Grande Belém

Abandono e história: como é morar no mais novo e o mais antigo bairro de Belém

O bairro mais antigo, a Cidade Velha, resguarda a história de surgimento da capital paraense. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.
O bairro mais antigo, a Cidade Velha, resguarda a história de surgimento da capital paraense. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Pryscila Soares

A organização urbana das cidades requer um grande planejamento por parte da administração pública. Um dos principais pilares desse processo é a criação dos bairros, que são áreas geograficamente delimitadas, onde um grupo de pessoas reside e interage em comunidade. Neste contexto, cada bairro resguarda cultura, características e costumes próprios, inerentes àquele ambiente em comum.

Em Belém, o mais novo bairro que se tem notícia foi criado por meio da Lei nº 13.740, de 24 de abril de 2019. Trata-se do bairro Antônio Lemos, que, de acordo com a legislação, é constituído de áreas desmembradas dos bairros Maracacuera e Águas Negras, que integram o distrito de Icoaraci.

Para o historiador e professor Michel Pinho, a partir da definição do bairro, é possível melhorar o planejamento de ações, não só com relação à educação e saneamento básico, como também ações de segurança e iluminação pública, por exemplo. “Um novo bairro necessita de articulação política entre os cidadãos que estão nele. Necessidade de criação de praças, asfaltamento das ruas, zoneamento. Um bairro novo possibilita também a criação de novas lideranças”, pontua.

Entre os fatores que levam à criação de novos bairros está o crescimento dos espaços, conforme explica o historiador. “A segunda légua patrimonial de Belém, que vai do bairro do Marco em direção a Outeiro e Mosqueiro, e confluência com Ananindeua, são territórios multimétricos que precisam ser reajustados e repensados. A criação do bairro Antônio Lemos talvez tenha seguido nessa direção”, disse Pinho.

 

ANTÔNIO LEMOS

Apesar deste novo bairro ter sido criado em 2019, de forma geral, os moradores da área desconhecem esta informação. Alguns sequer ouviram falar da mudança. Outros não sabem que a criação do bairro já foi homologada. Eles não sabem onde começa e onde de fato termina o novo bairro de Icoaraci. Não há placas de identificação nem correspondências que informem sobre a mudança.

Em Belém, o mais novo bairro que se tem notícia foi criado por meio da Lei nº 13.740, de 24 de abril de 2019. Trata-se do bairro Antônio Lemos. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

De acordo com Michel Pinho, a junção de novos bairros possibilita a criação de novas escolas, postos de saúde e uma infraestrutura melhor para aquela área da cidade. Mas, na prática, para os moradores, até o momento não houve mudanças com relação à infraestrutura do novo bairro, apesar de estar muito próximo do grande centro comercial de Icoaraci, que abriga pequenos e grandes comércios, feira, escolas, igrejas e até mesmo o Hospital Regional Dr. Abelardo Santos, localizado no bairro da Agulha.

“Não há uma característica específica em relação àquele espaço da cidade, mas existem características mais gerais desta segunda légua patrimonial, como a necessidade de espaço público de lazer, uma necessidade maior de mobilidade urbana para chegar ao centro ou escolas e serviços sociais que a comunidade precisa. Você precisa também dotar a região de segurança pública”, informa Michel Pinho.

 

EXPECTATIVA

A expectativa dos moradores é de que essas mudanças se tornem efetivas naquela área de Icoaraci. A atendente Rosiane Silva, 47, mora há 37 anos na passagem Oscarina Darc, que consta na legislação como parte integrante do novo bairro.

“Para mim continua sendo parte do bairro Águas Negras. Inclusive as correspondências vêm como Águas Negras. Os moradores não foram comunicados sobre isso. Se for perguntar, ninguém sabe”, diz. “Quando chove, isso aqui vira um rio. O saneamento é péssimo. Tem um posto de saúde no Parque Santa Paula que deixa muito a desejar. A gente vai lá tentar dar entrada num documento para uma consulta e não consegue”, afirma.

