JÁ QUERO UM PRATO

Maniçoba: é tanta história para contar que deu até fome

Saiba que um dos pratos favoritos dos paraenses tem origem indígena e incorporou forma de cozinhar dos portugueses

Não há quem resista a uma boa pratada de maniçoba fotos: Wagner Almeida
Não há quem resista a uma boa pratada de maniçoba fotos: Wagner Almeida

Importante item na alimentação dos paraenses, a maniçoba é motivo de orgulho em nossa identidade regional e cultural como símbolo da gastronomia no Pará. Com sabor marcante, o prato é tradicional na mesa em diferentes ocasiões do ano, como no Círio de Nazaré.

A maniçoba tem como base a folha da maniva, que precisa ser cozida por dias para tirar a toxicidade da planta. Com ingredientes dos mais diversos, como carnes de porco, a iguaria faz sucesso e tem um importante significado histórico.


A professora e historiadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Sidiana Macêdo, abordou na tese de doutorado dela intitulada “A cozinha mestiça. Uma história da alimentação em Belém. (Fins do século XIX a meados do século XX)”, a historicidade da maniçoba, revelando que o consumo dela já era hábito alimentar entre os povos indígenas originários da Amazônia.
“A maniçoba já era consumida desde antes do período da colonização”, destaca Sidiana Macêdo.

No século XVI, já se apresentavam formas de consumo diferenciadas, com as folhas de mandioca cozidas misturadas a peixes ou carnes de caça e temperadas com sal ou pimenta.
Depois, como comida mestiça passou a ter na sua composição o toucinho português e outros temperos, como alho, cheiro-verde e modo de preparo de refogado.

“O refogado em grande medida foi ‘introduzido’ pelos portugueses. A maniçoba mestiça não somente leva carnes variadas e vários tipos de embutidos, como estes devem ser refogados antes, seguindo o padrão português de fazer guisados”, explica a historiadora.


Como frisa Sidiana Macêdo, na forma tradicional dos indígenas as carnes eram consumidas assadas e não refogadas. “Importante aqui salientar que mesmo mestiça, a maniçoba tem na sua base a ancestralidade, como o uso da folha da mandioca domesticada por grupos indígenas. Então, isso faz dela um prato de resistência e permanência da cultura alimentar de diversos grupos indígenas.”


Ainda conforme Macêdo, os povos ancestrais tinham conhecimento profundo do território, da fauna e da flora, e a partir dos próprios conhecimentos sabiam o que poderia ser consumido e as técnicas de preparo. “A maniçoba é um prato portador de identidade e pertencimento do paraense, mas, acima de tudo é herança e conexão com nossa ancestralidade. Uma ancestralidade viva.”

Prato é protagonista em feiras e barracas de comidas típicas de Belém


No Ver-o-Peso, quem trabalha com a venda de itens para maniçoba fala da importância do prato. A autônoma Jane Costa, 46 anos, explica que as vendas de maniva já começaram a aumentar, ante do Círio de Nazaré. “Tem gente se antecipando nos pedidos para este ano”, explica. Na barraca da Jane é possível encontrar as três opções comercializadas a quilo: crua (R$6,00), pré-cozida (R$7,00) e cozida (R$10,00). “A maior saída é a pré-cozida, mas tem muita gente que ainda gosta de levar a crua para cozinhar em casa. A maniçoba não pode faltar na mesa. É um símbolo nosso”, comenta.


Charque, costela e toucinho são alguns dos ingredientes que fazem parte da maniçoba e dão o sabor especial ao prato. O feirante Orivaldo Silva, 68, comercializa no Ver-o-Peso estes e outros ingredientes da iguaria, entre carnes e embutidos.

“Eu não pensei que as vendas fossem ser boas agora bem antes do Círio”, comenta afirmando que há clientes se antecipando nos pedidos. A expectativa dele é comercializar cerca de 1.000 quilos de ingredientes até a semana do Círio. Para atrair a clientela, Orivaldo oferta o kit maniçoba, pacote com cerca de 1,2 quilo de ingredientes, entre os quais bacon, charque e toucinho ao preço de R$38,00. “Essa época é o nosso 13° salário. Maniçoba é boa o ano todo.”


Em uma tradicional barraca de comidas típicas localizada na rua Treze de Maio, no Comércio, a maniçoba divide o protagonismo nas vendas juntamente com o vatapá. O prato feito com a maniva é comercializado a R$25,00. “No almoço é o horário que mais os clientes pedem”, afirma Lindomar Araújo, 49, empreendedor. São pelo menos duas panelas grandes da iguaria feitas por dia, com cerca de 15 litros de capacidade cada uma. “Nesta época de Círio aumenta a procura pela maniçoba aqui, o que mostra como ela é significativa na alimentação do paraense”, diz Araújo.


De passagem pelo Comércio, a jornalista e fascinada por maniçoba Suanny Diniz, 39, aproveitou uma pausa nas compras para saborear a delícia. “Eu amo maniçoba. Não dá pra comer todo dia, mas sempre que tenho oportunidade eu como”, afirma, animada, enquanto segurava um prato de maniçoba. Quanto mais escuro o alimento estiver, melhor e mais gostosa a maniçoba é, na opinião da jornalista. “A cidade já exala o cheiro de maniçoba com a proximidade do Círio. Quando a gente sente o cheiro e passa perto de onde tem, dá logo vontade de saborear”, finaliza.