Ana Célia Pinheiro
O empresário James Ferreira Pyles, diretor executivo da Estrutura Construções Civis Ltda, responde a processo criminal, na Justiça Federal, e a um pedido milionário de indenização, na Justiça Estadual, porque teria lesado dezenas de paraenses com o golpe da “compra premiada”, entre 2009 e 2012.
A Estrutura é a empresa que pretende construir o Forte Litoranium, um edifício de 22 andares, a 200 metros da praia do Atalaia, no município de Salinópolis. Ela foi a grande beneficiária de uma mudança na legislação, realizada em maio deste ano, pela Câmara Municipal e pelo prefeito de Salinópolis, Kaká Sena (PL).
A mudança aumentou de 9 para 65 metros a altura máxima dos edifícios, na área em que será construído o Forte Litoranium, um empreendimento de R$ 80 milhões. Enquanto isso, a Justiça não consegue localizar bens em nome de Pyles, para ressarcir as pessoas que teriam sido lesadas pela suposta.
Tudo o que encontrou foi um veículo e um apartamento, comprado, há anos, sob alienação fiduciária: ou seja, que continuará pertencendo ao banco até que seja quitado. Por causa da suposta fraude, o empresário chegou a ter decretada a prisão preventiva, em 2014. Pior: há indícios de que Pyles seria sócio oculto da Estrutura. E, pelo menos na internet, não há informações que expliquem a origem do dinheiro que a empresa vem investindo em empreendimentos imobiliários de luxo, em Salinópolis e na Ilha do Mosqueiro, em Belém.
Como você leu no DIÁRIO do último dia 12, o Procurador Geral de Justiça (PGJ) do Pará, César Mattar Jr, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as alterações legislativas que permitiriam a construção do Forte Litoranium, devido à possibilidade de graves prejuízos ambientais.
No entanto, tão ou mais instigantes que as manobras do prefeito e dos vereadores para viabilizar essa obra, às vésperas das eleições municipais do ano que vem, é a história de James Pyles e da Estrutura Construções. Em entrevista ao site Belém Negócios, em maio deste ano, Pyles informa que foi ele que fundou a empresa, em 2002. Diz que foi menino pobre e que trabalhou como feirante, em Belém. Mais tarde, começou a construir “pequenas propriedades”, até expandir o negócio para a construção de condomínios de luxo.
MPs Federal e Estadual acusam Pyles e sócios de criar negócio irregular
Mas os maiores rolos de James Pyles são os crimes que teria cometido com a sua “compra premiada”, o que, se condenado, poderá lhe custar vários anos de prisão. Segundo as denúncias, dos ministérios públicos Federal e Estadual, Pyles e mais dois sócios teriam montado, em vários municípios paraenses, um negócio semelhante a um consórcio, mas sem a autorização e a fiscalização do Banco Central, exigidas por lei. As pessoas pagavam prestações mensais para a aquisição de veículos.
Se fossem contempladas, em um dos três sorteios mensais, receberiam o veículo e não precisariam quitar o resto das prestações. Só que, além da falta de autorização legal para o negócio, as investigações também teriam descoberto que esses sorteios eram, muitas vezes, manipulados. Na verdade, dizem os MPs, o negócio era uma espécie de “pirâmide”: o dinheiro dos veículos eventualmente entregues vinha das prestações dos novos “consorciados”. Assim, bastaria a redução de novos “consorciados”, o que poderia ocorrer a qualquer momento, para o “desabamento” da “pirâmide”.
A suposta arapuca era realizada através da empresa Casa Melhor Comércio Ltda (CNPJ: 04.916.658/0001-07), aberta por Pyles e dois sócios, em 2002, com um capital social de R$ 100 mil (hoje, R$ 368.635,96). Ela ficava no bairro de Nova Marabá, no município de Marabá e a sua principal atividade era o comércio varejista de móveis. Mas também vendia materiais de construção, eletrodomésticos, suprimentos de informática, materiais elétricos e hidráulicos, por exemplo. Entre 2009 e 2011, a empresa abriu filiais nos municípios de Itupiranga, Parauapebas, Bragança, Capanema e Rondon do Pará.
Todas tinham como principal atividade a venda de veículos automotores, e também incorporaram a denominação “Compra Fácil Eletrocar” como nome de fantasia. Foi através dessa denominação, aliás, que a “Compra Premiada” de Pyles se tornou conhecida.
Em 01/12/2014, em decisão unânime, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) negaram o pedido de Habeas Corpus ajuizado por Pyles, contra a sua prisão preventiva.
Ela havia sido decretada pelo juiz de Itupiranga, a pedido do MP-PA, pelos supostos crimes de associação criminosa (artigo 288 do Código Penal/CP, com pena de até 3 anos de prisão); estelionato (artigo 171 do CP com pena de até 5 anos de reclusão); e de omissões ou afirmações falsas e enganosas e publicidade enganosa, previstos nos artigos 66 e 67 da Lei 8.078/90, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e combinados com a prática de crimes continuados (artigo 71 do CP). Para os desembargadores, a preventiva estava devidamente fundamentada “na necessidade de garantia à ordem pública e aplicação da lei penal”.
