FACES DO HORROR

A trilogia de Rob Zombie e o fascínio pela psicopatia

A saga da família Firefly é contada de forma confusa, repleta de altos e baixos nesta trilogia comandada pelo músico e cineasta.

"Rejeitados pelo diabo" é o ponto alto da trilogia de Zombie - Foto: Divulgação
"Rejeitados pelo diabo" é o ponto alto da trilogia de Zombie - Foto: Divulgação

De uma viagem lisérgica de contornos surrealistas à crua e visceral realidade. O cineasta Rob Zombie fez de sua trilogia de horror, a saga da família Firefly, um exercício primordial de estilo, que se revela tão interessante quanto a própria concepção narrativa dos filmes em si – veja bem, eu disse interessante, o que não necessariamente significa que tenham resultado em bons filmes. É preciso entender que, aqui, a violência explícita e gráfica em “A casa dos mil corpos”, “Rejeitados pelo Diabo” e “Os três infernais” não é um meio, mas, sim, a finalidade, a razão da sua existência, que testa nossas reações e nosso comportamento diante do choque, do sadismo. Experimentalismo puro.

Capitão Spaulding, Baby, Otis, Foxy e os demais membros da família, ao longo dos filmes, expõem sua amoralidade, uma visão de mundo desprendida de conceitos como certo ou errado. São imprevisíveis. Talvez aí resida o seu poder de sedução. Se há uma linha temática seguida por Zombie é o fascínio que a psicopatia exerce sobre as pessoas e como todos, em maior ou menor grau, estão sujeitos à sua influência. “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”, já dizia Nietzsche.

Assim, quando casais procuram diversão na lenda de um médico que assassinava suas vítimas, desprezando a própria segurança, ou quando as forças da lei sucumbem a ações moralmente questionáveis, fica bem complicado criar empatia. Ainda mais por termos tanta familiaridade/intimidade com as relações entre os membros da família Firefly. Isso nos torna cúmplices justamente por perdermos esse referencial humano da virtude. Os tons de cinza desse mundo nos confundem e, quase sem querer, flertamos com a torcida para que personagens sádicos alcancem um “final feliz”. E os atos cruéis dos Firefly são jogados em nossa cara a cada minuto, como um lembrete desse nosso pé na perversão. Perturbador.

“A casa dos mil corpos”: um filme que mesmo sem estar mutilado continua sem pé nem cabeça

Tematicamente relevante, mas executada de maneira problemática, às vezes sem foco ou até mesmo propósito, a trilogia se beneficiou especialmente do fato da sua primeira parte ter virado objeto de culto com o passar dos anos, em especial pelos transtornos pelos quais a produção passou. Ninguém queria lançar “A casa dos mil corpos” e o filme passou de estúdio em estúdio, sofrendo cortes que o deixaram completamente mutilado e sem sentido – mais do que já era estando completo, diga-se. Mas isso ajudou a criar uma aura de filme maldito sobre ele e deu holofotes a Rob Zombie como cineasta. Ou seja, nem que seja por simples curiosidade, as pessoas começaram a assisti-lo.

Pelo menos, anos depois, Zombie fez “Rejeitados pelo Diabo”, o ponto alto da trilogia, um filmaço, bem mais coeso e equilibrado enquanto experiência cinematográfica, como se o vento na cara proporcionado pelo formato road movie fizesse passar o efeito da bad trip de “A casa dos mil corpos”. Com isso, a camada sobrenatural, alucinógena e confusa deixa de existir, mas o que se vê é ainda “pior”: um culto a Maquiavel, com a percepção de que a natureza humana é má, cruel, e que ela é mais do que suficiente para causar terror, reforçada pela aleatoriedade das ações dos psicopatas, em especial no último filme, “Os três infernais”, cuja única razão para existir é revisitar esse universo doentio, já que o desfecho anterior havia sido perfeito e, aqui, nada digno de nota foi acrescentado. Uma pena.

ONDE ASSISTIR

  • A casa dos mil corpos – disponível para streaming na Darkflix, ou para aluguel na Apple TV e Microsoft Store.
  • Rejeitados pelo diabo – disponível para aluguel no YouTube, Apple TV e Microsoft Store.
  • Os três infernais – disponível para streaming no Globoplay, Canais MGM+ na Apple TV e Amazon, ou para aluguel no Claro Video e Amazon.

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