Ana Laura Costa
Já imaginou comprar alimentos por um preço camarada e de quebra ajudar no combate ao desperdício de alimentos e na redução de emissão de dióxido de carbono (CO2), responsável por 60% do efeito estufa?
A administradora Rebecca Castello, de 34 anos, pensou nisso e, até dezembro deste ano, o aplicativo ‘No Waste’ (Sem desperdício, em tradução livre), que visa evitar o desperdício de comidas, aumentar o poder de compra da população e ainda reduzir emissões de gases do efeito estufa, será lançado no Pará.
Quem compõe o time por trás do projeto também é a advogada e administradora Pricila Oliveira e o arquiteto e desenvolvedor de software, Igor Pereira, sócios-proprietários.
Num país que figura na 10ª posição no ranking mundial entre os que mais desperdiçam alimentos, onde anualmente cada brasileiro joga no lixo cerca de 41,6 quilos de alimentos, segundo dados da Embrapa, o desenvolvimento de tecnologias verdes como a No Waste, apresentam soluções sustentáveis para problemas reais.
A empreendedora, que também é Doutora em Ciências com foco em Desenvolvimento Ambiental, comenta que sempre foi muito questionadora e ávida por encontrar soluções para as dificuldades. “Tudo que envolve gestão, desafios e liderança me interessa. Se aliar esses temas com a Amazônia, me sinto ainda mais motivada. Meu desejo é contribuir para o desenvolvimento da minha região de maneira planejada e efetiva para que nossa população tenha mais oportunidades de mostrar seu potencial”, ressalta.
Mesmo antes do lançamento do aplicativo, o projeto já vem atuando. Num perfil no Instagram, conforme as 22 empresas parceiras disponibilizam, são divulgados diariamente combos de alimentos excedentes de produção de estabelecimentos com 50% a 70% de desconto.
“Atualmente vendemos através do WhatsApp. Informamos o valor do desconto, o preço final e o endereço da loja. O cliente escolhe se vai retirar ou pedir delivery e finalizamos a venda pelo whats app. O cliente não sabe o que vem no combo porque, normalmente, o dono do estabelecimento não sabe qual vai ser seu excedente ao final do expediente”, explica Rebecca.
Dentro deste formato, proprietários de estabelecimentos que comercializam alimentos interessados em participar, podem entrar em contato tanto com ela, quanto com a sócia proprietária, Pricila Oliveira, afirma.
“As orientações básicas envolvem fornecimento de informações como: pix do estabelecimento, logo, tipo de estabelecimento e pagamento da taxa. É um processo bem simples”, explica.
Para exemplificar como iniciativas que utilizam tecnologias verdes em prol de causas sustentáveis podem ser inspiradoras, a No Waste nasceu a partir da experiência que a empreendedora teve na Espanha, com o aplicativo “Too Good To Go” (Bom demais para ir embora, em tradução livre), que também combate ao desperdício de alimentos e os disponibiliza com preços bem reduzidos.
“Achei a ideia fantástica. Então, achei que seria algo muito útil para a nossa realidade de alto desperdício alimentar, 41 mil toneladas de alimentos sendo desperdiçados diariamente no país é algo muito expressivo. Fizemos algumas adaptações na ideia e aliamos nossas ações ao desenvolvimento sustentável da Amazônia para, assim, criar algo mais condizente com a nossa realidade. Então, aliar a diminuição com desperdício alimentar, com o aumento do poder de compra das pessoas e a diminuição das emissões de gases do efeito estufa nos pareceu uma tríade de sucesso”, ressalta.
No Brasil, três startups já seguem a mesma linha de negócio, uma delas é a “Comida Invisível”, que promove o encontro entre doadores e receptores de alimentos.
CRISE
O consumo desenfreado de produtos que geram lixos não recicláveis, como embalagens plásticas, e o descarte incorreto desses materiais são temas comumente debatidos quando relacionamos com a crise climática. No entanto, o impacto do desperdício de alimentos no meio ambiente ainda é pouco falado.
Os dados abaixo destacam a importância de empreendimentos com soluções inovadoras voltadas para a redução de emissões de carbono, conservação de recursos e adaptação às mudanças climáticas.
Um relatório de 2021 do Índice de Desperdício Alimentar da ONU, apontou que 8 a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa estão associadas a alimentos que não são consumidos, estes podendo ou não chegar à mesa do consumidor. O índice também aponta que alimentos em decomposição em aterros liberam metano na atmosfera, totalizando 4,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (GtCO2 eq) anualmente.
Outro levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO, indica que “a maior pegada de carbono do desperdício ocorre na fase de consumo (37% do total), enquanto o consumo representa apenas 22% do desperdício total de alimentos. Isso ocorre porque um quilo de alimento que é desperdiçado ao longo da cadeia de suprimentos terá uma intensidade de carbono mais alta do que nos estágios anteriores”.
Trazendo a discussão para cá, o projeto ajuda a fomentar essa discussão e viabiliza ações práticas para ajudar no combate ao problema na região Amazônica. “No waste também realiza um trabalho educativo em suas redes sociais, trazendo para o debate a importância de se diminuir o desperdício alimentar e o impacto desse problema no meio ambiente. Trazemos receitas que podem ser feitas com sobras, como consumir de forma consciente, planejar as compras. Também sempre evidenciamos dados sobre essa temática de forma a fazer as pessoas entenderem a gravidade do problema”, pontua.
As expectativas para a execução do trabalho a partir do lançamento do aplicativo, neste final de ano, são positivas. Isso porque, segundo Rebecca Castello, “Em 3 meses de funcionamento da No Waste, chegamos ao número de 1 tonelada de comida ‘salva’”, afirma. Assim, a empreendedora ressalta que a empresa já possui metas a serem atingidas após o lançamento do aplicativo.
“Nossas metas mais prioritárias são conseguir “salvar” 100 mil toneladas de alimentos até o terceiro ano de funcionamento da empresa e estar presente nos principais municípios do estado (com mais de 100 mil habitantes) até final do ano que vem. Em 5 anos está presente nas principais capitais do norte do País. E Cadastrar até o terceiro ano de funcionamento em média 198 estabelecimentos e ter 20.000 usuários”, revela.
Para o time da No Waster, quanto mais iniciativas que viabilizem a conscientização da população sobre o impacto do desperdício de alimentos, melhor.
“A gente percebe que há muito a ser feito ainda nessa conscientização. Porque o desperdício de alimentos, ao contrário de outros temas que envolvem crise climática, não é algo muito debatido na nossa sociedade amazônica. As pessoas ainda ficam chocadas com os números alarmantes de desperdício e muitas vezes não sabem que existe essa correlação com a emissão de CO2. E mudar um padrão de consumo é difícil e um processo lento. A informação tem que estar ali visível toda hora para começar a fazer efeito. Por isso, incentivamos toda iniciativa que trate da temática na nossa região. Quanto mais pessoas falando do assunto melhor. É fundamental que as empresas também entendam a importância de ressignificar seus processos produtivos para diminuir esse desperdício”.
Quem quiser conferir o trabalho da No Waste, o perfil do Instagram é: @nowastebr.