HORROR CORPORAL

Pressões estéticas são levadas ao extremo em “A substância”

Filme de horror retrata os impactos do envelhecimento e dos padrões estéticos na sociedade. Conheça 'A substância'.

Em uma sociedade incapaz de lidar com o envelhecimento, a obsessão pela beleza e juventude pode te levar à loucura - Foto: Divulgação
Em uma sociedade incapaz de lidar com o envelhecimento, a obsessão pela beleza e juventude pode te levar à loucura - Foto: Divulgação

Há uma cena particularmente dolorosa de se ver em “A substância”. E por incrível que pareça não envolve litros de sangue ou transformações horrendas no corpo humano, mas, sim, uma mente distorcida por um medo profundo. O de sentir-se rejeitada por não pertencer mais a um padrão estético considerado aceitável na sociedade. Assim, quando Elisabeth, personagem de Demi Moore, marca um encontro com um antigo admirador, ela não consegue sair de casa. É implacavelmente impedida pelo espelho e pelo seu ideal de que a beleza só pode ser encontrada na juventude.

Elisabeth é vítima da pressão psicológica de um envelhecimento que, embora natural, é extremamente cruel com as mulheres. Ela temia que isso se refletisse nos olhos do seu pretendente, mesmo que ele estivesse radiante pela simples possibilidade de sair com a mulher dos seus sonhos, embora ela tenha aceitado o convite apenas para tentar recuperar a autoestima. Talvez essa tenha sido a única cena minimalista, de um horror sutil, em “A substância”, que claramente é um filme de excessos e se orgulha disso.

A história da estrela decadente que bebe uma fórmula mágica em busca da juventude perdida e “dá à luz” uma nova versão sua explora todas as nuances do horror corporal. É violento, nojento e exagerado. Além, é claro, de conter uma crítica mordaz – e bastante pertinente – à própria indústria do entretenimento e sua forma de tratar as mulheres. Dessa maneira, a diretora francesa Coralie Fargeat não economiza na representação visual que leva à degeneração do corpo feminino e que, por consequência, leva também à perda de humanidade e da alma.

Objetificação feminina

Dessa forma, quando Sue, interpretada por Margaret Qualley, entra em cena, a vemos por todos os ângulos possíveis e imagináveis para mostrar que “tudo está no lugar”, como diz um dos personagens – homem, claro – que a avaliam para um programa de TV. De fato, a câmera de Fargeat deleita-se de prazer ao passear pelo corpo da “filial” de Elisabeth. A “matriz”, por outro lado, sempre é focalizada pesarosamente, destacando suas imperfeições. “A objetificação sexual do corpo das mulheres desempenha um papel importante na perpetuação da opressão”, lembra Simone de Beauvoir.

Essa alienação da mulher sobre o próprio corpo, passando a existir apenas para um olhar masculino, que exige perfeição, é um dos temas principais criticados em “A substância”. Não à toa os homens são retratados como caricaturas no filme – não raramente com a ajuda de uma lente grande angular para distorcê-los e amplificar sua mediocridade. Destaca-se aqui o produtor de TV Harvey, personagem de Dennis Quaid. Certamente, a cena bizarra em que come, ou melhor, devora camarões, com sua bocarra aberta, realça a sua má índole, sua toxicidade. Igualmente quando ele, ao lado de acionistas, já perto do final, cercam Sue como verdadeiros predadores e exigem da sua “caça” um sorriso. Afinal, é o que garotas bonitas têm a oferecer.

Ode ao grotesco

Essa pressão estética escala a níveis grandiosos a partir do momento em que a regra da “substância” é desrespeitada. Elisabeth e Sue precisariam coexistir. Uma semana para cada, sem exceções. As consequências dessa “quebra” são perturbadoras e Fargeat pega sua experiência como mulher nessa sociedade patriarcal e extravasa seus temores e traumas com extrema criatividade. O filme é uma extrapolação artística, uma ode ao grotesco e ao cinema de horror em si, com inúmeras referências a mestres como Cronenberg, Hitchcock e Kubrick. E o melhor: tudo com base em efeitos práticos e nas atuações, o que torna o filme muito mais visceral e, por que não, divertido.

Onde assistir

  • “A substância” está disponível para streaming no Mubi e para aluguel/compra na Apple TV e Amazon Prime Video.

E mais…

  • SATYAJIT RAY
    O cineasta indiano Satyajit Ray, da essencial “Trilogia de Apu”, dono de um Oscar honorário por sua contribuição ao cinema mundial, em 1991, e homenageado deste ano na Mostra de SP, teve seis de seus filmes disponibilizados em novembro pela plataforma de streaming Reserva Imovision. São eles: A Grande Cidade, A Esposa Solitária, O Deus Elefante, O Herói, O Covarde e O Santo. Os filmes de Ray são conhecidos pela sensibilidade e autenticidade, retratando a sociedade indiana de forma única.
  • FILME DE NATAL
    Finalmente, na plataforma Looke, o destaque é para a estreia do título original “Uma Surpresa de Natal”. É uma comédia russa sobre uma jovem advogada que planeja ter um final de ano romântico com seu colega de trabalho, mas é surpreendida pela presença de seu chefe no lugar do amigo. Além disso, entre os lançamentos exclusivos da semana estão os longas de ação “Tarde Demais Para Voltar”, “Em Lados Opostos” e “Lua de Sangue”. Fora os suspenses “Sentença de Morte” e “O Que Lucía Viu”.

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