DECISÃO UNÂNIME

TRF1 reconhece dever da União de seguir diretrizes científicas na pandemia

Entendimento foi proferido pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), após acolher recurso do Ministério Público Federal (MPF).

Foto: Arquivo
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A Justiça Federal reconheceu, em decisão unânime, que o governo federal tem o dever legal de seguir as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos órgãos técnicos do Ministério da Saúde em suas manifestações oficiais relacionadas à pandemia de covid-19. O entendimento foi proferido pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), após acolher recurso do MPF.

O caso teve início em abril de 2020, quando o MPF ajuizou ação na Justiça Federal do Pará acusando a União de promover discursos contraditórios sobre a gravidade da pandemia. Entre os alvos da ação, estavam declarações do então presidente Jair Bolsonaro e a veiculação da campanha publicitária “O Brasil Não Pode Parar”, que, segundo o MPF, minimizaram os riscos sanitários, enfraqueceram as medidas de isolamento social e colocaram vidas em risco — especialmente de povos indígenas no Pará.

Na ocasião, a Justiça Federal no Pará julgou improcedente o pedido do MPF, entendendo que caberia ao Executivo a formulação de políticas públicas e que as manifestações do presidente estavam protegidas pelo direito à liberdade de expressão. Apesar de reconhecer contradições nos discursos oficiais, a decisão de primeira instância considerou que as declarações não teriam gerado “repercussões sociais de grande alcance”.

Inconformado com a sentença, o MPF apresentou recurso em outubro de 2020, sustentando que o governo tem a obrigação constitucional de agir com base em evidências científicas e que os pronunciamentos públicos do então presidente violaram os direitos à saúde e à informação da população, configurando dano moral coletivo.

Ao analisar o caso, o relator no TRF1, juiz federal João Paulo Pirôpo de Abreu, deu razão ao MPF. Em seu voto, fundamentado nos artigos 5º e 196 da Constituição Federal e na Lei nº 13.979/2020 — que rege o enfrentamento da pandemia no Brasil —, o magistrado destacou que houve omissão e contradição por parte das autoridades federais. Segundo ele, tais posturas “comprometeram a eficácia das medidas sanitárias, geraram insegurança na população e disseminaram desinformação”.

A decisão, comunicada ao MPF no Pará no último domingo (13), reforça o entendimento de que o Estado brasileiro deve zelar pela saúde coletiva com base em critérios técnicos e científicos, sobretudo em situações de emergência sanitária.

O julgamento ocorre no contexto de um inquérito civil instaurado em fevereiro deste ano pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Pará. O procedimento busca investigar a responsabilidade da União na condução da crise sanitária, sob a ótica de políticas públicas de memória, verdade, justiça, reparação e não repetição.

O inquérito foi motivado por uma solicitação feita pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Cepedisa/USP), em parceria com a organização Conectas Direitos Humanos, que acompanha judicialmente os desdobramentos da pandemia no Brasil.

A partir dessa provocação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Sadi Machado, solicitou ao TRF1 informações sobre o andamento do processo, o que antecedeu a decisão unânime da Corte.

Argumentos da União e Decisão do TRF1

Durante a tramitação do processo, a União argumentou que o governo não poderia ser responsabilizado por opiniões ou manifestações pessoais do então presidente, especialmente aquelas veiculadas em perfis privados nas redes sociais.

No entanto, o TRF1 entendeu que, mesmo em plataformas digitais, as falas de um chefe de Estado têm peso institucional e podem influenciar diretamente a adesão da população a medidas de saúde pública.

Com a nova decisão, o MPF espera reforçar a necessidade de responsabilização e de medidas reparatórias em relação às ações e omissões do Estado brasileiro durante a emergência da covid-19.