Já o padeiro e comerciante Lúcio Navegantes, 51, que mora há 50 anos no bairro, conta que houve um crescimento de empreendimentos ao redor da área, a exemplo de empreendimentos do PAC e um residencial de uma empresa privada, cuja entrada é pela Avenida Augusto Montenegro. Ele acredita que essa expansão de moradias pode ter motivado a criação de um novo bairro, abrangendo a área. Porém, ele não observa nenhuma melhoria com a mudança.

“Não sei se já foi aprovado o projeto. A gente recebe tudo (correspondências) como Águas Negras ainda. Como morador, não vejo grandes vantagens, porque estamos longe de receber melhorias. O bairro Águas Negras não tem uma praça para as crianças, não tem uma creche boa, só tem uma, mas não suporta toda a demanda dos moradores. Os principais problemas são saneamento básico e asfalto. Nem todas as ruas são asfaltadas”, reclama.

 

CIDADE VELHA

Enquanto o mais novo bairro, o Antônio Lemos, sofre com a falta de infraestrutura, o bairro mais antigo, a Cidade Velha, resguarda a história de surgimento da capital paraense. É considerado o berço de criação da cidade. Boa parte dos mais importantes monumentos de Belém estão ali. O bairro abriga incontáveis casarões antigos, bem como um dos principais pontos turísticos da cidade: o Complexo Feliz Lusitânia, composto pelo Forte do Castelo, a Praça Dom Frei Caetano, Casa das Onze Janelas, Museu de Arte Sacra na Igreja de Santo Alexandre, além da Catedral Metropolitana de Belém e a icônica Rua Siqueira Mendes.

Belém começou a partir da Cidade Velha. Foto: Celso Rodrigues/ Diário do Pará.

“É o bairro mais antigo do município de Belém, que nasce em 1616. Tem características únicas, por exemplo, o arruamento, a formação das ruas estreitas, a definição das igrejas mais antigas da cidade, que estão ligadas com as ordens religiosas, os largos, como é o Largo da Sé e o Largo do Carmo, a relação do espaço com o poder”, detalha Michel Pinho. “Lá estão o antigo Palácio de Governadores, a prefeitura de Belém e o espaço judiciário. Se de um lado o bairro da Cidade Velha tem toda uma infraestrutura de poder, de segurança pública e, também, de organização urbana, me parece que o bairro Antônio Lemos ainda precisa construir essa relação”, destaca o historiador.

A riqueza histórica e a infraestrutura proporcionada pelo bairro estão entre os pontos considerados pelos comerciantes que estabeleceram negócios na área. É o caso de Valdo Torreão, 63, proprietário de um restaurante na Avenida 16 de Novembro. Ele iniciou o empreendimento há três anos, em plena pandemia da covid-19.

“Escolhi montar o restaurante aqui primeiro pelo histórico do bairro. Como moro perto, sempre circulei por aqui. Apareceu essa oportunidade e a gente inaugurou em plena pandemia. Foi muito complicado. Agora a gente consegue respirar um pouco”, conta.

“Nunca tivemos problema de assalto, essas coisas. No almoço, quase 80% (da clientela) é o pessoal do funcionalismo público, do Ministério Público, OAB, Justiça Militar, Polícia Civil”, cita, ao falar dos servidores dos órgãos que existem no bairro.

Proprietário de uma centenária padaria localizada na 16 de Novembro com a Rua Veiga Cabral, o comerciante Mario Oliveira, 50, conta que o pai dele adquiriu o empreendimento no ano de 1974 e anos depois ele assumiu o negócio. Mario mora próximo do local de trabalho e acompanhou toda a evolução do bairro. “Isso era uma panificadora antiga, veio para as mãos do meu pai em 1974. Se somar tudo, já tem uns 100 anos. Quando chegamos aqui, na Veiga Cabral não havia asfalto. Era de chão batido. Aqui (na 16 de Novembro) ainda havia trilhos do trem que passava. Tipo uma locomotiva que ia para o Ver-o-Peso. Tinha muito mato, muita poeira, muita lama. Foi melhorando com o tempo”, relata.

Apesar do crescimento no bairro, Mario sente falta da população que vivia nos antigos casarões da área. “Acho que está regredindo em matéria de população, porque tem muita casa desabitada por aqui. A área comercial expandiu e agora está meio parada com todas essas recessões. Tem muita casa abandonada. Vamos ver se melhora”, acrescenta.