CORRUPÇÃO, FRAUDES E PROPINAS

Ministério Público cria Força-Tarefa para investigar irregularidades em Ananindeua

Um dos focos da investigação será o suposto esquema de propinas, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro que seria comandado pelo prefeito Daniel Santos.

Um dos focos da investigação será o suposto esquema de propinas, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro que seria comandado pelo prefeito Daniel Santos, e que foi desbaratado pela operação Hades
Um dos focos da investigação será o suposto esquema de propinas, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro que seria comandado pelo prefeito Daniel Santos, e que foi desbaratado pela operação Hades

O Ministério Público do Pará (MPPA) criou uma Força-Tarefa para investigar possíveis crimes de corrupção, peculato, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro, que estariam sendo cometidos na Prefeitura e na Câmara Municipal de Ananindeua, por uma suposta organização criminosa (Orcrim). A decisão do procurador-geral de Justiça (PGJ), Alexandre Tourinho, que comanda o MPPA, foi publicada ontem, 16, no Diário Oficial do Estado (DOE). Fontes do MPPA confirmaram que um dos focos da Força-Tarefa será o suposto esquema de propinas, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro que seria comandado pelo prefeito Daniel Santos, e que foi desbaratado pela operação Hades, no último mês de agosto. O esquema teria ajudado o prefeito a adquirir cerca de R$ 30 milhões em bens.

Segundo a Portaria 5157/2025, a criação da Força-Tarefa foi motivada por informações em procedimentos investigativos “que apontam a possível existência de organização criminosa estruturada com atuação no âmbito do Executivo e do Legislativo do Município de Ananindeua – PA, voltada à prática de crimes contra a administração pública, corrupção, peculato, fraude a licitações, lavagem de dinheiro e outros ilícitos conexos”. Também foi considerada “a complexidade, repercussão social e gravidade dos fatos investigados”, que requerem uma ação “coordenada, especializada e concentrada”. Ela será comandada pelo procurador de Justiça Armando Brasil e contará com três promotores: Hélio Pinho Pereira, Harrison da Cunha Bezerra e Arnaldo da Costa Azevedo (o responsável pelas investigações da operação Hades).

A Força-Tarefa poderá instaurar procedimentos criminais; requisitar informações, documentos e diligências de autoridades e órgãos públicos e privados; articular ações com as polícias civil, militar e federal e com os tribunais de contas, Receita Federal e COAF, além de adotar medidas judiciais, como pedidos de liminares. Também poderá atuar, por delegação do PGJ, nos casos que envolvam autoridades com “foro privilegiado”, como é o caso dos prefeitos, que só podem ser processados na “segunda instância”, ou seja, nos tribunais. Ela terá duração inicial de 180 dias, prorrogáveis por igual período. Fontes do MPPA disseram que, além da suposta quadrilha desbaratada pela operação Hades, também deverão ser investigados os contratos da Prefeitura de Ananindeua com o Hospital Santa Maria, que teria como sócio oculto o prefeito Daniel Santos.

Além da legalidade desses contratos, será apurado o montante de verbas repassado ao Santa Maria, “em valores muito superiores ao destinado aos demais hospitais”. Na mira da Força-Tarefa não entrará, porém, o suposto desvio de R$ 261 milhões do Iasep (o instituto de assistência dos servidores estaduais) para o Santa Maria, porque essa apuração já está praticamente concluída. No entanto, as informações sobre esse desvio de recursos serão compartilhadas com a Força-Tarefa, como já ocorre com a PF e Receita Federal. Ainda segundo as fontes, as primeiras ações da Força-Tarefa “são aguardadas para os próximos dias”. Outros casos envolvendo a Prefeitura e a Câmara de Ananindeua também serão analisados pelo grupo.

Operação Aqueronte desarticula quadrilha envolvida em fraude de R$ 115 milhões

No decorrer da Operação AQUERONTE foram apreendidas nas residências dos alvos equipamentos eletrônicos como telefones celulares, notebooks, além de documentos diversos do interesse das investigações

A situação do prefeito Daniel Santos se complicou ainda mais a partir de setembro do ano passado, quando o Gaeco (o grupo de combate ao crime organizado do MPPA) realizou a operação Aqueronte, para desarticular uma suposta quadrilha que teria fraudado R$ 115 milhões em licitações, na Secretaria Municipal de Saneamento e Infraestrutura (Sesan). As empresas beneficiadas teriam sido a Edifikka Construtora e a DSL Construtora e Incorporadora, pertencentes ao empresário Danillo da Silva Linhares, vizinho do prefeito. Também estariam envolvidos na suposta quadrilha o então secretário de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macêdo, e o ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL) da Prefeitura, Manoel Palheta Fernandes. Ambos foram afastados de funções públicas, por ordem judicial.

As investigações da Aqueronte levaram à operação Hades, realizada no último mês de agosto, que apontou o prefeito como chefe de um suposto esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes licitatórias, operado na Sesan. O Gaeco descobriu que pelo menos 7 empresas e 5 empresários que possuíam contratos milionários com a Sesan teriam pagado propina a Daniel Santos, através de transferências bancárias que ajudaram a quitar vários bens que ele adquiriu. Além da Edifikka e da DSL, a relação de empresas inclui a R. Souza&Cia, Martins Engenharia, Everest Empreendimentos Imobiliários, Altamed Distribuidora de Medicamentos e JR Participações e Investimentos. Mas há pelo menos outras 13 empresas e pessoas físicas que possuiriam contratos com a Prefeitura e teriam ajudado na compra desses bens, que ainda não foram investigadas.

