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Irã pode suspender polícia moral que detonou protestos no país

O uso do véu se tornou obrigatório no Irã em 1983, quatro anos depois da Revolução Islâmica. A lei estabelece que tanto as mulheres iranianas quanto as estrangeiras, independentemente da religião, devem cobrir os cabelos e usar roupas largas em público. Foto: Divulgação
O uso do véu se tornou obrigatório no Irã em 1983, quatro anos depois da Revolução Islâmica. A lei estabelece que tanto as mulheres iranianas quanto as estrangeiras, independentemente da religião, devem cobrir os cabelos e usar roupas largas em público. Foto: Divulgação

FOLHAPRESS

Quase três meses após o início dos protestos detonados pela morte da jovem Mahsa Amini, o procurador-geral do Irã, Hojatolislam Jafar Montazari, indicou neste domingo (4) a suspensão da chamada polícia moral, que tem como função fiscalizar vestimentas e comportamentos de mulheres em pleno século 21.

Oficialmente nomeada de Patrulha da Orientação, a unidade policial foi criada sob o regime do ex-presidente ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad (2005 a 2013) com o objetivo de impor o que chama de cultura da “decência” e do hijab, o véu muçulmano.

Com patrulhamento ostensivo, a instituição é acusada de atacar a liberdade individual e de praticar violência contra mulheres que supostamente desrespeitam os rigorosos códigos de vestimenta da República Islâmica. Nos últimos meses, as críticas se intensificaram na esteira dos protestos desencadeados pela morte de Mahsa Amini, em setembro, que estava sob custódia da polícia moral.

“A Patrulha de Orientação não tem nada a ver com o Judiciário e foi suspensa”, disse Mohammad Jafar Montazeri, segundo a agência de notícias ISNA, ligada ao regime iraniano. “O Judiciário, claro, continua monitorando o comportamento na comunidade.”

A declaração acena aos manifestantes, que pressionam o regime iraniano -a onda de protestos alcançou magnitude sem precedentes desde a Revolução Islâmica de 1979. Mas não há, por ora, confirmação sobre dissolução da polícia moral, subordinada ao Ministério do Interior e, segundo a imprensa iraniana, fora da alçada de Montazeri. Tampouco não há sinalização de mudanças na lei que obriga o uso do hijab.

As unidades da polícia moral são formadas por homens, que se vestem com uniformes verdes, e mulheres, que usam o austero chador preto -véu negro que cobre todo o corpo, exceto o rosto. As primeiras patrulhas começaram em 2006. À reportagem, refugiadas iranianas no Brasil contaram que toda mulher no país persa já passou pela temida fiscalização ao menos uma vez.

O uso do véu se tornou obrigatório no Irã em 1983, quatro anos depois da Revolução Islâmica. A lei estabelece que tanto as mulheres iranianas quanto as estrangeiras, independentemente da religião, devem cobrir os cabelos e usar roupas largas em público.

Recentemente, autoridades iranianas avisaram que estavam analisando possíveis mudanças na lei que torna o véu obrigatório. Neste sábado (3), em uma conferência na capital Teerã, o presidente do Irã, o ultraconservador Ebrahim Raisi, afirmou que a Constituição do país “tem valores e princípios sólidos e imutáveis”, mas que a aplicação e fiscalização dos métodos podem ser alterados”.

Raisi, assim como outros líderes do regime iraniano, é alvo de protestos que desafiam a teocracia do Irã desde a morte de Mahsa Amini, curda de 22 anos acusada de violar o código de vestimenta que exige das mulheres o uso correto do véu islâmico em público -autoridades dizem que ela tinha problemas de saúde, mas a família da jovem afirma que ela foi agredida enquanto estava detida.

O episódio provocou protestos em massa. Segundo um site alinhado à Guarda Revolucionária, o comandante da divisão aeroespacial das forças paramilitares, Amir Ali Hajizadeh, admitiu que mais de 300 pessoas morreram nas manifestações. Pela contagem de entidades de direitos humanos que monitoram a situação no Irã, porém, esses números oficiais são subdimensionados. A ONG Direitos Humanos no Irã estima que mais de 450 manifestantes e 60 agentes foram mortos desde o início dos atos.

Diante da escalada de violência, o governo dos EUA anunciou sanções a líderes e integrantes da polícia moral iraniana.

Nos protestos, em sua maioria liderados por mulheres e estudantes, os manifestantes entoam gritos como “mulher, vida, liberdade”. Também desafiam o regime ao queimar os hijabs ou cortar os cabelos em espaços públicos. Os atos foram registrados no Irã e também em dezenas de cidades do exterior.

Diante dos protestos, o partido União do Povo Islâmico do Irã, a principal legenda reformista iraniana, pediu, em setembro, a flexibilização da lei que obriga uso do hijab. A sigla, formada por pessoas próximas ao ex-presidente reformista Mohamed Khatami, solicitou às autoridades que preparassem “os elementos legais para a anulação da lei do véu obrigatório”.

A proposta, contudo, até então era rechaçada por Raisi. Em julho, ele pediu a “todas as instituições estatais” que aumentassem a fiscalização do uso do véu. “Os inimigos do Irã e do Islã querem minar os valores culturais e religiosos da sociedade espalhando a corrupção”, disse à época.

De acordo com a agência Reuters, contudo, a presença da polícia moral nas ruas se tornou menos frequente nos últimos dias. Manifestantes dizem que a diminuição do efetivo é uma estratégia do regime para arrefecer os protestos.

Para os próximos dias, os manifestantes organizam uma greve geral e um novo protesto na Praça Azadi (Liberdade), uma das principais de Teerã. A manifestação está marcada para quarta-feira (7). No mesmo dia, Ebrahim Raisi deve discursar para estudantes.