Cuidadosamente fixados nas entradas dos mais diferentes imóveis, os cartazes do Círio não apenas anunciam a chegada de mais uma procissão, mas, sobretudo, se configuram como elemento de demonstração da devoção a Nossa Senhora de Nazaré. Renovados a cada ano, os cartazes datam de muitos anos e, ao longo do tempo, passaram por grandes transformações que podem ser observadas, por exemplo, no acervo do Museu do Círio, espaço que integra o Sistema Integrado de Museus do Estado do Pará.
O acervo museológico do Museu do Círio reúne exemplares dessas peças documentais ao longo de três séculos XIX, XX, XXI. Em cada uma dessas fases, se observa uma característica particular das peças. O pesquisador e curador das exposições do Museu do Círio, Anselmo Paes, aponta que o cartaz mais antigo já registrado não é brasileiro. É um cartaz de 1855, de origem portuguesa. Porém, o cartaz mais antigo que se tem registro material em Belém é o cartaz de 1878, que está no acervo do Museu do Círio. “O ano de 1878 já é uma data com muito significado porque é a data do Círio Civil, que foi um momento de tensão entre o sacerdócio, a hierarquia da igreja e as irmandades e a população de Belém”, explica o pesquisador.
“Então, nesse momento havia uma tensão muito grande e a Igreja se recusou a participar do Círio por conta de algumas acusações sobre comportamentos indecorosos que estariam acontecendo no espaço do Arraial, que também era um espaço de apresentações artísticas, teatro e por isso ela decidiu não ter Círio, em protesto. Mas a população, revoltada, invadiu a igreja, retirou a santa e fez o que se chamou-se de Círio civil”.
É dentro deste contexto que está o cartaz mais antigo que integra o acervo do Museu do Círio, o cartaz do Círio Civil de 1878. “Isso já torna esse cartaz um documento único e ele traz alguns elementos que nós não encontramos nos cartazes atuais. Esse cartaz, especificamente, traz a imagem de Nossa Senhora de Nazaré sentada, o que não é uma característica da imagem de Nossa Senhora Nazaré em Belém”, aponta. “A imagem dela é sentada e você pode perceber que o menino Jesus está com a mão sobre o seio de Nossa Senhora”.
Anselmo destaca que essa é uma característica que talvez remeta à imagem original de Nossa Senhora de Nazaré em Portugal, em que Maria é representada sentada e ela está amamentando o Menino Jesus. “Nós notamos que a imagem de Belém, achada por Plácido, é uma imagem com ela em pé, com menino Jesus no colo dela. Então, já temos uma diferença nesse cartaz, uma maior influência do imaginário sacro português no século XIX. Já em outro cartaz que é do ano de 1926, no século XX, nós temos uma já uma aproximação maior com a imagem de Belém”.
O pesquisador considera que, ao analisar o acervo de cartazes do museu, é possível constatar que esse elemento muito ao longo do tempo. Anselmo avalia que o cartaz inicia muito próximo das imagens sacras de devoção e, aos poucos, ele vai se tornando, de fato, um elemento de comunicação.
“Na década de 90 ele começa a ser produzido por uma agência específica de publicidade, uma agência voluntária, e o cartaz vai ganhar uma profissionalização no sentido de uma linguagem moderna, contemporânea. Então, a década de 90 é importante para nós registrarmos uma mudança no caráter dos cartazes”, considera.
Anselmo considera que o cartaz atual apresenta muito fortemente esse elemento de anúncio da procissão, inclusive por fazer parte do ritual de abertura do Círio. Hoje, o cartaz é uma das primeiras apresentações públicas do tema do Círio de cada ano. Há uma apresentação pública do cartaz que abre, de certa forma, um período de reflexão sobre o Ciro que vai acontecer.
“Então, essa perspectiva publicitária está presente no cartaz, mas ela se confunde nos primeiros cartazes com o elemento mais devocional. É uma imagem sacra, não é um cartaz de uma loja, não é um cartaz de um estabelecimento industrial, de um produto. Esse produto é um produto da espiritualidade, então, ele não tem o mesmo caráter dos cartazes como se aprende, por exemplo, no curso de publicidade, no curso de Comunicação Social. Ele tem um elemento a mais, tanto que ele é apropriado pelo devoto de uma maneira diferente do que nós cuidaríamos de um cartaz que seria simplesmente um calendário”, reflete.
“Nós temos uma devoção especial e, inclusive, muitas vezes com a manutenção dele. O cartaz já perdeu sua data, ele já não é mais atual, mas ele continua ali porque ele tem um aspecto de sagrado. Isso realmente é uma diferença do cartaz do Círio para qualquer outro cartaz que nós conhecemos”.
Curiosidades cartazes
Século XIX, ano 1878
O mais antigo cartaz no acervo do Museu do Círio é o de 1878. Ele apresenta a imagem de Nossa Senhora de Nazaré centralizada e emoldurada por anjos e representações dos milagres como o de Dom Fuaz Roupinho e o milagre do salvamento dos náufragos do brigue São João Batista, episódios que remetem ao início da devoção à Nossa Senhora de Nazaré.
Século XX, ano 1926
No cartaz do ano de 1926, no século XX, se observa uma maior aproximação da representação de Nossa Senhora de Nazaré com a imagem que foi encontrada por Plácido em Belém, onde a Virgem Maria é representada de pé e com o Menino Jesus no colo.
Século XX, ano 1992
Na década de 90 do século XX o cartaz do Círio começa a ser produzido por uma agência específica de publicidade. Com isso, o cartaz ganha uma profissionalização, fazendo uso de uma linguagem mais contemporânea.
Século XXI, ano 2024
O cartaz segue sendo um elemento importante de divulgação do Círio de Nazaré, sendo um dos primeiros elementos a ser divulgado publicamente pela Diretoria da Festa de Nazaré, mas sem perder o seu caráter religioso e de devoção a Nossa Senhora de Nazaré.
Fonte: Com informações do Museu do Círio.