FARTAS PROVAS
Segundo o juiz de Itupiranga, havia fartas provas desses crimes, no processo. Pessoas informavam que a empresa sumira da cidade e que não conseguiam nem a restituição dos valores pagos, nem a entrega dos veículos. Os indícios de autoria também estariam demonstrados: Pyles, sócio majoritário da empresa, seria o “mentor intelectual das condutas suspeitas que deixaram inúmeros clientes sem os valores despendidos ou o produto prometido”, diz o acórdão 141308, das Câmaras Criminais Reunidas, citando o juiz. Na época, aliás, Pyles estaria desaparecido, há muito tempo, da cidade.
No entanto, tempos depois da decretação da prisão preventiva e do bloqueio dos bens do empresário, o juiz de Itupiranga enviou o caso para a Justiça Federal, já que os fatos envolveriam, também, crimes federais.
CONFLITO
Só que a Justiça Federal alegou que o caso seria de competência da Justiça Comum (Estadual), porque envolveria apenas lesão patrimonial de particulares. Criou-se, então, o chamado “conflito de competência”: a necessidade de saber quem é que deve ficar com um determinado processo, coisa que só pode ser decidida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A decisão saiu em 28 de agosto deste ano: é a 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Marabá quem levará o processo adiante. Isso porque ele envolve, também, supostos crimes contra o sistema financeiro, previstos nos artigos 4 e 5 da lei 7.492/86: gerir fraudulentamente instituição financeira (com pena de até 12 anos de prisão); e apropriar-se de dinheiro, título ou outro bem móvel, ou desviá-los em proveito alheio (com pena de até 6 anos de prisão).
PROBLEMAS JUDICIAIS E CONTAS IRREGULARES
- Segundo a Receita Federal, a Estrutura Construções (CNPJ: 04.939.956/0001-04) foi aberta em 20/02/2002 e funciona na avenida Hélio Gueiros, 6060 C, no bairro do 40 Horas, em Ananindeua. É uma EPP (Empresa de Pequeno Porte), o que significa um faturamento de R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões anuais. Seu capital social é de apenas R$ 1 milhão e está registrada em nome da empresária Tadira Nairy Monteiro Cardoso, que seria mãe da filha mais velha de Pyles.
- Até recentemente, o endereço registrado de Tadira era uma casa na Cidade Nova 5, em Ananindeua, onde também manteve, entre 2010 e 2014, uma empresa em nome individual, para serviços de bufê em eventos. Além disso, uma pessoa com nome idêntico ao dela aparece, no Diário Oficial de Ananindeua, de 02/08/2017, página 153, como candidata a um sorteio habitacional do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, destinado a famílias carentes.
- Já em nome de Pyles, o DIÁRIO localizou 13 empresas, a maioria com problemas judiciais e inaptas, devido à falta de declarações à Receita Federal. Com a inaptidão, as empresas estão impedidas até de realizar transações bancárias e emitir notas fiscais. Além delas, há 3 ONGs em que o empresário figura como presidente: a Associação Brasileira das Administradoras de Compra Premiada (Abracompre), sediada no estado do Maranhão, a Aliança Associados, sediada no mu
- nicípio de Marabá, e o Instituto Assistencial Ambientalista Brasileiro (Ambras). As duas primeiras inaptas, por falta de declarações à Receita; e a última, o Ambras, baixada por “omissão contumaz” e enrolada com a Justiça Federal.
- O Ambras (CNPJ: 03.355.446/0001-27) foi aberto em agosto de 1999, dedicava-se, em tese, à “defesa de direitos sociais” e ficava no edifício Village Executive, na Senador Lemos, em Belém. Pyles teria se tornado presidente do Ambras em julho de 2006. Em fevereiro do ano seguinte, a ONG obteve R$ 65.835,00 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), para “ações educativas complementares”, em Belém. Só que Pyles não prestou contas desse dinheiro (R$ 168.355,95, em valores corrigidos pelo IPCA do mês passado).
- Assim, acabou na lista dos responsáveis por contas irregulares, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). Desde então, o Governo luta para fazê-lo devolver o dinheiro desse convênio. Com atualização monetária, juros e multas, o débito já alcançava mais de R$ 208 mil, em 2016, quando foi ajuizado o processo de execução da dívida, na Justiça Federal.
- Também em Marabá, tramita uma Ação Civil Pública, ajuizada pelo MP-PA, em 2014, para reparação dos danos morais e materiais coletivos causados pela suposta fraude. Na época, o valor da causa foi fixado em R$ 2 milhões. Em 2019, James Pyles chegou a ajuizar um processo contra o Google, o Yahoo e a Microsoft porque, segundo ele, notícias “infundadas e/ou inverídicas” que circulavam na internet estariam prejudicando os seus negócios e afetando o seu direito de imagem. A Justiça Estadual negou a liminar. Mas é possível que tenha sido esse processo a fazer com que quase não existam notícias, no Google, sobre os verões passados do empresário.