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Decisão do STF contra “legítima defesa da honra” é avanço para as mulheres

Governo Lula vai pagar precatórios atrasados do INSS até 31 de dezembro após decisão do STF. FOTO: Rosinei Coutinho / STF
Governo Lula vai pagar precatórios atrasados do INSS até 31 de dezembro após decisão do STF. FOTO: Rosinei Coutinho / STF

Carol Menezes

No fim de junho, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para confirmar decisão liminar (provisória) que vetou a utilização da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio julgados pelo Tribunal do Júri.

A tese consiste na ideia de que o acusado de agressão ou de feminicídio poderia ter seu comportamento relativizado em razão da violação de sua honra, o que em alguns casos poderia levar à absolvição.

Em 2021, o Supremo já havia confirmado liminar do relator, ministro Dias Toffoli, para quem esse recurso argumentativo é “odioso, desumano e cruel”. No dia 29 de junho último, o plenário retomou o julgamento de mérito para encerrar a questão. A análise foi interrompida porque a corte entrou em recesso, e será retomada em agosto

A advogada e criadora do projeto Política para Mulheres, Natasha Vasconcelos, lembra que o Código Penal em seu art. 23, II diz que não há crime quando o agente pratica em legitima defesa. Neste mesmo sentido, o art. 188, I, do Código Civil prevê que não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

“Veja que não há previsão expressa de ‘legitima defesa da honra’. Este recurso argumentativo comumente usado na defesa de acusados de feminicídio ou violência contra mulheres só pode conseguir se validar em uma sociedade patriarcal, que subalterniza mulheres, sendo tolerante e conivente com a violência de gênero”, avalia.

A advogada reforça que ao usar essa argumentação, o agressor ou feminicída menospreza tanto a condição de mulher da vítima que justifica no seu sentimento de posse e dominação todo e quaisquer abuso, espancamento, violência e morte de mulheres, tentando, em qualquer oportunidade do processo, imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, alegando defesa da sua honra.

HISTÓRIA

Um caso que ficou muito conhecido no Brasil foi o da socialite mineira Ângela Diniz, assassinada a tiros pelo companheiro Doca Street em 1976 no Rio de Janeiro. O advogado do acusado usou a tese da legítima defesa da honra, basicamente acusando Ângela de comportamento imoral na tentativa de justificar o crime – atuação bastante reforçada pela cobertura de uma imprensa extremamente machista.

Apesar de condenado a apenas 18 meses pelo crime no primeiro julgamento, saiu livre do tribunal, pois já tinha cumprido um terço da pena, isso já em 1979. O movimento feminista encampou um movimento exigindo um novo julgamento, o que acabou ocorrendo em 1981. Dessa vez, Doca Street foi condenado a 15 anos de prisão, porém só ficou preso até 1987. Ele morreu em 2020.

Para Natasha, foi uma atuação acertada do STF a formação de maioria para declarar que é inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em julgamentos de crimes de feminicídio no Tribunal do Júri por violar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida, da igualdade de gênero.

“A impunidade que resulta da utilização da tese contribui para a perpetuação e naturalização da violência contra mulheres. O ordenamento jurídico brasileiro (mas não só ele) foi construído basicamente por homens”, explica a advogada, afirmando que o próprio perfil das penitenciárias brasileiras pode atestar essa alegação.

“O enfrentamento da violência contra mulheres não encontra no arcabouço jurídico os caminhos e metodologias necessárias para sua redução e extinção. É imprescindível uma transformação colossal de argumentos e interpretações jurídicas para que a mulher deixe de ser objeto da lei e passe a ser sujeito da lei. É importante dizer: o feminicídio é uma morte evitável”, finaliza Natasha.