado e reconhecer nisso uma fonte de conhecimento da cultura alimentar amazônica.
“Maniçoba é uma palavra da língua Tupi ‘mandi’sowa’, que significa folha da mandioca. É uma comida tradicional que atravessa gerações e permanece até hoje como um prato especial e um dos patrimônios gastronômicos, afetivos e culturais do estado do Pará”, pontua o Chef Wagner Vieira, do Instituto Toró Gastronomia Sustentável. “Entretanto, a maniçoba não é apenas do Pará, na Bahia, também tem, com suas especificidades”, enfatiza.
Segundo Vieira, a maniçoba no Pará representa uma singularidade, mas de origem plural, inter e multicultural. “É uma comida construída fazendo uso de sabores e técnicas ancestrais dos nossos povos originários, mas aos poucos foi incorporado ingredientes e conhecimentos africanos, portugueses, espanhóis e tantos outros grupos que por aqui passaram, tornando-a uma comida mestiça, que na gastronomia chamamos de gastronomia de fusão”.
Preparar a comida consiste em sentir o prazer – da escolha da maniva ao ato de servi-la. “Quem a prepara reconhece o seu valor simbólico, ritualístico, que agrega saber imaterial e não é simplesmente seguir uma receita”, diz o chef. “É o saber tradicional que guarda o segredo, o tempero que nos indica a rota do sabor que percorre a ancestralidade”.
INGREDIENTES
Maniçoba é uma iguaria preparada com as folhas da mandioca (Manihot esculenta Crantz) que após trituradas ou moídas a denominamos por maniva, acrescidas de carne suína e bovina, temperadas com alho, sal, louro e pimenta.
O seu preparo consiste inicialmente do cozimento do principal ingrediente – a maniva – que pelas tantas horas no fogo anuncia a chegada de alguma celebração simplesmente pelo cheiro de erva cozida durante dias antes de ir pra mesa do paraense. O cozimento da folha é fundamental para eliminar o risco de envenenamento pela planta.
“O princípio tóxico da planta é o ácido cianídrico (HCN), sua ingestão ou mesmo inalação, representa sério perigo à saúde, podendo ocorrer casos extremos de envenenamento. Considera-se que a dose letal é de aproximadamente 10 mg de HCN por kg de peso vivo”, dita a Instrução Normativa nº 1 de 06 de maio de 2016 da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará.
“É preciso amor, disposição, paciência e muito zelo por parte do cozinheiro, para que o prato típico comece a ficar pronto. Para obtenção da maniva pré-cozida, a instrução normativa da Adepará preconiza o cozimento da mesma por um tempo mínimo de 50 horas, a uma temperatura de 100 ºC (pode alcançar 7 dias de cozimento de 7 a 8 hs/dia). Esse tempo serve para eliminar a toxicidade das folhas cruas pelo veneno cianeto (ácido cianídrico) para atingir a segurança de consumo do produto. Mas, ainda que se alcance esse tempo mínimo, o indicado é que a maniçoba fique mais algumas horas no fogo, para apurar o sabor e permitir o acréscimo de condimentos”, cita Wagner Vieira.
“Desta forma, o tempo de cozimento influencia diretamente na percepção sensorial/e organoléticas da maniçoba (cheiro, sabor, cor…). Assim, após a adição dos ingredientes, a continuação do cozimento é importante para a eliminação do sabor característico de folhas verdes e melhoria da palatabilidade, digestibilidade e o desenvolvimento do sabor característico da maniçoba”.
Durante o cozimento, é adicionado temperos e carnes suínas e bovinas. A essa altura, a maniva já perdeu o verde original das folhas e ganhou tons enegrecidos e assim se transcorre o processo de cozimento transformando-se a maniva em maniçoba. “É importante frisar que uma maniçoba deve, de fato, ficar negrinha, negrinha,
sinal de um bom
cozimento, onde se extraiu o veneno, além do que o sabor e aroma torna-se simplesmente o luxo do luxo. O preparo da maniçoba é um ritual que envolve toda a família, e há quem diga que quanto mais demorado for o processo, mais saborosa a maniçoba será. O tempo, literalmente tempera o sabor desta comida que ocupa todos os lugares – é comida de rua durante o ano inteiro e imponente nos banquetes dos almoços em família, tal como ocorre no almoço do Círio de Nazaré, onde nas primeiras décadas do século XX já era comida típica da Festa de Nossa
wSenhora de Nazaré”.
COMO SE SERVE
A maniçoba costuma ser servida com arroz branco, farinha de mandioca e molho de tucupi com pimenta de cheiro. Reza a tradição ainda que o quitute venha à mesa em vasilhas de barro ou em louças. Servidos?