"A marca da morte"

O fator X de Mia Goth em uma homenagem ao terror slasher

Atriz rouba a cena no filme de Ti West

O fator X de Mia Goth em uma homenagem ao terror slasher

Um olhar tão feroz que quase faz o espelho trincar de medo apenas com o seu reflexo. Uma postura altiva. Nada e ninguém vai separá-la do seu destino. “Você é a porra de um símbolo sexual”, diz a si mesma, com um mundo de possibilidades no horizonte. É colorido, é selvagem, é barulhento. Basta um minuto e estamos completamente entregues ao que Mia Goth tem a oferecer como Maxine. Corta. Mais à frente, através das sombras, surge Pearl. O ambiente é tomado pela angústia, desesperança, frustrações, loucura e um perigo latente. Uma velha senhora que viu o tempo passar e foi tomada pela amargura. Debaixo da pesada maquiagem, está, de novo, Mia Goth. “Eu já fui jovem como você…”.

Tempo. Essa é uma palavra-chave no filme de Ti West, “X – A marca da morte”, que entrou recentemente no catálogo do Amazon Prime Vídeo, tanto para entendermos os dilemas das personagens principais quanto para a própria concepção da obra, que reverencia o slasher, um dos subgêneros mais populares do terror, em um ótimo exercício de linguagem cinematográfica, emulando, mas também subvertendo os seus aspectos clássicos, especialmente na crítica ao falso moralismo que imperava naquelas produções que tiveram o seu auge nos anos 1980.

“X” não traz nenhuma novidade em sua estrutura narrativa, pelo contrário. Respiramos o ar de “O Massacre da Serra Elétrica” a cada instante. Jovens pegam a estrada e vão para uma fazenda no Texas gravar um filme pornô de “ambições mais artísticas”. Mas eles são observados pelo estranho casal de idosos, donos do local. “X” não tenta inovar nesse ponto, é consciente do seu papel, que é simplesmente entregar um bom filme de terror. Assim, reconhecemos aqui e ali as muletas de sempre do gênero, que nas mãos de um diretor competente, como é o caso, jamais deixam de ser divertidas, como as mortes sangrentas e os jump scares. O que ele faz de diferente é dar aos personagens e à história uma construção adequada.

 

É exatamente esse cuidado que causa todo o impacto que presenciamos no terço final do filme. Quando Pearl finalmente ataca, por exemplo, a cena é grotescamente bela. O sangue jorrando nos faróis do carro, que funciona como se fosse um holofote, iluminando-a de vermelho. Ali ela se transporta ao passado, uma jovem dançarina. E, bem devagar, ela dança. A dança da morte. É de arrepiar. E, claro, com uma desconstrução. Pois temos a substituição do assassino mascarado e truculento pela senhorinha aparentemente frágil, mas altamente intimidadora. Ali, ela se liberta, mostra quem é diante de uma negativa. “Eu não vou aceitar uma vida que não mereço”. É uma fala que sai da boca de Maxine, mas que poderia ter sido dita por Pearl. E será que não saiu mesmo em algum momento da sua juventude?

Pearl tem desejos. Não apenas sexuais, mas de viver mesmo, de ver o mundo, de ter sucesso, possuir coisas e pessoas. E ter de reprimi-los, lidar com a velhice, a corrói. Ela sente inveja do frescor da mocidade, da beleza de Maxine. É um aspecto delicado do filme, que poderia resvalar puramente no etarismo ao enxergar Pearl de forma repugnante. Mas a questão é um pouco mais profunda, sendo ela uma vilã talhada pelo ressentimento e insanidade. Nöel Carroll, no livro “A filosofia do horror ou paradoxos do coração”, diz que “no contexto da narrativa de horror, os monstros são identificados como impuros e imundos […] Os personagens os veem não só com medo, mas também com nojo, com um misto de terror e repulsa”. Sim, Pearl é um monstro. Só que não por sua aparência. A sua alma é apodrecida.

Maxine, por sua vez, tem a impetuosidade e o vigor a seu favor, embora flerte a todo momento com o abismo. Que caminho irá seguir? Não se sabe. Vai se tornar uma grande estrela como tanta deseja? Talvez. Mia Goth, felizmente, já é. Ela rouba o filme. Seja como Maxine ou como Pearl. Os demais empalidecem ante a sua presença. Ela tem, de fato, o “fator X”, como diz Wayne, o namorado da protagonista, à certa altura da projeção. A atriz equilibra à perfeição histórias de vidas que tomaram rumos tão distintos e, ao mesmo tempo, são tão próximas em seu cerne. E o mais legal de “X – A marca da morte” é que ele pode ser visto assim, como um bom estudo de personagem ou homenagem aos clássicos do slasher, mas você também pode esquecer tudo isso e vê-lo apenas como um bom, velho e divertido filme de terror.

ONDE ASSISTIR:

  • Amazon Prime Video
  • Apple TV (para alugar)
  • Google Play (para alugar)

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