Avião

O esquema, diz o Gaeco, ajudou o prefeito a adquirir 3 fazendas, no município de Tomé-Açu, que somam 3.800 hectares (o equivalente a mais de 5.300 campos de futebol), compradas por R$ 16 milhões; uma fazenda de 300 hectares, no município de Aurora do Pará, que custou R$ 1,4 milhão; um avião (R$ 10, 9 milhões); uma retroescavadeira (R$ 870 mil) e quase R$ 1,2 milhão em óleo diesel (ou 220 mil litros a preços de hoje). Os bens foram comprados em nome da Agropecuária JD, sediada em Tomé-Açu, que possui um capital de apenas R$ 100 mil e pertence a Daniel. Só esses cerca de R$ 30 milhões em bens já comprovados pelo MPPA representam mais de 6 vezes o que o prefeito declarou de patrimônio, à Justiça Eleitoral, nas eleições do ano passado: R$ 4,850 milhões.

Gaeco aponta uso de empreiteiras para comprar fazenda e avião de prefeito de Ananindeua.
Gaeco aponta uso de empreiteiras para comprar fazenda e avião de prefeito de Ananindeua.

Liminar

Em agosto, durante a operação Hades, Daniel Santos chegou a ser afastado do cargo. Mas obteve uma liminar (uma decisão provisória) do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e reassumiu a prefeitura. Apesar de reconhecer a “gravidade dos fatos” e a necessidade de que sejam investigados, o ministro entendeu que não havia motivos para o afastamento do prefeito, que não estaria, naquele momento, tentando atrapalhar as investigações. Pouco depois, porém, Og Fernandes se afastou do caso, porque descobriu que a esposa dele era advogada de Daniel em outro processo. O MPPA também recorreu da decisão por entender que o prefeito estaria, sim, tentando interferir nas investigações: ele teria procurado dois empresários que o denunciaram, para que mudassem os seus depoimentos.

PARA ENTENDER

O que é uma Força-Tarefa?

Uma força-tarefa é um grupo temporário formado com o objetivo de cumprir missões complexas — geralmente, a resolução de problemas grandes e difíceis. No caso em questão, trata-se da investigação de uma suposta rede de crimes envolvendo a Prefeitura de Ananindeua.

Esses grupos são compostos por profissionais de diferentes áreas de atuação, o que permite uma junção de conhecimentos e recursos diversos, aumentando a eficácia na solução dos casos. Além disso, podem contar com o apoio de outros órgãos e instituições, colaborando de forma integrada. O foco total na missão também é um diferencial: os integrantes da força-tarefa podem se dedicar várias horas por dia exclusivamente à investigação, dentro de um prazo determinado.


Crescimento Acelerado do Patrimônio

Reportagens publicadas no ano passado pelo DIÁRIO revelaram o crescimento acelerado do patrimônio do prefeito de Ananindeua, Daniel Santos.

  • Fazendas: Foram localizadas cinco fazendas, somando 1.800 hectares, registradas nos sistemas da Semas (Secretaria Estadual de Meio Ambiente). Os imóveis estão em nome da empresa Agropecuária JD, da esposa do prefeito — a deputada federal Alessandra Haber — e da mãe dele.
  • Aeronaves: Também foram identificados dois aviões. Um deles foi adquirido pela Agropecuária JD, e o outro, pelo Hospital Santa Maria.
  • Gado e Terras: Segundo uma empresa de consultoria que elaborou o planejamento das atividades da Agropecuária JD, há indícios de que Daniel Santos possui, na verdade, 5 mil cabeças de gado e cerca de 4.200 hectares de terra.
  • Criação de Cavalos: Publicações em redes sociais mostraram que o prefeito também cria cavalos de raça.
  • Avaliação Patrimonial: Com base em dados disponíveis à época, o DIÁRIO estimou, de forma conservadora, que o patrimônio de Daniel Santos girava em torno de R$ 50 milhões. No entanto, informações recentes indicam que esse valor é significativamente maior.

Novas Revelações

Com o avanço das investigações conduzidas pelo Ministério Público do Pará (MPPA), novos bens vieram à tona:

  • Mais Terras: Foram descobertos mais 3.800 hectares em Tomé-Açu e outros 300 hectares em Aurora do Pará, além dos 1.800 já revelados anteriormente.
  • Imóvel de Luxo: Um documento de entrega de uma casa em um condomínio de alto padrão em Fortaleza (CE), avaliada em cerca de R$ 2 milhões, foi apreendido durante a operação Hades.
  • Coleção de Relógios: Também durante a operação, foi apreendida uma coleção de relógios de luxo, cujo valor estimado ultrapassa R$ 2 milhões.

Evolução Patrimonial

Em 2012, ao se candidatar a vereador pela primeira vez, Daniel Santos declarou possuir apenas um veículo, que hoje estaria avaliado em torno de R$ 130 mil. Em apenas 13 anos, seu patrimônio evoluiu para dezenas de milhões de reais — uma multiplicação que agora está sob investigação.