TRASLADAÇÃO

CÍRIO 2024: A procissão que ilumina as noites de Belém

A Trasladação é o mais antigo cortejo do Círio de Nazaré e vem ganhando a preferência dos romeiros que querem ficar próximos de Nossa Senhora

Trasladação do Círio de Nazaré 2023. Foto - Wagner santana/Diário do Pará.
Trasladação do Círio de Nazaré 2023. Foto - Wagner santana/Diário do Pará.

A Trasladação é a mais antiga e mais tradicional procissão do Círio de Nazaré. Iniciada na véspera da grande procissão mariana, a romaria espelha os elementos da maior manifestação religiosa do Brasil e uma das maiores do mundo, realizada sempre no sábado à noite. Criada no final do século XVIII, a Trasladação percorre o caminho inverso ao Círio e representa a condução da Mãe ao retorno aos braços dos paraenses.

A origem da Trasladação remonta ao dia 7 de setembro de 1793. Na véspera da realização do primeiro Círio de Nazaré, o então governador da província do Grão-Pará, Francisco de Sousa Coutinho, criador das procissões, saiu do antigo Palácio do Governo, onde morava, para buscar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré na antiga ermida de Plácido, onde hoje está localizada a Basílica Santuário. No sábado à noite, ele caminhou acompanhado por pessoas segurando grandes velas de cera, chamadas Círio, no intuito de transportar a pequena imagem até a capela do palácio, de onde o Círio saiu pela primeira vez na manhã seguinte.

“A Trasladação reflete a evolução do Círio de Nazaré. De acordo como vão surgindo os elementos do Círio, eles passaram a ser incorporados também na procissão noturna. Existem diversas tentativas de fazer dela uma procissão luminosa, com a presença das velas, mas o calor da nossa região torna isso inviável. Ela é também a procissão que mais cresce em número de participantes em relação às outras que fazem parte do Círio”, explica o historiador Márcio Neco.

Tradicionalmente, a Trasladação realiza o percurso inverso ao do Círio. Após a celebração da missa no Colégio Gentil Bittencourt, a procissão toma as ruas de Belém em direção a Catedral da Sé. No entanto, o trajeto nem sempre foi esse. Até a década de 1980, a procissão saía da frente do colégio, mas, ao invés de seguir pela avenida Nazaré, entrava na travessa 14 de março até a avenida José Malcher, principal rua do percurso até o destino final. Foi a partir de 1988 que a Trasladação passou a ter o mesmo trajeto do Círio em sentido inverso.

Além do horário e do dia, a Trasladação carrega outras diferenças em relação ao Círio. Uma delas diz respeito ao público. Apesar de ter sido muito frequentada por idosos, devido ao número reduzido de romeiros em comparação ao Círio, atualmente, a procissão tem um perfil muito mais jovem, que fazem da romaria um espaço de pagamento de promessas, especialmente por universitários. Por ser realizada à noite, a romaria também proporciona grande show pirotécnico, além de carregar um costume popular de espera da chegada da Santa na Praça Frei Caetano Brandão, onde os fiéis ficam em vigília.

“É a procissão que mais cresce em relação às outras. Muitas pessoas optam por ir por questões de bem-estar devido ao calor que faz durante o dia, ou então para providenciar almoço do outro dia. Até certo tempo, a procissão era tida para os idosos, mas hoje vemos um grande número de jovens que tem na Trasladação o local para pagar as promessas de vestibular. A procissão ainda permite, com a tecnologia, a questão das homenagens com luzes e fogos de artifício e as pessoas optam por apreciar tudo isso”, reflete o especialista.

Assim como no Círio, a procissão de sábado também já passou por momentos inusitados, que, inclusive, influenciaram no andamento da grande romaria de domingo. Em 2005, a Trasladação foi uma das mais longas dos últimos anos. Realizada em seis horas de trajeto, a romaria chegou à Catedral da Sé por volta de 00h, já na madrugada do sábado par ao domingo de Círio. “Já tiveram algumas ocorrências de atraso na procissão. Aquele Círio que chegava bem tarde, em simultâneo tinha uma Trasladação que acabava muito tarde. Teve um ano que a santa chegou duas horas da manhã na Sé e os atrasos estão sempre relacionados à questão da corda”, relata o especialista.

Foto – Wagner santana/Diário do Pará.

CAPELA

A capela do Palácio do Governo, atual palácio Lauro Sodré, tem papel central na história do Círio de Nazaré. A construção do prédio como edificação que temos hoje se deu a partir de 1759, através do projeto do famoso arquiteto Antônio Landi. Porém, a antiga edificação, construída entre 1676 e 1680, em dois pavimentos de taipa-de-pilão, já abrigava um oratório desde o erguimento, chamado de “capela da residência”. A presença da capela era costume nas residências de famílias ricas e, nesse caso, servia como um pequeno templo particular dos governadores.

“Logo em 1793, Francisco de Sousa Coutinho resolveu fazer a promessa de levar a imagem para a capela da sua residência. Na época, era muito comum capelas, oratórios particulares nos grandes palacetes. Não eram paróquias, igrejas públicas, mas espaços de devoção particular. Nós vamos ter também a Capela Pombo, tínhamos um oratório na cadeia pública, de Santa Rita de Cássia, considerado um dos mais lindos. Nós tínhamos uma capela no próprio Engenho do Murutucu. Temos poucos registros sobre a capela do Palácio, mas podemos arriscar que ela era dedicada à Nossa Senhora da Conceição”, aponta o historiador.

No sábado, a imagem ficava guardada nas dependências da capela do Palácio do Governo, de onde saía no dia seguinte para a grande procissão de domingo. Na ocasião em que antecedia o Círio, realizado sempre à tarde, havia um ato religioso com a presença do poder clerical, militares e representantes da Coroa Portuguesa. À medida que a procissão saía da capela, os sinos da catedral tocavam ao mesmo tempo que 21 tiros de canhão eram disparados no Forte do Castelo, segundo Márcio Neco.

A relação do oratório com o Círio ainda carrega um aspecto místico. Fiéis acreditavam que transportando a imagem da ermida de Nazaré à capela, ela voltaria para o local de origem, assim como aconteceu com Plácido anos antes. “Na Amazônia daquela época já se tinha conhecimento sobre sumiços milagrosos de imagens. Então, em torno daquela capela vai surgir uma lenda de que a imagem vai sumir, desaparecer. Apesar disso, o sumiço da capela não tem comprovação histórica”, finaliza o professor.