FOLHAPRESS
Em um esforço para deter a crise demográfica que se projeta sobre a China, autoridades da província de Sichuan, no sudoeste do país, permitirão que cidadãos solteiros perante a lei formem famílias e usufruam de benefícios em geral reservados aos casados.
A legislação chinesa dificulta o acesso de bebês nascidos fora do casamento ao hukou, espécie de registro de identidade -e todos os benefícios associados a ele. A lei foi implementada para prevenir possíveis violações à política do filho único, que permitia apenas um filho por casal, vigente entre 1979 e 2015.
Com o declínio cada vez mais acelerado do número de casamentos e nascimentos no país -que culminou com o anúncio de que a população chinesa começou a encolher oficialmente no início deste ano-, porém, autoridades de Sichuan modificaram uma diretriz de 2019 de modo a permitir que cidadãos com outros estados civis também procriem.
A partir de 15 de fevereiro, assim, casais que desejam ter filhos, mas não são marido e mulher poderão se registrar junto às autoridades locais e receber benefícios até então reservados a indivíduos casados. Estes incluem um seguro médico para o período da gestação e a garantia de recebimento do salário integral durante a licença-maternidade. O limite anterior dos auxílios, de dois filhos por casal, também foi suspenso.
Sichuan é a quinta província mais populosa da China. Também é uma das mais envelhecidas, ocupando o sétimo lugar do país nessa categoria -números oficiais indicam que mais de 21% de sua população tem mais de 60 anos.
O governo local afirmou que a medida anunciada nesta segunda busca “promover um crescimento populacional equilibrado a longo prazo”. Ela se junta a outras políticas de incentivo à natalidade até agora anunciadas apenas em âmbitos municipais e provinciais. Em Nanchan, capital da província de Jiangxi, na porção leste do país, por exemplo, famílias com dois ou três filhos menores de 18 anos recebem um subsídio que varia de 300 a 500 iuanes (R$ 230 a R$ 384).
O início do declínio populacional no gigante asiático representa um revés histórico para uma nação, por anos, fez da pujança populacional um dos motores para o crescimento acelerado da economia. Esta é a primeira vez que a população chinesa recua desde 1961, quando o país enfrentava a pior fome de sua história moderna, decorrente da política de Mao Tse-tung, que ficou conhecida como Grande Salto Adiante.
Dados do Escritório Nacional de Estatísticas indicam que a taxa de nascimentos ao final de 2022 foi de 6,77 a cada mil habitantes, o número mais baixo de que se tem registro -em 2021, ela foi de 7,52. Na outra ponta está a taxa de mortes: de 7,18 em 2021, subiu para 7,37, marcando também um recorde de quase 50 anos -só foi maior em 1974, em plena Revolução Cultural.
Os números escancaram o fato de que, se foram eficazes nas últimas décadas, as políticas de natalidade de Pequim agora chegam a um cenário entre a descrença e o legado duvidoso. A mais famosa delas foi a de filho único, alvo de uma série de denúncias, de repressão do Estado a abortos forçados.
Em termos de eficácia para conter a explosão demográfica, porém, a legislação funcionou. Estima-se que tenha impedido o nascimento de cerca de 400 milhões de chineses, ou mais de um terço da população atual.
A rigidez, no entanto, criou raízes na sociedade, de modo que sua suspensão não veio acompanhada de um boom nos nascimentos. Mesmo uma nova flexibilização anunciada em 2021 que permitia que casais tivessem até três filhos não surtiu efeitos significativos.